São Paulo, quinta, 31 de dezembro de 1998

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COMO FICOU -COLLORGATE/PC
Ex-presidente, PC Farias e outros acusados de corrupção são absolvidos
STF frustra volta de Collor à política

Roberto Jayme - 2.out.92/Folha Imagem
Fernando Collor olha relógio antes de assinar, em 92, citação para renunciar à Presidência da República


da Reportagem Local

A denúncia tinha 38 páginas. O inquérito original, de número 928.505-9, chamado de inquérito-mãe, tinha 39 volumes contendo cerca de 11 mil páginas. Outros inquéritos sobressalentes e acessórios foram se juntando a ele e, somados todos os autos, provas e depoimentos das investigações sobre as relações do ex-presidente Fernando Collor de Mello e seu tesoureiro de campanhas eleitorais, Paulo César Farias, o PC, contam-se 300 mil páginas.
Um pedaço da história contemporânea do Brasil está encerrado ali, no processo pelo qual a Procuradoria Geral da República acusou Collor de corrupto, PC Farias de corruptor e o ex-secretário particular da Presidência Cláudio Vieira de corrupção e coação de testemunhas.
Outros seis personagens menores da trama, entre eles o piloto Jorge Bandeira de Melo e as secretárias Rosinete Melanias e Marta Vasconcelos, também eram réus no processo, ora por falsificação de documentos, ora por coação de testemunhas. Não deu em nada. A papelada está guardada na 10ª Vara Criminal da Justiça Federal em Brasília. É quase um entulho.
Fernando Collor, Cláudio Vieira, Marta Vasconcelos e os empregados de PC Roberto Carlos Maciel (motorista), Severino Oliveira (contador) e Giovani Carlos de Melo (gerente) foram absolvidos de todas as acusações. PC foi condenado a sete anos de prisão, mas apenas pelo crime de falsificação de documentos bancários.
Jorge Bandeira pegou um ano e quatro meses, por falsificação de documentos, e também foi absolvido das outras acusações. A Rosinete Melanias coube a pena de dois anos e meio, pelo mesmo motivo.
Mais de três anos depois do julgamento do Supremo Tribunal Federal, PC foi morto. Foi assassinado no dia 23 de junho de 96, supostamente pela namorada Suzana Marcolino, mas o inquérito aberto após sua morte ainda assombra a Polícia Civil e o Ministério Público de Alagoas.
Depois do impeachment, Collor viveu um auto-exílio em Miami (EUA), alegando ter uma renda de R$ 100 mil por mês. Ele afirmava que o dinheiro saía do lucro obtido pelo jornal, pela TV e pelas emissoras de rádio de sua família em Maceió.
Em abril passado, Collor voltou ao Brasil convencido de que poderia se candidatar à sucessão de Fernando Henrique Cardoso, abreviando a suspensão por oito anos de seus direitos políticos imposta em dezembro de 92 pelo Senado.
Collor chegou a fazer uma convenção "caseira" do PRN, em Maceió, em junho, lançando-se à Presidência. Com discurso de vítima, tem afirmado que foi "sacado" do poder pelos "anões do Orçamento".
"O presidente não fala sobre o passado. Só pensa no futuro. Ele já sofreu demais com tantas injustiças. Hoje ele é gato escaldado e não entra em fria", afirmou o assessor de imprensa de Collor, Rony Curvelo, ao explicar o motivo pelo qual o presidente recusou-se, por sete meses, a falar à Folha sobre o assunto.
Em votação unânime, na noite de 8 de agosto, os ministros do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) declararam que Collor está impedido de concorrer a cargo público. Collor recorreu. O STF (Supremo Tribunal Federal) manteve a proibição.
Após esse insucesso, Collor fixou moradia em Maceió e está envolvido mais com a vida de empresário da comunicação.
A nova ocupação do ex-presidente ficou mais clara após ele ter percorrido todos os 101 municípios alagoanos na última campanha pedindo votos, primeiro, para o primo Euclydes Mello (PRN), que teve sua candidatura ao governo cassada pelo TSE, e, depois, para o governador eleito, Ronaldo Lessa (PSB).
Collor disse ter escolhido apoiar o candidato das esquerdas por ser "imperiosa a necessidade de mudança no Estado". Com toda a sua artilharia voltada contra FHC, votou em Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na eleição passada.
Collor passou a acompanhar mais de perto o desempenho da Organização Arnon de Mello, que reúne as empresas da família Collor em Alagoas.
Fez um plano de redução de despesas, que passa pela demissão de cerca de 80 dos 730 funcionários.
O ex-presidente passa todas as tardes na sede da empresa e se interessa por assuntos administrativos e pela linha editorial, principalmente, do diário "Gazeta de Alagoas".

Os outros
Cláudio Vieira pediu um empréstimo a agiotas de Brasília, não pagou e sumiu da cidade. Numa das últimas vezes a ser visto visto publicamente, em junho de 96, preparava-se para embarcar num veleiro em Recife rumo a Fernando de Noronha.
Jorge Bandeira foi gerente de um restaurante em Maceió até novembro do ano passado, quando inaugurou na cidade o "Le Corbu", um bonito e sofisticado restaurante franco-italiano. Sua sogra entrou com o capital, e ele, com o trabalho. "Não roubei nada. Julgaram-me, absolveram-me, mas ainda há alguns pequenos inquéritos em andamento. Espero que tudo isso acabe logo", diz.
Vivendo em Maceió, Rosinete Melanias abriu uma confecção de roupas infantis e não dá entrevistas.
Marta Vasconcelos casou, saiu de Brasília, passou um tempo no exterior e não foi localizada pela reportagem da Folha. Severino Oliveira, Giovani Melo e Roberto Carlos Maciel continuam trabalhando nas empresas de PC, agora sob a tutela do irmão do empresário, o deputado Augusto Farias, e respondendo ao comando de outro irmão, Luiz Romero.
O inquérito-mãe deu origem a 65 outros inquéritos na Justiça Federal. Na maioria deles, Collor e PC aparecem como réus associados a empresas privadas como a Vasp, o Grupo Votorantim, a Mercedes-Benz, as empreiteiras OAS e Odebrecht, a Cetenco Engenharia, a Construtora Tratex, usinas de Alagoas, empresas que enviam dólares para o exterior etc.
Todas elas deram dinheiro a alguma das 12 empresas de PC durante o governo Collor. A acusação do Ministério Público contra Collor, assinada em 94 pelo então procurador-geral da República, Aristides Junqueira, dizia que essas empresas tinham dado dinheiro a PC e depois se beneficiado por atos e decretos do governo.
O STF considerou a denúncia inepta porque não foi encontrado nenhum documento que ligasse as decisões do governo ao pinga-pinga do dinheiro privado nas contas de PC. Dos 65 inquéritos originados pelo processo 928.505-9, 40 estão arquivados por falta de provas -beneficiaram-se das falhas que existem no inquérito-mãe, ou seja, na ausência do documento que provaria a corrupção.
Os demais se arrastam pela Justiça Federal, a maioria em Brasília, São Paulo, Rio e Belo Horizonte.
Antes de morrer, durante seus depoimentos ao STF, PC justificou o dinheiro de que dispunha em suas contas bancárias abertas em nome de pessoas inexistentes como sendo sobras de campanha. Confessou ter aberto uma conta com o nome falso de Alberto Alves de Miranda e, por meio dela, ter movimentado o equivalente a US$ 147 milhões durante as campanhas eleitorais de 89 e 90.
Uma auditoria nessa conta, realizada sob determinação do STF, comprovou que em novembro de 90, dias depois do segundo turno das eleições estaduais daquele ano, demonstrou que seu saldo era positivo em US$ 67 milhões. "A defesa sustentou que todos os gastos de PC e de Collor tinham como origem o dinheiro de sobra de campanha. De fato, a sobra de campanha era mais do que suficiente para cumprir os gastos", crê Ilmar Galvão, o ministro do STF que relatou o caso.
"Como advogado, orgulho-me desse caso", diz Nabor Bulhões, um dos coordenadores da banca de advocacia que defendeu os réus do inquérito-mãe.
Após o julgamento do Supremo, que por 8 votos a 3 absolveu Collor, PC e os sete outros réus de todos os crimes dos quais eram acusados, exceto pela falsificação de documentos, Galvão releu todo o processo para se certificar da sentença.
"Digo com tranquilidade: não há nenhuma prova ligando o dinheiro de PC aos atos do governo Collor. Portanto, não há ato de ofício e não poderia ter havido crime de corrupção", afirma Galvão.


Colaborou Ari Cipola, da Agência Folha



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