São Paulo, domingo, 30 de julho de 2006

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de volta ao passado

Supremacia do Ocidente é exceção na história

Especialista em história econômica diz que China terá o maior PIB do mundo em 2030 e Índia, o 3º

CLÁUDIA TREVISAN
DA REPORTAGEM LOCAL

O mundo está assombrado com a recente ascensão da China e da Índia, mas a supremacia econômica desses países asiáticos foi a regra na maior parte da história da humanidade depois de Cristo. A exceção são os últimos 200 anos, nos quais o Ocidente se impôs graças às inovações tecnológicas que desaguaram na Revolução Industrial.
Entre o ano 1 e o fim do século 18, China e Índia respondiam por mais da metade do PIB global, segundo cálculos do economista Angus Maddison, professor emérito da Universidade de Groningen e um dos mais respeitados especialistas em história econômica do mundo, que fez estimativas de PIBs para os últimos 2.000 anos.
Nos séculos 19 e 20, o peso econômico dos dois países despencou e chegou a menos de 10% em 1950. Ao mesmo tempo, Europa Ocidental e Estados Unidos passaram a abocanhar mais da metade do PIB global.
Pelas projeções de Maddison, o mundo vai pender de novo para o Oriente: até 2030, diz, a China será a maior economia do mundo e, a Índia, a terceira, depois dos Estados Unidos.
Juntos, os dois países serão responsáveis por 50% do PIB mundial. Europa Ocidental, América do Norte e Japão cairão dos atuais 50% para 36% em 2030, calcula Maddison.
A enorme população é o fator mais óbvio para a supremacia da China e da Índia no passado. Por volta de 1500, os dois países somados tinham metade dos habitantes do mundo, 213 milhões, número superior à população brasileira de hoje.
No início do século 19, viviam na China 358 milhões de pessoas -36,6% dos habitantes da Terra na época. Incluída a população da Índia, os dois países reuníam quase 60% dos moradores do planeta. Hoje, ambos são endereço de 40%.
Mas a população não era o único fator que explicava o peso econômico, pelo menos no caso da China. O Império do Meio manteve durante séculos a dianteira tecnológica em relação ao Ocidente, o que lhe permitiu registrar uma renda per capital razoável, apesar da grande população.
Maddison afirma que uma das mudanças cruciais no país ocorreu na dinastia Sung (960-1279), quando os chineses desenvolveram um sistema agrícola que tornou possível a realização de mais de uma colheita de arroz por ano. Em conseqüência, a renda per capita do império teve alta de 30%.
O desenvolvimento da agricultura era uma das prioridades da burocracia chinesa, que já tinha no início da era cristã um grau de sofisticação que só seria atingido séculos mais tarde nos países ocidentais.
"A China foi a pioneira do governo burocrático. No século 10, o país já era administrado por profissionais treinados como servidores públicos, recrutados em exames com base no mérito", afirma Maddison.
O economista lembra que o mesmo sistema só começou a ser adotado no Ocidente mil anos mais tarde, por iniciativa de Napoleão.
Os burocratas utilizaram a imprensa -que surgiu na China 500 anos antes de Gutenberg na Europa- para disseminar novas técnicas entre os agricultores, por meio de livros ilustrados e folhetos.
O Estado também promovia a irrigação, o uso intensivo de mão-de-obra e a disseminação de fertilizantes naturais, o que levou a uma alta produtividade agrícola. A prosperidade fez com que a população se multiplicasse por quatro entre os séculos 13 e 19, com relativa estabilidade da renda per capita.
Fora da agricultura, o Império do Meio detém os direitos autorais de descobertas cruciais para a humanidade. Além da impressão (que era feita com blocos de madeira), o papel, a pólvora e a bússola são consideradas as grandes invenções da China antiga. Todas elas surgiram nos primeiros séculos depois de Cristo.
Para supresa dos que foram descobertos por europeus, os chineses também tiveram seu grande navegador, que liderou frotas maiores e mais sofisticadas que as de Pedro Álvares Cabral e de Cristóvão Colombo. O comandante da aventura da China nos mares foi o almirante Zheng He, que realizou sete expedições entre os anos 1405 e 1433 para o Sudeste Asiático, África, Golfo Pérsico e Índia.
As maiores frotas de Zheng He tinham cerca de 300 navios e 27 mil homens. A expedição de Cabral que aportou no Brasil saiu de Lisboa com 13 navios e 1.500 homens. Os barcos do almirante chinês chegavam a ser cinco vezes maiores que as caravelas que levaram Colombo à costa da América.
À diferença das expedições ocidentais, as chinesas não tinham o objetivo de estabelecer colônias. "A intenção não era lucrativa nem comercial. Eles queriam estender a idéia de que a China era um país superior e, com isso, ter Estados tributários, como a Coréia e o Vietnã foram", diz Maddison.
Sem motivação econômica e financeiramente custosas, as expedições foram abandonadas depois da morte de Zheng He. Os oficiais do império tiveram influência crucial na decisão e boicotaram as tentativas de retomar as viagens.
Segundo Maddison, "os burocratas eram educados com base em textos clássicos, pensavam que a China era o país líder do mundo e não eram curiosos em relação ao que acontecia no Ocidente".
Essa idéia prevaleceria por mais três séculos, com a China vivendo em relativo isolamento, até se chocar com outra potência que via a si mesma como líder do mundo, a Inglaterra.
O primeiro contato "oficial" entre os dois impérios ocorreu em 1793, quando o rei George 3º enviou à China uma missão chefiada por lord McCartney, para estabelecer relações diplomáticas e abrir uma embaixada inglesa em Pequim.
O império britânico estava no auge, e seus mercadores enfrentavam uma série de restrições no comércio com os chineses, entre elas a obrigatoriedade de realizar negócios somente no Cantão, em condições humilhantes, e a proibição de aprender a língua local.
McCartney liderou uma expedição de 700 homens e levou nos navios o melhor que a emergente indústria de seu país tinha a oferecer -de relógios a armas. Eram presentes, com os quais os ingleses esperavam impressionar o imperador Qianlong e abrir os portos do país a seus produtos.
O encontro de duas civilizações que se julgavam superiores foi marcado por desentendimentos e incompreensões de ambos os lados. Os intérpretes não foram suficientes para traduzir as diferentes e inconciliáveis visões de mundo.
A idéia de embaixadas, por exemplo, já comum na Europa da época, era inexistente na China, onde missões estrangeiras eram autorizadas a permanecer durante poucos dias, sob intensa vigilância do Estado.
A longa viagem de McCartney terminou sem nenhum resultado. A autorização para a instalação da embaixada foi negada e o imperador Qianlong devolveu os presentes enviados pelo rei George 3º, sob o argumento de que a China tinha tudo o que precisava.
Esse choque de civilizações é narrado pelo francês Alain Peyreffite no livro "O Império Imóvel", cujo título traduz com precisão a China de então.
Aquele foi o prenúncio do conflito que se intensificaria no século seguinte. A Inglaterra passou a comprar quantidades crescentes de produtos chineses e, sem ter algo pelo qual os chineses se interessassem, começou a exportar ópio.
Quando os chineses tentaram impedir o comércio da droga, os Ingleses reagiram com a Guerra do Ópio (1839-1842), da qual a China saiu derrotada e humilhada, para entrar em um período de decadência que só começaria a ser interrompido a partir da metade do século 20.
O norte-americano Clyde Prestowitz resume bem o sentimento que predomina hoje no país: " Meus amigos na China me dizem "nós tivemos 150 anos ruins, mas agora nós estamos de volta'".


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