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Rodrigo Bueno

Flor atômica

Superação da mais famosa vítima de Chernobyl e visitas a Auschwitz são os exemplos que a Euro precisa dar

SHEVCHENKO É a grande história individual da Eurocopa até agora. E, por trás dele, do clube dele e do país dele, há também algumas das mais belas histórias do futebol.

Em fase decadente faz tempo, o atacante cedeu aos apelos populares para jogar a Euro e virou de vez herói nacional, aos 35 anos, ao marcar os gols da virada da Ucrânia sobre a Suécia.

Jogador que ganhou fama global no Milan, ele é cria do Dínamo de Kiev e do desastre nuclear de Chernobyl, a mais célebre catástrofe do gênero, ocorrida em 1986, quando Shevchenko tinha nove anos. A região em que ele vivia foi muito afetada, e a família toda teve que se mudar. O garoto virou um refugiado dentro da então União Soviética.

Transtornado, arriscou a vida no boxe, mas acertou no futebol. Foi reprovado em um teste, o que não o fez desanimar. Ganhou chance no Dínamo, o clube de grande parte dos vencedores da "Partida da Morte". Lembro: ex-jogadores do lendário time de Kiev, todos prisioneiros de guerra, derrotaram em 1942 uma seleção de soldados nazistas por 5 a 3, de virada, mesmo cientes das consequências fatais dessa demonstração de superioridade no futebol (poucos desses heróis sobreviveram à 2ª Guerra para relatar o nobre triunfo).

A grande história coletiva da Eurocopa até agora também tem a ver com o mais famoso conflito da história. A delegação inglesa visitar o campo de concentração de Auschwitz era algo até esperado, mas a seleção alemã chegou primeiro no local com flores. Vencidos e vencedores de 1945 tiveram ideia semelhante na Polônia, que abriga com a Ucrânia nesta tão midiática Euro também uma série de exemplos de imbecilidade humana, como violência de torcida, coro racista, declaração homofóbica etc.

Muito pior que a crise financeira por que passa a Europa está a dificuldade histórica do continente em aceitar diferenças. São muitas rivalidades seculares reunidas numa competição de dar inveja no âmbito esportivo, porém vemos, em pleno século 21 já adolescente, estúpidas questões extracampo darem nojo.

Na Europa, invariavelmente, quem esteve por cima abusou dos que estavam mais fracos e oprimidos no momento. Os países-sedes Polônia e Ucrânia, ricos em história também no futebol, entraram no torneio que organizam como coitadinhos, mas ainda estão invictos e em boa situação para avançar. Só que às vezes o sucesso esportivo é o que menos importa. Que o legado da Eurocopa seja mesmo o da superação de Shevchenko e o das flores em Auschwitz.

rodrigo.bueno@grupofolha.com.br

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