São Paulo, quinta-feira, 30 de setembro de 2010

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Gestor pragmático, Serra ensaia plataforma mais assistencialista

Longe de ser um adepto da ortodoxia econômica ou um entusiasta das políticas sociais , o candidato tucano não costuma dar importância para os programas de governo

DÓLAR BARATO E JURO ALTO MANTÊM INFLAÇÃO BAIXA, MAS PREJUDICAM OS INVESTIMENTOS E EXPORTAÇÕES, E PAÍS ACUMULA PERDAS

GUSTAVO PATU
DE BRASÍLIA

Quando disputou a corrida ao Planalto pela primeira vez, em 2002, José Serra teve de jurar sobre a cartilha do economicamente correto, marca do governo FHC. O Brasil de Serra manteria austeridade nos gastos públicos, liberdade para as cotações do dólar e juros tão altos quanto o necessário para controlar a inflação.
Oito anos depois, na segunda campanha presidencial, é obrigado a provar sua crença nas políticas e programas sociais de transferência de renda, marca do governo Lula. No Brasil de Serra haverá duplicação do Bolsa Família, mega-aumento do salário mínimo e ganhos reais para as aposentadorias.
O candidato tucano está longe de ser um adepto da ortodoxia econômica ou um entusiasta de políticas assistenciais. Aliás, nem tampouco dá grande importância a programas de governo -a uma semana da eleição, ainda não havia se dado ao trabalho de apresentar um. Mas, se costuma ser um candidato errático, também já se mostrou um administrador pragmático.
"Sou economista, fui ministro, sei fazer conta", diz no horário gratuito na TV, numa perfeita síntese do que há de mais autêntico em sua mensagem eleitoral. Acima de propostas, alianças e preferências ideológicas, Serra exibe o currículo e quer confiança em sua capacidade. Ele próprio é sua principal plataforma. O programa, depois, vai depender do apoio no Congresso, da pressão social, da conjuntura global.

AGENDA
Não é que não haja prioridades definidas. A melhor pista é a gestão do governo paulista nos últimos quatro anos, em que é fácil distinguir o essencial do acessório: saúde, educação e segurança merecem os discursos e a atenção obrigatória, mas são as grandes obras de infraestrutura que têm suas verbas multiplicadas.
Trata-se, ao mesmo tempo, de uma imposição da realidade nacional, de uma orientação adequada ao perfil do tucano e de uma lacuna deixada pelo governo Lula potencialmente explorável por um sucessor de oposição.
Desde 2007 Serra se posicionou para pôr em prática no Estado a agenda que Lula traçou para seu segundo mandato, não por acaso entregue à futura candidata petista à Presidência -embora o PAC, de resultados físicos e eleitorais abaixo do esperado, quase não seja hoje citado por Dilma Rousseff.
O governo de São Paulo expandiu seus investimentos em ritmo superior ao do governo federal. No primeiro caso, os gastos foram triplicados em três anos, em valores nominais; no segundo, duplicados. Nenhum conseguiu, no entanto, executar mais de dois terços do previsto nos orçamentos.
Sem um aumento da taxa de investimentos do país, o próximo presidente corre o risco de ter de responder pela interrupção do atual crescimento econômico baseado em consumo das famílias.
O aumento do poder de compra precisa da companhia tanto da capacidade de produção das empresas quanto de investimento em infraestrutura, ou seja, a oferta de rodovias, portos e energia.
Isso sem falar do cronograma de obras públicas e privadas para a Copa de 2014 e as Olimpíadas de 2016, em que atrasos não poderão ser camuflados por propaganda ou pela fixação de novos prazos.

INCÓGNITA
A mesma agenda põe Serra diante do tema mais nebuloso e controverso em sua trajetória desde o início do Plano Real -quando, ministro do Planejamento, opunha-se às políticas de câmbio e juros, coração do plano.
Antes e agora, dólar barato e juro alto mantêm a inflação baixa, mas prejudicam investimentos e exportações, enquanto o país acumula perdas nas transações de bens e serviços com o exterior. A julgar pelo que o tucano e seus colaboradores já disseram, a atuação do Banco Central teria de mudar.
Em 2001, ministro da Saúde e projeto de candidato ao Planalto, Serra defendeu uma "Lei de Responsabilidade Cambial", destinada a zerar o deficit externo do país. Neste ano, na pré-campanha, disse que "o Banco Central não é a Santa Sé", suscitando dúvidas sobre a intenção de manter a autonomia da instituição -um dos temas do início da campanha.
Sua equipe econômica, é mais seguro afirmar, dificilmente seguiria os modelos adotados por FHC e Lula, que acomodaram formuladores de diferentes correntes de pensamento. O estilo serrista não encoraja embates públicos entre subordinados.
Por essa lógica, uma ação coordenada de Fazenda, Planejamento e BC para a queda dos juros significa uma contenção de gastos com pessoal, custeio administrativo e programas sociais, capaz de tirar o combustível do consumo e facilitar a tarefa da política monetária. Obstáculos, entretanto, incluem impasses políticos, a herança do lulismo e as promessas de bilhões de reais do candidato.

LIMITAÇÕES
Serra é cético quanto às possibilidades de uma agenda legislativa ambiciosa. Reformas amplas no sistema tributário ou na Previdência, destinadas a reorganizar receitas e despesas públicas, estão fora do radar. Como a reforma política, consomem meses de negociação e geram resultados frustrantes.
Os ajustes inevitáveis no Orçamento devem ser baseados em medidas administrativas. Em sua gestão, a arrecadação do ICMS cresceu mais em São Paulo que no resto do país; antes, acontecia o contrário. Do lado da despesa, o alvo mais óbvio é a política de pessoal.
Qualquer presidente de oposição eleito será obrigado a enfrentar a hostilidade das dezenas de sindicatos de servidores acostumados aos reajustes salariais e à criação de carreiras dos anos Lula. O tucano já teve problemas no Estado ao condicionar reajustes ao cumprimento de metas de desempenho.
Serra ainda plantou problemas futuros com propostas generosas para o Bolsa Família e o salário mínimo de R$ 600, que afeta diretamente os gastos federais com previdência, seguro-desemprego e assistência social para idosos e deficientes.
O PSDB introduziu programas de renda, mas sempre como iniciativas de menor escala. O Bolsa Alimentação, criado por Serra, pagava 1,4 milhão de benefícios, contra 12,7 milhões do Bolsa Família. O Renda Cidadã, do governo paulista, encolheu entre 2007 e 2009.
As promessas do tucano são genéricas o bastante para serem cumpridas em prazos mais elásticos e custos menores. Nessa hipótese, inevitavelmente o preço a pagar deixa de ser econômico e se torna político.


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