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Xico Sá

Fala sério, Brasil

O time largou bem, evitou a maldição da múmia, mas até nas comemorações os rapazes foram contidos

Amigo torcedor, amigo secador, em campo o Brasil agora é um país sério. O time largou bem, evitou a maldição da múmia egípcia na estreia, mas uma coisa me incomodou no jogo de ontem: é a seleção jovem mais carrancuda que vi na vida.

Até nas comemorações dos gols os rapazes foram contidos. Raros exibiram seus sorrisos de garotos de matinês. Se não riem agora estarão condenados a uma seriedade infinita. Uma austeridade facial digna de uma Dilma Roussef. Não rir na juventude equivale a ser de direita desde os cueiros, digo, das fraldas descartáveis. Um homem só pode ser conservador depois dos 33 anos, a idade de Cristo. Ou depois dos 50, como fez Paulo Francis. Antes é um desperdício da vontade espontânea da carne.

Óbvio que a tensão da largada contribuiu. Somos virgens no futebol olímpico. O único título que falta à pátria em chuteiras. Até o Corinthians conseguiu ganhar sua primeira Libertadores antes dos meninos do Brasil conquistarem o ouro.

Incomodou deveras a carranca brasuca em uma tarde tão suave no País de Gales. Uma tarde tão bonita que o jogo parecia ser no Mirandão, no Crato, sob a grandeza monumental da Chapada do Araripe.

O time é do competente Mano Menezes. Por alguns minutos, porém, havia semelhança com a seriedade da equipe do Dunga. O Brasil, por causa da nossa esculhambação atávica, costuma atribuir um valor extra ao homem fechado, contido, de pouco sorriso. Mais um trauma do subdesenvolvimento que não curaremos nunca. Como se fechar a cara resolvesse a vida e houvesse um minuto de silêncio em mais de 500 anos de carnaval.

Jogamos tão sérios que quase tomamos o empate. Parecia que havíamos combinado com a emissora oficial dos jogos olímpicos uma postura evangélica dentro do gramado. Estivemos mais para os Salmos do que para um "canta canta minha gente" do genial Martinho da Vila.

Prefiro continuar acreditando nos deuses que dançam. Como os deuses dos terreiros, por exemplo, do que nos homens austeros. Não temos um título com um Brasil de cara fechada. A seleção de 1994 sorria. O Parreira sabia da importância inclusive do Romário pular a cerca antes das partidas.

Essa coisa do sorriso, porém, não fica restrito ao futebol. Conforme nossa economia foi melhorando, passamos a acreditar em uma vocação estúpida de país desenvolvido. Cara fechada não ganha jogo nem amplia o PIB. Uma certa esculhambação é necessária. Quando falo esculhambação não trato de desvio conduta ou dos corruptos. Falo da boa sacanagem de berço. O país da boquinha da garrafa não pode agora querer mostrar para os ingleses feições de um enfezado e ranheta Jean-Paul Sartre.

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