São Paulo, domingo, 27 de julho de 2008

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ARTIGO

André Forastieri

Armas adultas

O jovem brasileiro quer saúde. Quer estudar e ganhar dinheiro. Quer ser feliz no trabalho e no amor e quer ir para o céu quando morrer. Parece bom e parece pouco. Nosso acomodamento adulto exige um jovem todo idealismo e rebelião, que roube dos deuses as chamas da utopia e incendeie tudo que há de velho e podre. Contanto que não seja nosso fi lho, claro.
Nesses valores pragmáticos se igualam classes de A a E, brancos e mulatos, manos e minas. A pesquisa Datafolha dá voz a uma geração pé-no-chão. Mas mais sofisticada do que parece à primeira vista.
Fácil dispensar esse conjunto de valores como mera lavagem cerebral da sociedade do hiperconsumo. Mas a cartilha emplacou por duas razões. Primeiro porque a garotada, já miserável, tem justificado pavor de mais miséria. É pobre de dar dó: 73% têm renda familiar abaixo de cinco salários mínimos. Esse valor inclui o salário do próprio jovem -60% trabalham, dos quais 77% ganham até dois salários mínimos. O que sobra (?!) vai para roupa, sapato, sanduba, xampu, a conta do celular e uma cerveja no sábado.
Esses são os felizes. Porque um em cada cinco está desempregado. Em 2005, quase metade dos desempregados do Brasil tinha entre 15 e 24 anos. A quantidade de jovens desempregados subiu 107% entre 1995 e 2005. A segunda razão por que o jovem acredita que se dar bem só depende de você é que ele é muito bem informado. E não só porque 74% acessam a internet. Esta geração absorveu organicamente o que o mundo nos ensina todo dia.
Para sobreviver, é preciso jogar o jogo. Complemento fundamental: as regras que valem para os outros não necessariamente valem para mim.
Por exemplo: 81% acham a religião importante, mas eles só seguem os mandamentos do Senhor quando querem. São 28% a favor do aborto e 50% a favor da pena de morte; 35% admitem a tortura. E 80% acham importante o sexo, arquiinimigo de padres e pastores.
Esse padrão se repete com freqüência: 78% são sexualmente ativos, 87% têm medo da Aids e 72% temem uma gravidez indesejada. Mas só 45% usam camisinha sempre.
Outro caso: a maioria dos jovens diz que o que se aprende na escola é muito útil. Mas só 51% estudam, 54% já repetiram o ano e 32% não lêem livros. Na prática, estão dizendo que o estudo só é importante como passaporte para um salário menos ruim. Acertaram na mosca.
Nosso jovem é surpreendentemente sofisticado em sua ambigüidade. Não tem ideais nem heróis. É realista nos seus objetivos -fantasias de ser modelo ou craque de futebol é coisa de uma minoria. Pretende atingir suas metas gastando o mínimo de energia.
Respeita leis do homem e de Deus só até que elas se transformem em obstáculos. A referência das meninas são mulheres-corporação como Ivete Sangalo, Xuxa e Gisele Bundchen -belas coxas conquistando belas contas bancárias. As boas pontuações de Lula nos quesitos "honestidade" e "inteligência" são reveladoras. Ele só atingiu a meta de sua vida quando finalmente jogou para ganhar, custe o que custar -como seus opositores sempre fizeram.
É uma geração que bate ponto na moralidade convencional, mas, na prática, atua segundo seus interesses. A plebe moleque enfim luta com as armas da elite adulta. Melhor assim.


ANDRÉ FORASTIERI, 42, diretor editorial da Tambor, foi o primeiro editor do Folhateen


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