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ARTIGO
André Forastieri
Armas adultas
O jovem brasileiro quer saúde.
Quer estudar e ganhar dinheiro.
Quer ser feliz no trabalho
e no amor e quer ir para o céu
quando morrer. Parece bom e
parece pouco. Nosso acomodamento
adulto exige um jovem
todo idealismo e rebelião, que
roube dos deuses as chamas da
utopia e incendeie tudo que há
de velho e podre. Contanto que
não seja nosso fi lho, claro.
Nesses valores pragmáticos
se igualam classes de A a E,
brancos e mulatos, manos e minas.
A pesquisa Datafolha dá voz
a uma geração pé-no-chão. Mas
mais sofisticada do que parece à
primeira vista.
Fácil dispensar esse conjunto
de valores como mera lavagem
cerebral da sociedade do
hiperconsumo. Mas a cartilha
emplacou por duas razões. Primeiro
porque a garotada, já miserável,
tem justificado pavor de
mais miséria. É pobre de dar dó:
73% têm renda familiar abaixo
de cinco salários mínimos. Esse
valor inclui o salário do próprio
jovem -60% trabalham, dos
quais 77% ganham até dois salários
mínimos. O que sobra (?!)
vai para roupa, sapato, sanduba,
xampu, a conta do celular e uma
cerveja no sábado.
Esses são os felizes. Porque
um em cada cinco está desempregado.
Em 2005, quase metade
dos desempregados do Brasil
tinha entre 15 e 24 anos. A quantidade
de jovens desempregados
subiu 107% entre 1995 e 2005.
A segunda razão por que o
jovem acredita que se dar bem
só depende de você é que ele é
muito bem informado. E não só
porque 74% acessam a internet.
Esta geração absorveu organicamente
o que o mundo nos
ensina todo dia.
Para sobreviver, é preciso jogar
o jogo. Complemento fundamental:
as regras que valem
para os outros não necessariamente
valem para mim.
Por exemplo: 81% acham a
religião importante, mas eles só
seguem os mandamentos do Senhor
quando querem. São 28%
a favor do aborto e 50% a favor
da pena de morte; 35% admitem
a tortura. E 80% acham importante
o sexo, arquiinimigo de
padres e pastores.
Esse padrão se repete com
freqüência: 78% são sexualmente
ativos, 87% têm medo da
Aids e 72% temem uma gravidez
indesejada. Mas só 45% usam
camisinha sempre.
Outro caso: a maioria dos jovens
diz que o que se aprende
na escola é muito útil. Mas só
51% estudam, 54% já repetiram
o ano e 32% não lêem livros. Na
prática, estão dizendo que o estudo
só é importante como passaporte
para um salário menos
ruim. Acertaram na mosca.
Nosso jovem é surpreendentemente
sofisticado em sua ambigüidade.
Não tem ideais nem
heróis. É realista nos seus objetivos
-fantasias de ser modelo
ou craque de futebol é coisa de
uma minoria. Pretende atingir
suas metas gastando o mínimo
de energia.
Respeita leis do homem e de
Deus só até que elas se transformem
em obstáculos. A referência
das meninas são mulheres-corporação
como Ivete Sangalo,
Xuxa e Gisele Bundchen -belas
coxas conquistando belas contas
bancárias. As boas pontuações
de Lula nos quesitos "honestidade"
e "inteligência" são reveladoras.
Ele só atingiu a meta
de sua vida quando finalmente
jogou para ganhar, custe o que
custar -como seus opositores
sempre fizeram.
É uma geração que bate ponto
na moralidade convencional,
mas, na prática, atua segundo
seus interesses. A plebe moleque
enfim luta com as armas da
elite adulta. Melhor assim.
ANDRÉ FORASTIERI, 42, diretor editorial da
Tambor, foi o primeiro editor do Folhateen
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