São Paulo, segunda-feira, 27 de setembro de 2004

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Uma cidade chamada Câmara

Jefferson Coppola/Folha Imagem
Escada da Câmara Municipal de São Paulo; prédio, de 13 andares, é vizinho de abrigo municipal e de entidade que dá alimentos a carentes


Cerca de mil pessoas passam por dia pelo Parlamento paulistano à procura de algum tipo e ajuda

LAURA CAPRIGLIONE
DA REPORTAGEM LOCAL

O coral das Mestras Cantoras, do Centro do Professorado Paulista (CPP), estava lá, uniformizado. Cantou hits do canto orfeônico, como "Rosa Amarela" e "Tamba Tajá". Aplausos. Antes, foi a vez de o maestro Ivan Haensel, 37, reger os 24 músicos da Guarda Civil Metropolitana. Tocaram "La Mer", "Aquarela do Brasil" e o "Hino Nacional" para a platéia de 300 professores.
O evento, ocorrido no dia 9 de setembro, no plenário da Câmara Municipal de São Paulo, era para homenagear o professor Palmiro Mennucci, presidente do CPP.
A professora aposentada Sáloa Said Amim, 68, saiu às 17 horas de São José dos Campos (91 km de São Paulo) para chegar a tempo de assistir à entrega da medalha Anchieta e do diploma de gratidão da cidade ao professor Mennucci. "Esse homem merece."
Depois dos discursos, garçons serviram canapés e refrigerantes para os mestres. Foi uma festa.
Passados dois dias, o salão nobre da Câmara virou cenário de velório. Rappers e militantes do movimento negro prestavam as últimas homenagens ao maranhense Preto Ghoez, 30, líder do grupo de rap Clãnordestino, morto em um acidente na véspera.
"A diversidade das cenas é o melhor retrato da Câmara", explica o vereador Jooji Hato, do PMDB, que disputa a sexta reeleição consecutiva. Os contrastes começam na geografia.
O viaduto Maria Paula, no centro, todos os dias de manhãzinha e ao anoitecer, se enche de moradores de rua. Um abrigo municipal, onde eles dormem, e a distribuição de alimentos na vizinha Federação Espírita, são responsáveis pela freqüência miserável. O contraponto vistoso está no prédio envidraçado de 13 andares, encravado bem no meio disso: é lá que funciona a Câmara.
Com orçamento anual de R$ 215 milhões, a Câmara tem 55 vereadores e 2.166 funcionários. Desses, 980 estão lá sem concurso público. São 18 homens "de confiança" para cada parlamentar. Em média, cada funcionário ganha R$ 6.500.

Dia do fã
Em 2004, os condôminos do prédio aprovaram 141 projetos de lei. Desses, 103 eram relativos a batizados de ruas e praças, escolha de hinos e homenagens insólitas, como a que instituiu, o "Dia do Fã de Séries de TV e Cinema" que, aprenda, comemora-se no dia 17 de março.
A percepção da Câmara como local onde ainda se exerce o clientelismo desbragado atrai cerca de mil pessoas por dia. Elas começam a chegar às 9h, quando as portas se abrem. "Vêm atrás de emprego, encaminhamento hospitalar para uma cirurgia, ajuda para enterrar um parente, ou cesta básica", afirma o funcionário Raimundo Gonçalves Neto, 47.
"A política da troca de favores está diminuindo, o que é bom, mas ainda existe num dos parlamentos mais antigos do país (é de 1560)", lembra o cientista político Rui Tavares Maluf.
No próximo domingo, a Câmara inaugurará, no quarteirão que ocupa, um complexo de lazer, com quadras, parques e feira de artesanato.
Já funciona o restaurante-escola (aberto ao público, tem refeições a partir de R$ 12), em que estudam e trabalham 65 alunos de baixa renda. Um convênio entre as prefeituras de Genebra, Lyon e São Paulo construiu o restaurante, onde os meninos aprendem gastronomia e francês, além de receber uma bolsa de R$ 120.
A missão da Câmara, é sempre bom lembrar, é produzir leis para a cidade, fiscalizar os atos do Executivo e encaminhar as reivindicações da população.


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