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de volta ao passado
Supremacia do Ocidente é exceção na história
Especialista em história econômica diz que China terá o maior PIB do mundo em 2030 e Índia, o 3º
CLÁUDIA TREVISAN
DA REPORTAGEM LOCAL
O mundo está assombrado com a recente ascensão da China e da Índia, mas a supremacia econômica desses países asiáticos foi a regra na maior parte da
história da humanidade depois de Cristo. A exceção são os últimos 200 anos, nos quais o Ocidente se impôs graças às inovações tecnológicas que desaguaram na Revolução Industrial.
Entre o ano 1 e o fim do século 18, China e Índia respondiam por mais da metade do PIB global, segundo cálculos do economista Angus Maddison, professor emérito da Universidade de Groningen e um dos mais respeitados especialistas em história econômica do mundo, que fez estimativas de PIBs para os últimos 2.000 anos.
Nos séculos 19 e 20, o peso econômico dos dois países despencou e chegou a menos de 10% em 1950. Ao mesmo tempo, Europa Ocidental e Estados Unidos passaram a abocanhar mais da metade do PIB global.
Pelas projeções de Maddison, o mundo vai pender de novo para o Oriente: até 2030, diz, a China será a maior economia do mundo e, a Índia, a terceira,
depois dos Estados Unidos.
Juntos, os dois países serão responsáveis por 50% do PIB mundial. Europa Ocidental, América do Norte e Japão cairão dos atuais 50% para 36% em 2030, calcula Maddison.
A enorme população é o fator
mais óbvio para a supremacia
da China e da Índia no passado.
Por volta de 1500, os dois países
somados tinham metade dos
habitantes do mundo, 213 milhões, número superior à população brasileira de hoje.
No início do século 19, viviam
na China 358 milhões de pessoas -36,6% dos habitantes da
Terra na época. Incluída a população da Índia, os dois países
reuníam quase 60% dos moradores do planeta. Hoje, ambos
são endereço de 40%.
Mas a população não era o
único fator que explicava o peso econômico, pelo menos no
caso da China. O Império do
Meio manteve durante séculos
a dianteira tecnológica em relação ao Ocidente, o que lhe permitiu registrar uma renda per
capital razoável, apesar da
grande população.
Maddison afirma que uma
das mudanças cruciais no país
ocorreu na dinastia Sung (960-1279), quando os chineses desenvolveram um sistema agrícola que tornou possível a realização de mais de uma colheita
de arroz por ano. Em conseqüência, a renda per capita do
império teve alta de 30%.
O desenvolvimento da agricultura era uma das prioridades da burocracia chinesa, que
já tinha no início da era cristã
um grau de sofisticação que só
seria atingido séculos mais tarde nos países ocidentais.
"A China foi a pioneira do governo burocrático. No século
10, o país já era administrado
por profissionais treinados como servidores públicos, recrutados em exames com base no
mérito", afirma Maddison.
O economista lembra que o
mesmo sistema só começou a
ser adotado no Ocidente mil
anos mais tarde, por iniciativa
de Napoleão.
Os burocratas utilizaram a
imprensa -que surgiu na China 500 anos antes de Gutenberg na Europa- para disseminar novas técnicas entre os
agricultores, por meio de livros
ilustrados e folhetos.
O Estado também promovia
a irrigação, o uso intensivo de
mão-de-obra e a disseminação
de fertilizantes naturais, o que
levou a uma alta produtividade
agrícola. A prosperidade fez
com que a população se multiplicasse por quatro entre os séculos 13 e 19, com relativa estabilidade da renda per capita.
Fora da agricultura, o Império do Meio detém os direitos
autorais de descobertas cruciais para a humanidade. Além
da impressão (que era feita
com blocos de madeira), o papel, a pólvora e a bússola são
consideradas as grandes invenções da China antiga. Todas
elas surgiram nos primeiros séculos depois de Cristo.
Para supresa dos que foram
descobertos por europeus, os
chineses também tiveram seu
grande navegador, que liderou
frotas maiores e mais sofisticadas que as de Pedro Álvares Cabral e de Cristóvão Colombo. O
comandante da aventura da
China nos mares foi o almirante Zheng He, que realizou sete
expedições entre os anos 1405
e 1433 para o Sudeste Asiático,
África, Golfo Pérsico e Índia.
As maiores frotas de Zheng
He tinham cerca de 300 navios
e 27 mil homens. A expedição
de Cabral que aportou no Brasil saiu de Lisboa com 13 navios
e 1.500 homens. Os barcos do
almirante chinês chegavam a
ser cinco vezes maiores que as
caravelas que levaram Colombo à costa da América.
À diferença das expedições
ocidentais, as chinesas não tinham o objetivo de estabelecer
colônias. "A intenção não era
lucrativa nem comercial. Eles
queriam estender a idéia de
que a China era um país superior e, com isso, ter Estados tributários, como a Coréia e o
Vietnã foram", diz Maddison.
Sem motivação econômica e
financeiramente custosas, as
expedições foram abandonadas depois da morte de Zheng
He. Os oficiais do império tiveram influência crucial na decisão e boicotaram as tentativas
de retomar as viagens.
Segundo Maddison, "os burocratas eram educados com
base em textos clássicos, pensavam que a China era o país líder do mundo e não eram curiosos em relação ao que acontecia no Ocidente".
Essa idéia prevaleceria por
mais três séculos, com a China
vivendo em relativo isolamento, até se chocar com outra potência que via a si mesma como
líder do mundo, a Inglaterra.
O primeiro contato "oficial"
entre os dois impérios ocorreu
em 1793, quando o rei George
3º enviou à China uma missão
chefiada por lord McCartney,
para estabelecer relações diplomáticas e abrir uma embaixada inglesa em Pequim.
O império britânico estava
no auge, e seus mercadores enfrentavam uma série de restrições no comércio com os chineses, entre elas a obrigatoriedade de realizar negócios somente no Cantão, em condições humilhantes, e a proibição
de aprender a língua local.
McCartney liderou uma expedição de 700 homens e levou
nos navios o melhor que a
emergente indústria de seu
país tinha a oferecer -de relógios a armas. Eram presentes,
com os quais os ingleses esperavam impressionar o imperador Qianlong e abrir os portos
do país a seus produtos.
O encontro de duas civilizações que se julgavam superiores foi marcado por desentendimentos e incompreensões de
ambos os lados. Os intérpretes
não foram suficientes para traduzir as diferentes e inconciliáveis visões de mundo.
A idéia de embaixadas, por
exemplo, já comum na Europa
da época, era inexistente na
China, onde missões estrangeiras eram autorizadas a permanecer durante poucos dias, sob
intensa vigilância do Estado.
A longa viagem de McCartney terminou sem nenhum resultado. A autorização para a
instalação da embaixada foi negada e o imperador Qianlong
devolveu os presentes enviados
pelo rei George 3º, sob o argumento de que a China tinha tudo o que precisava.
Esse choque de civilizações é
narrado pelo francês Alain
Peyreffite no livro "O Império
Imóvel", cujo título traduz com
precisão a China de então.
Aquele foi o prenúncio do
conflito que se intensificaria
no século seguinte. A Inglaterra passou a comprar quantidades crescentes de produtos chineses e, sem ter algo pelo qual
os chineses se interessassem,
começou a exportar ópio.
Quando os chineses tentaram impedir o comércio da
droga, os Ingleses reagiram
com a Guerra do Ópio (1839-1842), da qual a China saiu derrotada e humilhada, para entrar em um período de decadência que só começaria a ser
interrompido a partir da metade do século 20.
O norte-americano Clyde
Prestowitz resume bem o sentimento que predomina hoje
no país: " Meus amigos na China me dizem "nós tivemos 150
anos ruins, mas agora nós estamos de volta'".
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