|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
diamante bruto
Cleuza, 58, quer ser filha de Leônidas
Mineira acredita que suposto pai, "Pelé" dos anos 30 e 40 e inventor da bicicleta, nunca desconfiou de sua existência
Ninguém sabe ao certo,
mas ex-craque pode ter conhecido a mãe da diarista em viagem, como treinador,
pela região de Uberlândia
JUCA KFOURI
ENVIADO ESPECIAL A UBERLÂNDIA
Cleuza Augusta de Aquiles,
presumíveis 58 anos segundo
consta em sua certidão de casamento, baseada na de nascimento que desapareceu, tem
uma certeza e uma esperança.
A certeza de que é filha de
Leônidas da Silva, o rei do futebol nos anos 1930/40, uma espécie de Pelé daqueles tempos.
E a esperança de ser reconhecida como tal, apenas e tão
somente pelo reconhecimento
e oficialização em sua certidão
de nascimento, da qual consta
unicamente o nome da mãe,
Maria Augusta de Jesus.
"Não quero um tostão, até
porque sei que ele morreu pobre", garante Cleuza, de traços
que, de fato, não deixam muitas
dúvidas sobre de onde vem.
Ela vive humildemente em
Uberlândia, interior de Minas
Gerais, e imagina que, na verdade, tem 57 anos.
Trabalha como diarista durante o dia e, à noite, no serviço
de limpeza da prefeitura local.
"Ganho um salário mínimo
[R$ 465] na prefeitura e mais
uns R$ 400 por mês."
Assim, complementa a renda
do casal, cujo marido, Eurípedes Aquiles, contribui com seus
ganhos também como funcionário público e técnico em consertos de aparelhos de TV.
Tem seis filhos, só um homem, Márcio, 23, torcedor fanático do Palmeiras que frequentou a escolinha do Cruzeiro na cidade até os 16 anos.
É, no mínimo, habilidoso, como se pode comprovar ao acessar o You Tube e fazer uma busca por "Márcio freestyle".
Recentemente ele tentou ir
trabalhar em Londres, mas acabou deportado no mesmo dia.
"Eu dizia que era neto do
Leônidas, e os meus amigos não
acreditavam, gozavam, até diziam que eram netos do Pelé...",
diverte-se ele.
Se o possível neto não teve
sorte, mais feliz foi um eventual
bisneto, Eurípedes, o Branco,
21, que trabalha em Paris e, segundo consta, é bom de bola.
Coisa que os franceses adorariam saber, dada a fama que
Leônidas deixou no país depois
da Copa do Mundo de 1938, a
ponto de apelidá-lo de "Homem Borracha" e "Diamante
Negro", embora, aí, haja controvérsias como revela o jornalista André Ribeiro na biografia
que escreveu sobre ele, "O Diamante Eterno".
Para o próprio Leônidas, artilheiro daquela Copa com sete
gols, porém, não há dúvida: foram mesmo os franceses que
lhe deram o apelido que depois
virou marca do chocolate mais
vendido no Brasil, num acordo
entre a Lacta e o craque em
moldes pioneiros à época.
Irmã de Branco, Larissa, 16
anos, também joga futebol e é
bem-sucedida no futsal.
No time Guerreiras, de seu
bairro em Uberlândia, brilha na
posição de fixo e, no time de futebol de campo, com o mesmo
nome, mas ainda em formação,
é uma espécie de líbero.
Está ainda na sexta série na
escola, "porque meu sonho é
mesmo ser jogadora profissional, alguma coisa que eu desconfiava estar no meu sangue
mesmo sem saber bem essa
história de meu bisavô".
Ela e sua avó são torcedoras
do Flamengo, clube que Leônidas defendeu em 1939 e pelo
qual foi campeão carioca, assim
como tinha sido pelo Vasco, em
1934, e pelo Botafogo, em 1935.
No São Paulo, foi campeão paulista em 1943, 45, 46, 48 e 49.
Não se sabe ao certo como
Leônidas e a mãe de Cleuza se
conheceram.
A hipótese de ter sido por
ocasião de alguma partida que
ele disputou na região não se
sustenta, porque a história do
São Paulo, time no qual ele jogava em fins dos anos 40 e começo dos 50, não registra nenhum jogo por lá. Apenas em
julho de 1945, com Leônidas, o
São Paulo esteve na vizinha
Uberaba e ganhou por 5 a 3,
com um gol dele.
Mas cardeais são-paulinos,
como Manoel Raimundo Paes
de Almeida, de Uberaba, e outros como Porfírio da Paz, de
Araxá, eram de cidades próximas. Como na época imediatamente anterior ao nascimento
de Cleuza, oficialmente em
1951, mas, segundo ela suspeita,
1952, Leônidas já era técnico do
São Paulo, é possível que ele tenha passado por lá não necessariamente a trabalho.
Seja como for, Maria Augusta, ao ver Leônidas na tela da
TV num "Globo Repórter" sobre ex-jogadores famosos, revelou, em prantos, a uma das
meia-irmãs de Cleuza, Lindalva, que aquele era o pai dela, tema sobre o qual jamais falara
ou voltou a falar a não ser pouco antes de morrer, pois logo
após o nascimento de Cleuza se
casou e teve mais sete filhos.
Cleuza, mal aceita pelo marido da mãe, acabou sendo criada
pela avó, separada dos irmãos.
Se provar a paternidade por
meio de um exame de DNA na
ossada de Leônidas, enterrado
no Cemitério da Paz, no Morumbi, desde 2004, ela não será
filha única do craque.
Ele teve um filho, Leônidas
da Silva Jr., que morreu afogado em Niterói, aos três anos, e
está enterrado no Cemitério do
Caju, no Rio, como consta na
biografia do jogador, além de
uma outra, Sueli, admitida como tal por ele, embora não reconhecida legalmente.
Leônidas morreu aos 90
anos, numa clínica geriátrica
em Cotia, onde passou, graças
ao auxílio do São Paulo, de amigos e de sua terceira e derradeira mulher, Albertina Santos, os
últimos dez anos de vida, padecendo do mal de Alzheimer.
Sim, há um longo caminho
pela frente para que Cleuza encontre a confirmação de sua
convicção, até porque exumações e exames de DNA custam
acima das posses de sua numerosa família, que tem em Lorena, 13 anos, a representante
mais parecida com Leônidas.
E, a tal ponto, que ela também se parece com Dodô, outro
ex-centrovante são-paulino e
que guarda grande semelhança
com o jogador que popularizou
a bicicleta -não o veículo, mas
a jogada espetacular.
Lorena é a caçula das filhas
de Cleuza e Simone, 40, a mais
velha, mãe de dois dos possíveis
bisnetos. Cleuza tem, ainda, 11
netos, com o 12º a caminho.
A pequena casa da família, no
bairro de Osvaldo Rezende, foi
doada por um ex-patrão de Maria Augusta, o empresário Alfredo Rezende, dono da Granja
Rezende, vendida para a Sadia
dez anos atrás.
E da mesma maneira que a
família desconhecia a biografia
do suposto pai, avô e bisavô, livro que lá ficou de presente,
Cleuza Aquiles, que quer ser
Silva (nome tão comum e, no
caso, tão significativo), tem certeza de que Leônidas jamais
soube de sua existência, tamanha a reserva sobre o assunto.
Texto Anterior: Painel FC Próximo Texto: Processo pode exigir exumação Índice
|