São Paulo, domingo, 01 de fevereiro de 2009

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

diamante bruto

Cleuza, 58, quer ser filha de Leônidas

Mineira acredita que suposto pai, "Pelé" dos anos 30 e 40 e inventor da bicicleta, nunca desconfiou de sua existência

Ninguém sabe ao certo, mas ex-craque pode ter conhecido a mãe da diarista em viagem, como treinador, pela região de Uberlândia


JUCA KFOURI
ENVIADO ESPECIAL A UBERLÂNDIA

Cleuza Augusta de Aquiles, presumíveis 58 anos segundo consta em sua certidão de casamento, baseada na de nascimento que desapareceu, tem uma certeza e uma esperança.
A certeza de que é filha de Leônidas da Silva, o rei do futebol nos anos 1930/40, uma espécie de Pelé daqueles tempos.
E a esperança de ser reconhecida como tal, apenas e tão somente pelo reconhecimento e oficialização em sua certidão de nascimento, da qual consta unicamente o nome da mãe, Maria Augusta de Jesus.
"Não quero um tostão, até porque sei que ele morreu pobre", garante Cleuza, de traços que, de fato, não deixam muitas dúvidas sobre de onde vem.
Ela vive humildemente em Uberlândia, interior de Minas Gerais, e imagina que, na verdade, tem 57 anos.
Trabalha como diarista durante o dia e, à noite, no serviço de limpeza da prefeitura local.
"Ganho um salário mínimo [R$ 465] na prefeitura e mais uns R$ 400 por mês."
Assim, complementa a renda do casal, cujo marido, Eurípedes Aquiles, contribui com seus ganhos também como funcionário público e técnico em consertos de aparelhos de TV.
Tem seis filhos, só um homem, Márcio, 23, torcedor fanático do Palmeiras que frequentou a escolinha do Cruzeiro na cidade até os 16 anos.
É, no mínimo, habilidoso, como se pode comprovar ao acessar o You Tube e fazer uma busca por "Márcio freestyle".
Recentemente ele tentou ir trabalhar em Londres, mas acabou deportado no mesmo dia.
"Eu dizia que era neto do Leônidas, e os meus amigos não acreditavam, gozavam, até diziam que eram netos do Pelé...", diverte-se ele.
Se o possível neto não teve sorte, mais feliz foi um eventual bisneto, Eurípedes, o Branco, 21, que trabalha em Paris e, segundo consta, é bom de bola.
Coisa que os franceses adorariam saber, dada a fama que Leônidas deixou no país depois da Copa do Mundo de 1938, a ponto de apelidá-lo de "Homem Borracha" e "Diamante Negro", embora, aí, haja controvérsias como revela o jornalista André Ribeiro na biografia que escreveu sobre ele, "O Diamante Eterno".
Para o próprio Leônidas, artilheiro daquela Copa com sete gols, porém, não há dúvida: foram mesmo os franceses que lhe deram o apelido que depois virou marca do chocolate mais vendido no Brasil, num acordo entre a Lacta e o craque em moldes pioneiros à época.
Irmã de Branco, Larissa, 16 anos, também joga futebol e é bem-sucedida no futsal.
No time Guerreiras, de seu bairro em Uberlândia, brilha na posição de fixo e, no time de futebol de campo, com o mesmo nome, mas ainda em formação, é uma espécie de líbero.
Está ainda na sexta série na escola, "porque meu sonho é mesmo ser jogadora profissional, alguma coisa que eu desconfiava estar no meu sangue mesmo sem saber bem essa história de meu bisavô".
Ela e sua avó são torcedoras do Flamengo, clube que Leônidas defendeu em 1939 e pelo qual foi campeão carioca, assim como tinha sido pelo Vasco, em 1934, e pelo Botafogo, em 1935. No São Paulo, foi campeão paulista em 1943, 45, 46, 48 e 49.
Não se sabe ao certo como Leônidas e a mãe de Cleuza se conheceram.
A hipótese de ter sido por ocasião de alguma partida que ele disputou na região não se sustenta, porque a história do São Paulo, time no qual ele jogava em fins dos anos 40 e começo dos 50, não registra nenhum jogo por lá. Apenas em julho de 1945, com Leônidas, o São Paulo esteve na vizinha Uberaba e ganhou por 5 a 3, com um gol dele.
Mas cardeais são-paulinos, como Manoel Raimundo Paes de Almeida, de Uberaba, e outros como Porfírio da Paz, de Araxá, eram de cidades próximas. Como na época imediatamente anterior ao nascimento de Cleuza, oficialmente em 1951, mas, segundo ela suspeita, 1952, Leônidas já era técnico do São Paulo, é possível que ele tenha passado por lá não necessariamente a trabalho.
Seja como for, Maria Augusta, ao ver Leônidas na tela da TV num "Globo Repórter" sobre ex-jogadores famosos, revelou, em prantos, a uma das meia-irmãs de Cleuza, Lindalva, que aquele era o pai dela, tema sobre o qual jamais falara ou voltou a falar a não ser pouco antes de morrer, pois logo após o nascimento de Cleuza se casou e teve mais sete filhos.
Cleuza, mal aceita pelo marido da mãe, acabou sendo criada pela avó, separada dos irmãos.
Se provar a paternidade por meio de um exame de DNA na ossada de Leônidas, enterrado no Cemitério da Paz, no Morumbi, desde 2004, ela não será filha única do craque.
Ele teve um filho, Leônidas da Silva Jr., que morreu afogado em Niterói, aos três anos, e está enterrado no Cemitério do Caju, no Rio, como consta na biografia do jogador, além de uma outra, Sueli, admitida como tal por ele, embora não reconhecida legalmente.
Leônidas morreu aos 90 anos, numa clínica geriátrica em Cotia, onde passou, graças ao auxílio do São Paulo, de amigos e de sua terceira e derradeira mulher, Albertina Santos, os últimos dez anos de vida, padecendo do mal de Alzheimer.
Sim, há um longo caminho pela frente para que Cleuza encontre a confirmação de sua convicção, até porque exumações e exames de DNA custam acima das posses de sua numerosa família, que tem em Lorena, 13 anos, a representante mais parecida com Leônidas.
E, a tal ponto, que ela também se parece com Dodô, outro ex-centrovante são-paulino e que guarda grande semelhança com o jogador que popularizou a bicicleta -não o veículo, mas a jogada espetacular.
Lorena é a caçula das filhas de Cleuza e Simone, 40, a mais velha, mãe de dois dos possíveis bisnetos. Cleuza tem, ainda, 11 netos, com o 12º a caminho.
A pequena casa da família, no bairro de Osvaldo Rezende, foi doada por um ex-patrão de Maria Augusta, o empresário Alfredo Rezende, dono da Granja Rezende, vendida para a Sadia dez anos atrás.
E da mesma maneira que a família desconhecia a biografia do suposto pai, avô e bisavô, livro que lá ficou de presente, Cleuza Aquiles, que quer ser Silva (nome tão comum e, no caso, tão significativo), tem certeza de que Leônidas jamais soube de sua existência, tamanha a reserva sobre o assunto.


Texto Anterior: Painel FC
Próximo Texto: Processo pode exigir exumação
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.