São Paulo, quinta, 31 de dezembro de 1998

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COMO FICOU - FERROVIA NORTE-SUL
Procurador vê superfaturamento, mas não faz denúncia no prazo
Caso vai a Brasília, ao RJ, volta e é arquivado

ANTONIO CARLOS SEIDL
da Reportagem Local

Com o arquivamento, em 3 de maio de 1988, do inquérito policial para apurar a denúncia de fraude na concorrência para a construção da ferrovia Norte-Sul, projetada para ligar o Maranhão a Brasília, ficaram impunes os responsáveis pelas supostas irregularidades ocorridas na licitação para uma das obras públicas mais caras do governo Sarney (1985-1989), avaliada em US$ 2,4 bilhões.
O caso Norte-Sul começou com reportagem sobre irregularidades no processo de licitação, feita pelo jornalista Janio de Freitas, na edição de 13 de maio de 1987 da Folha, em título de primeira página, com o seguinte enunciado: "Concorrência da ferrovia Norte-Sul foi uma farsa".
Na reportagem, Janio de Freitas, que hoje, além de colunista, é membro do Conselho Editorial do jornal, qualificou de "fraudulenta e determinada por corrupção" a concorrência para a construção da Norte-Sul, cujos resultados o governo divulgara no dia anterior, 12 de maio.
A revelação feita pela Folha tinha como base o fato de o jornal ter publicado os 18 vencedores -a ferrovia projetada para ter 1.570 km, de Imperatriz, no Maranhão, a Luziânia, em Goiás, tinha sido dividida em 18 lotes- cinco dias antes da abertura dos envelopes com as propostas concorrentes pela Valec, empresa estatal vinculada ao Ministério dos Transportes, responsável pela realização da concorrência e supervisão da construção da ferrovia.
Até hoje, do total previsto, apenas 106 km -no trecho entre Açailândia e Imperatriz, no Maranhão- foram concluídos. Outros 120 km -entre Imperatriz e Estreito, também em território maranhense- fazem parte do programa "Brasil em Ação", do atual governo federal.
Reagindo à repercussão da reportagem de que os resultados já eram conhecidos antes mesmo da abertura dos envelopes com as propostas concorrentes, o então presidente da República, José Sarney, hoje senador (PMDB-AP), determinou a abertura de inquérito pela Polícia Federal.
O então ministro dos Transportes, José Reinaldo Tavares, nomeou uma comissão administrativa para apurar "possíveis irregularidades".
O inquérito policial concluiu pela inexistência de irregularidades, depois de ouvir 52 pessoas, entre as quais os membros da diretoria da Valec, todos os presidentes das construtoras concorrentes, o ministro dos Transportes e o jornalista Janio de Freitas.
Mas o Ministério Público da União, representado pelo procurador da República Guilherme Magaldi Netto, não aceitou as conclusões do inquérito policial.
Magaldi baseou o seu ponto de vista no próprio inquérito da PF, que apontou que o diretor da Valec, Francisco Cunha, revelara às empreiteiras, em 27 de abril de 87, a pontuação por elas obtida na fase de pré-qualificação para a construção da ferrovia.
O parecer de Magaldi, de 21 de agosto de 87, diz que essa antecipação possibilitaria um eventual oferecimento de denúncia pela infração penal ao artigo 325 do Código Penal, segundo o qual constitui infração, punida com pena de seis meses a dois anos de detenção, a revelação de fato que o funcionário público tem ciência em razão do cargo e que deveria permanecer em segredo.
Embora convicto da existência de infração penal, que teria sido cometida pelo diretor da Valec, o procurador Magaldi, em vez de oferecer a denúncia criminal, pediu ao Procurador Geral da República na época, o ex-presidente do STF (Supremo Tribunal Federal) ministro Sepúlveda Pertence, para remeter o inquérito para o Ministério Público do Rio de Janeiro.
Magaldi alegou que a remessa do inquérito era necessária porque "todos os atos do processo licitatório se desenrolaram na cidade do Rio de Janeiro".
No Rio, o processo ficou sob a responsabilidade do procurador Juarez Tavares, que concluiu que os diretores da Valec elevaram os preços das obras em 300%, praticando assim crime de peculato contra o Tesouro.
Tavares não apresentou denúncia criminal contra os suspeitos dentro do prazo legal. O processo foi devolvido ao procurador-geral da República em Brasília.
De volta a Brasília, o processo foi distribuído ao procurador Eugênio José Guilherme de Aragão, que, em seu parecer, datado de 3 de maio de 88, pediu o seu arquivamento.



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