São Paulo, quinta-feira, 30 de setembro de 2010

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Marina quer priorizar educação e evitar temas mais polêmicos

Ao se aproximar de economistas como Eduardo Gianetti, candidata assumiu compromisso com a austeridade fiscal ; cortes financiariam obras que sigam modelo de descarbonização

MARINA TAMBÉM PROMETE AUMENTAR FUNDOS E SERVIÇOS EM SAÚDE E SEGURANÇA SEM ESCLARECER BEM DE ONDE SAIRÁ O DINHEIRO

MARCELO LEITE
DE SÃO PAULO

O Brasil de Marina Silva será um país austero. Sob vários aspectos, até mesmo conservador. Não, porém, convencional, como se espera de uma presidente verde.
Sua prioridade estará na educação, não no ambiente. Em lugar de um Plano de Aceleração da Sustentabilidade, quer marcar sua eventual gestão por um PAE, com "e" de educação e alvo na inovação tecnológica.
O conservadorismo religioso da candidata do PV pouco ou nada influenciará suas políticas. Confrontada com questões sensíveis como liberalização do aborto, ela sai pela tangente com a proposta de plebiscito.
Em 125 proposições apresentadas por ela durante dois mandatos no Senado, nenhuma parece obviamente relacionada a igrejas evangélicas, como a sua Assembleia de Deus.

AUSTERIDADE FISCAL
É na gestão da macroeconomia que se revelará sua face mais conservadora.
Assessorada por economistas como Eduardo Giannetti da Fonseca, Marina assumiu compromisso com a manutenção da política econômica de FHC e Lula, calcada em metas de inflação, câmbio flutuante e independência do Banco Central.
O passo adiante será deslocar a ênfase da taxa de juros para o controle do gasto público. Um dos raros compromissos quantitativos nas diretrizes para um programa de governo é a meta de restringir o aumento da despesa a 50% do avanço do PIB.
Fala-se, também, em reduzir o número de cargos federais de livre provimento. Na mesma linha, as diretrizes prometem rever "programas extraordinários de anistia fiscal", como o Refis.
A obtenção de altos superavits primários não terá por objetivo financiar o consumo, e sim aumentar a capacidade de investimento do Estado. Não em um rol de obras de interesse de oligarquias estaduais e empresários apadrinhados pelo BNDES, como no PAC, mas com planejamento balizado pela descarbonização da economia.

ENERGIA E PRÉ-SAL
Este é o sentido mais profundo em que o novo governo seria conservador, o da sustentabilidade. Em lugar de dissipar recursos naturais num crescimento a qualquer preço, a gestão verde prescreve parcimônia, para preservar condições de desenvolvimento no longo prazo.
Subsídios para vendas de veículos, só contra compromissos de redução no consumo de combustíveis e emissão de poluentes.
Crédito para aumentar o produto da agropecuária com ganhos de produtividade e conversão de pastos degradados, não para mais desmatamento.
Uma administração Marina Silva decerto não contribuirá para construir as 4 a 8 usinas atômicas programadas por Lula. Pode até criar caso com Angra 3, além da hidrelétrica Belo Monte.
Não abrirá mão, porém, do pré-sal, ainda que a queima de derivados do petróleo seja a maior fonte planetária de gases do efeito estufa.
O programa Marina Silva prevê combate ao aquecimento global, inclusive com a criação da Agência Nacional do Clima.
Para conciliar uma coisa e outra, propõe utilizar a renda presenteada pelo pré-sal para financiar a transição para uma economia sem petróleo, ou, no jargão verde, sem "carbono".
Aqui, também, a gestão verde poderá frustrar o ambientalista mais crédulo no poder verde. Além da falta de espaço para manobrar uma marcha à ré nos transgênicos, em Angra 3 e Belo Monte, Marina Silva terá de planejar a construção de hidrelétricas na Amazônia.
Nem mesmo uma política agressiva de fomento às fontes alternativas renováveis, como energia eólica (ventos) e biomassa (bagaço de cana) permitiria abrir mão desse potencial.
Terão licenças ambientais, contudo, só aqueles empreendimentos -como as usinas do rio Madeira aprovadas pela então ministra- com equação econômico-ambiental mais favorável.

UM ITA PARA O NORTE
O norte de seu programa não está nas matas do Acre nem nos assentamentos de reforma agrária. O Brasil desenhado pelos verdes combina mais com o Instituto Tecnológico Vale (ITV) que a mineradora ergue em Belém, espécie de ITA amazônico.
Recursos naturais -terras cultiváveis, água, biodiversidade, insolação, minérios, petróleo etc.- são as vantagens comparativas do país na economia do século 21, mas nada valerão sem tecnologia para explorá-las de forma sustentável.
Daí a prioridade para reverter o apagão de recursos humanos, aumentando o investimento em educação para 7% do PIB.
O Bolsa Família prosseguirá, mas com atenção para a "porta de saída": qualificação. Como todo candidato, Marina também promete aumentar fundos e serviços em saúde e segurança pública sem esclarecer bem de onde sairá o dinheiro.
Ao menos no caso da qualificação, a proposta é reproduzir a experiência com o programa de combate ao desmatamento da Amazônia: reunir verbas e pessoal já disponível em outros ministérios e níveis de governo.
Levantamento preliminar indicou haver cerca de 320 mil agentes de campo no país, do Programa de Saúde da Família aos extensionistas e professores rurais.
Marina quer que eles passem a encaminhar beneficiários do Bolsa Família para os cursos e outras oportunidades de qualificação disponíveis na sua região.

FALTA O MAPA
O Brasil de Marina Silva está até que bem esboçado, mas verde.
Falta-lhe um roteiro para contornar os obstáculos que serão erguidos por ocupantes da máquina pública alérgicos a cortes de gastos e cargos, agroempresários consumidores de florestas, capitais viciados em carbono e um Congresso Nacional avesso a qualquer inovação.
O mais convencional do programa verde está nas prometidas reformas política, tributária e previdenciária. Com muito mais cacife político, FHC e Lula avançaram pouco. Falar em Constituinte exclusiva para desatar esses nós é tão evasivo quanto propor plebiscitos para questões sobre aborto e drogas.
Marina Silva tem um plano B, contudo: fazer mudanças operacionais sem ter de aprovar novas leis.
No campo tributário, por exemplo, cogita tornar a apuração do valor devido em cada imposto uma responsabilidade do Fisco. Ao contribuinte competiria só fornecer as informações e pagar o indicado, como no caso do imposto de renda. Seria uma inovação e tanto.


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