São Paulo, domingo, 30 de julho de 2006

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o declínio do império

Oriente ganha força e muda balanço de poder

Republicano prevê desvalorização do dólar e diz que moeda deixará de ser referência internacional

DA REPORTAGEM LOCAL

Nas próximas duas décadas, os Estados Unidos perderão o posto de maior economia do mundo, verão sua influência global reduzida e deixarão de ter o privilégio de emitir a moeda global, que não será mais o dólar. As previsões são de Clyde Prestowitz, um ácido crítico do governo George W. Bush dentro do Partido Republicano.
Conselheiro do secretário de Comércio na gestão de Ronald Reagan, Prestowitz é autor de "Three Billion New Capitalists - The Great Shift of Wealth and Power to the East" (Três Bilhões de Novos Capitalistas - A Grande Mudança de Riqueza e Poder para o Leste).
No livro, analisa o que vê como inevitável declínio do poder norte-americano. A seguir, trechos da entrevista concedida à Folha por telefone. (CT)

 

FOLHA - Quais são os desafios que a emergência da China e da Índia coloca para o restante do mundo?
CLYDE PRESTOWITZ
- Apesar de a China e a Índia serem pobres em termos de renda per capita, por serem tão grandes eles já estão entre as três ou quatro maiores economias do mundo.
Se você pensa no Japão, na Coréia, nos tigres asiáticos, eles são países pequenos, mas que tiveram enorme impacto na economia global nos anos 70, 80. Agora, esses dois enormes países mudarão o balanço de poder da economia global.
Por um longo tempo, os Estados Unidos têm sido a maior economia do mundo, têm o maior número de votos no Fundo Monetário Internacional, no Banco Mundial, e são o mais poderoso "player" na Organização Mundial do Comércio.
Agora o peso dos EUA diminuirá. O tamanho da economia norte-americana em relação a outras economias será menor. O país vai responder por uma parcela menor da produção global e será inevitável que tenha menos influência.

FOLHA - O sr. vê um cenário no qual os EUA deixarão de ser a maior economia e maior potência mundial?
PRESTOWITZ
- Os EUA com certeza perderão sua posição como a maior economia. Hoje a União Européia já tem um PIB maior. Certamente, entre 15 e 25 anos, a China terá uma economia maior. Os EUA ainda serão uma economia mais rica em termos de renda per capita e ainda serão muito poderosos.
Além disso, eu creio que o dólar vai perder sua posição como a moeda do mundo. Acredito que em dez anos o petróleo não será cotado em dólares.
Também creio que o dólar terá desvalorização de 50% a 75%. Se houver essa desvalorização e o dólar deixar de ser usado como referência internacional, o poder dos EUA será consideravelmente reduzido.

FOLHA - Que moeda tomaria o lugar do dólar?
PRESTOWITZ
- Não estou seguro de que haja uma única moeda. Talvez o petróleo seja cotado em uma cesta de moedas, com dólar, iene, yuan e euro.

FOLHA - O que a China e a Índia fizeram para crescer tanto?
PRESTOWITZ
- A China era comunista, a Índia, socialista, e ambos decidiram ser capitalistas. Desregulamentaram a economia, privatizaram e desenvolveram uma economia de mercado. No caso da China, também investiram pesadamente em infra-estrutura, encorajaram investimentos estrangeiros e colocaram ênfase na aquisição de tecnologia.
Existe outro fator importante a ser lembrado se você está no Brasil. A China vai se tornar a maior economia do mundo e tem um enorme potencial. Se você é um homem de negócios, talvez você esteja disposto a enfrentar riscos na China que você não assumiria no México ou no Brasil, porque os dois países têm mercados bem menores.
Há um fator especial em relação à China e à Índia pelo simples fato de serem tão grandes. Quando vamos a seminários econômicos e as pessoas perguntam "o que temos que fazer para ter desenvolvimento?", a resposta é "império da lei, democracia, privatização, desregulamentação, blá, blá, blá".
A China não é transparente nem é regida pelo império da lei e, apesar disso, consegue todos esses investimentos. Isso ocorre porque os empresários estão dispostos a correr riscos, já que o ganho potencial é enorme.

FOLHA - O que países como o Brasil podem fazer? É possível competir com a China e a Índia?
PRESTOWITZ
- Eu diria que sim. Eu penso que o Brasil não deveria tentar competir com a China produzindo têxteis, calçados e outros produtos de baixo valor agregado. O Brasil vai se dar muito bem vendendo commodities para a China, como soja, café e matérias-primas.
Além disso, o Brasil tem uma indústria de alta tecnologia. Vocês fazem aviões, computadores e, nessas áreas, há oportunidades para competir e colaborar com a China.
Mas o Brasil tem de ser realista e ver que a China será um competidor muito forte.

FOLHA - Os Estados Unidos também estão perdendo sua posição de líder em tecnologia e inovação?
PRESTOWITZ
- Sim, e não apenas para a Índia e a China. O Japão é um líder em muitas áreas de alta tecnologia, a Coréia se tornou líder em certas áreas. Não são só a Índia e a China. Os EUA estão perdendo sua posição de liderança na área tecnológica de maneira ampla.

FOLHA - A Terra é grande o suficiente para suportar a emergência da China e da Índia?
PRESTOWITZ
- Creio que não. A China e a Índia terão que desenvolver um novo modelo. Essa é uma das razões pelas quais eles se tornarão importantes centros de tecnologia.
Para sustentar seu crescimento, eles precisarão de um novo modelo econômico, menos intensivo no consumo de recursos naturais e energia e mais intensivo no uso de tecnologia. Se eles se desenvolverem no mesmo padrão norte-americano, a Terra não suportará.

FOLHA - O que poderia evitar o declínio do poder norte-americano?
PRESTOWITZ
- Normalmente em um jogo de bridge há quatro jogadores e cada um recebe uma mão de cartas. Se você pensar na globalização como um jogo de bridge e perguntar qual mão eu gostaria de jogar -a dos Estados Unidos, da China ou do Brasil- eu diria que eu prefiro a dos Estados Unidos.
Ainda acho que o país tem as melhores cartas. Mas o interessante no bridge é que você pode ter cartas muito boas e, mesmo assim, perder se você jogar mal.
Hoje os EUA estão jogando da pior maneira possível. Com políticas e lideranças diferentes, o país poderia manter uma posição confortável. Mas em nenhuma circunstância manterá sua posição hegemônica.
Seu poder relativo vai diminuir. Mas se os EUA jogarem suas cartas de maneira adequada, poderão moldar instituições internacionais e manter uma posição confortável.


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