São Paulo, domingo, 30 de agosto de 2009

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3 - O que o Brasil deve fazer com a receita do petróleo?

SAMANTHA LIMA
DA SUCURSAL DO RIO
VALDO CRUZ
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Até que o primeiro barril de petróleo das áreas do pré-sal ainda não exploradas seja convertido em reais para os cofres de governos e empresas, o país deverá esperar quase uma década. Mas, ainda situadas em um futuro distante, as receitas do pré-sal começam a ter seu destino selado na criação do marco regulatório -e já são alvo de debates e disputas.
Pelo modelo que será enviado ao Congresso, o governo proporá a criação de um fundo para o destino das receitas do petróleo. Uma parte será investida em títulos públicos, ações e projetos de infraestrutura, no Brasil e no exterior. Outra parte será usada em saúde, educação, no combate à pobreza e em inovação. Os percentuais não foram definidos.
O nome não está decidido, mas deverá ser Fundo de Desenvolvimento Social. O controle e a decisão de como o dinheiro será aplicado serão entregues a um comitê gestor.
A atual forma de divisão dos recursos do petróleo, o pagamento de royalties, será revista. O governo indicou que municípios e Estados continuarão recebendo recursos, mas que reduzirá a fatia hoje prevista. A ideia é estender as receitas a todos os municípios e Estados, em vez de concentrá-las só onde há atividade petrolífera.
Um dos pontos de controvérsia refere-se ao "carimbo" de recursos. O coordenador do curso de geologia da Universidade Federal da Bahia, Doneivan Ferreira, acredita que seja necessário criar mecanismos para assegurar que os recursos não tenham outra finalidade.
"Poderia ser criada uma espécie de multa, por exemplo. Devemos evitar o uso para pagar despesas do governo", diz.
Opinião diferente tem Renato Bertani, ex-presidente da Petrobras América e sócio da consultoria Thompson Knight. "Não precisa ter destinação fixa. Pressupondo-se eficiência do governo, o dinheiro pode entrar no caixa e ser destinado conforme as necessidades", diz.
Aplicar em área social e no exterior não tem apoio unânime. "O maior problema do país é infraestrutura. Receita para gastos sociais já é prevista por lei e cresce automaticamente quando a economia vai bem. Investir no exterior é outra bobagem", diz o ex-presidente do BNDES Carlos Lessa.
Investir parte do dinheiro no exterior é apontado por outros especialistas como medida para evitar uma entrada excessiva de dólares no país e a consequente valorização do câmbio -o que pode liquidar a competitividade dos exportadores.
"A medida nos protege contra a "doença holandesa'", diz o senador Delcídio Amaral (PT-MT), referindo-se ao termo usado para a perda de competitividade em países que descobrem grandes reservas de recursos naturais. Surgiu quando o fenômeno foi verificado na Holanda, cuja economia foi "vítima" da descoberta de reservas de gás, nos anos 60 e 70.
"O excesso de dinheiro na economia também traz risco de inflação, como na Venezuela", diz Lisa Viscidi, especialista da consultoria americana Energy Intel. "Mas parte dos recursos deve ser usada, em velocidade adequada, para resolver problemas sociais e cobrir parte da dívida pública." Para especialistas, a aplicação em ações, títulos e projetos de longo prazo ajuda a preservar os recursos para gerações futuras.

Riscos
A revisão dos royalties já cria polêmica. Municípios do Rio de Janeiro campeões no recebimento dessas receitas criticam a possibilidade de mudança, defendida pela maioria dos especialistas. "A União deve ficar com a maior parte do dinheiro por ser dona das reservas e precisa levá-lo até a população do Acre, que não tem petróleo", afirma Lessa.
Primeiro presidente da Agência Nacional do Petróleo, o consultor David Zylbersztajn considera as discussões prematuras. "Isso é debate para depois que a Petrobras concluir seus testes e avaliar de fato o potencial do pré-sal, ainda pouco conhecido. Até lá, estamos discutindo a quem dar um cheque pré-datado que não sabemos se terá fundos."


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