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Gestor pragmático, Serra ensaia plataforma mais assistencialista
Longe de ser um adepto da ortodoxia econômica ou um entusiasta das políticas sociais , o candidato tucano não costuma dar importância para os programas de governo
DÓLAR BARATO E JURO ALTO MANTÊM INFLAÇÃO BAIXA, MAS PREJUDICAM
OS INVESTIMENTOS E EXPORTAÇÕES,
E PAÍS ACUMULA PERDAS
GUSTAVO PATU
DE BRASÍLIA
Quando disputou a corrida ao Planalto pela primeira
vez, em 2002, José Serra teve
de jurar sobre a cartilha do
economicamente correto,
marca do governo FHC. O
Brasil de Serra manteria austeridade nos gastos públicos,
liberdade para as cotações
do dólar e juros tão altos
quanto o necessário para
controlar a inflação.
Oito anos depois, na segunda campanha presidencial, é obrigado a provar sua
crença nas políticas e programas sociais de transferência
de renda, marca do governo
Lula. No Brasil de Serra haverá duplicação do Bolsa Família, mega-aumento do salário mínimo e ganhos reais
para as aposentadorias.
O candidato tucano está
longe de ser um adepto da ortodoxia econômica ou um
entusiasta de políticas assistenciais. Aliás, nem tampouco dá grande importância a
programas de governo -a
uma semana da eleição, ainda não havia se dado ao trabalho de apresentar um.
Mas, se costuma ser um candidato errático, também já se
mostrou um administrador
pragmático.
"Sou economista, fui ministro, sei fazer conta", diz
no horário gratuito na TV,
numa perfeita síntese do que
há de mais autêntico em sua
mensagem eleitoral. Acima
de propostas, alianças e preferências ideológicas, Serra
exibe o currículo e quer confiança em sua capacidade.
Ele próprio é sua principal
plataforma. O programa, depois, vai depender do apoio
no Congresso, da pressão social, da conjuntura global.
AGENDA
Não é que não haja prioridades definidas. A melhor
pista é a gestão do governo
paulista nos últimos quatro
anos, em que é fácil distinguir o essencial do acessório:
saúde, educação e segurança merecem os discursos e a
atenção obrigatória, mas são
as grandes obras de infraestrutura que têm suas verbas
multiplicadas.
Trata-se, ao mesmo tempo, de uma imposição da realidade nacional, de uma
orientação adequada ao perfil do tucano e de uma lacuna
deixada pelo governo Lula
potencialmente explorável
por um sucessor de oposição.
Desde 2007 Serra se posicionou para pôr em prática
no Estado a agenda que Lula
traçou para seu segundo
mandato, não por acaso entregue à futura candidata petista à Presidência -embora
o PAC, de resultados físicos e
eleitorais abaixo do esperado, quase não seja hoje citado por Dilma Rousseff.
O governo de São Paulo
expandiu seus investimentos em ritmo superior ao do
governo federal. No primeiro
caso, os gastos foram triplicados em três anos, em valores nominais; no segundo,
duplicados. Nenhum conseguiu, no entanto, executar
mais de dois terços do previsto nos orçamentos.
Sem um aumento da taxa
de investimentos do país, o
próximo presidente corre o
risco de ter de responder pela
interrupção do atual crescimento econômico baseado
em consumo das famílias.
O aumento do poder de
compra precisa da companhia tanto da capacidade de
produção das empresas
quanto de investimento em
infraestrutura, ou seja, a
oferta de rodovias, portos e
energia.
Isso sem falar do cronograma de obras públicas e privadas para a Copa de 2014 e as
Olimpíadas de 2016, em que
atrasos não poderão ser camuflados por propaganda ou
pela fixação de novos prazos.
INCÓGNITA
A mesma agenda põe Serra diante do tema mais nebuloso e controverso em sua
trajetória desde o início do
Plano Real -quando, ministro do Planejamento, opunha-se às políticas de câmbio
e juros, coração do plano.
Antes e agora, dólar barato
e juro alto mantêm a inflação
baixa, mas prejudicam investimentos e exportações,
enquanto o país acumula
perdas nas transações de
bens e serviços com o exterior. A julgar pelo que o tucano e seus colaboradores já
disseram, a atuação do Banco Central teria de mudar.
Em 2001, ministro da Saúde e projeto de candidato ao
Planalto, Serra defendeu
uma "Lei de Responsabilidade Cambial", destinada a zerar o deficit externo do país.
Neste ano, na pré-campanha, disse que "o Banco Central não é a Santa Sé", suscitando dúvidas sobre a intenção de manter a autonomia
da instituição -um dos temas do início da campanha.
Sua equipe econômica, é
mais seguro afirmar, dificilmente seguiria os modelos
adotados por FHC e Lula, que
acomodaram formuladores
de diferentes correntes de
pensamento. O estilo serrista
não encoraja embates públicos entre subordinados.
Por essa lógica, uma ação
coordenada de Fazenda, Planejamento e BC para a queda
dos juros significa uma contenção de gastos com pessoal, custeio administrativo e
programas sociais, capaz de
tirar o combustível do consumo e facilitar a tarefa da política monetária. Obstáculos,
entretanto, incluem impasses políticos, a herança do lulismo e as promessas de bilhões de reais do candidato.
LIMITAÇÕES
Serra é cético quanto às
possibilidades de uma agenda legislativa ambiciosa. Reformas amplas no sistema tributário ou na Previdência,
destinadas a reorganizar receitas e despesas públicas,
estão fora do radar. Como a
reforma política, consomem
meses de negociação e geram resultados frustrantes.
Os ajustes inevitáveis no
Orçamento devem ser baseados em medidas administrativas. Em sua gestão, a arrecadação do ICMS cresceu
mais em São Paulo que no
resto do país; antes, acontecia o contrário. Do lado da
despesa, o alvo mais óbvio é
a política de pessoal.
Qualquer presidente de
oposição eleito será obrigado
a enfrentar a hostilidade das
dezenas de sindicatos de servidores acostumados aos
reajustes salariais e à criação
de carreiras dos anos Lula. O
tucano já teve problemas no
Estado ao condicionar reajustes ao cumprimento de
metas de desempenho.
Serra ainda plantou problemas futuros com propostas generosas para o Bolsa
Família e o salário mínimo de
R$ 600, que afeta diretamente os gastos federais com previdência, seguro-desemprego e assistência social para
idosos e deficientes.
O PSDB introduziu programas de renda, mas sempre
como iniciativas de menor
escala. O Bolsa Alimentação,
criado por Serra, pagava 1,4
milhão de benefícios, contra
12,7 milhões do Bolsa Família. O Renda Cidadã, do governo paulista, encolheu entre 2007 e 2009.
As promessas do tucano
são genéricas o bastante para serem cumpridas em prazos mais elásticos e custos
menores. Nessa hipótese,
inevitavelmente o preço a
pagar deixa de ser econômico e se torna político.
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