São Paulo, domingo, 02 de maio de 2010

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O exílio de Cielo

República brasileira no Alabama dá fôlego extra para o nadador em temporada enfadonha no exterior

Campeão olímpico e mundial muda rotina ao lado dos companheiros e se prepara para nadar pelo Flamengo pela primeira vez

Melissa Humble/ AuburnUniversity Photographic Services
Cielo, na piscina principal da Universidade de Auburn (EUA)

MARIANA LAJOLO
ENVIADA ESPECIAL A AUBURN

O tempo teima em não passar. O marasmo da cidade pequena, antes um trunfo, beira o insuportável. O técnico não está mais sempre à beira da piscina. Os companheiros de treino se dispersaram. Cesar Cielo, 23, achou que com os anos se acostumaria ao exílio voluntário em Auburn. Estava enganado.
O campeão olímpico e mundial, que a partir de amanhã compete no Troféu Maria Lenk, em Santos, só ganhou fôlego extra para mais uma temporada graças ao sotaque brasileiro que acaba de invadir a pequena cidade norte-americana.
Desde janeiro, divide as piscinas, o carro, a casa e o tédio com Henrique Barbosa, 25, e Nicholas Santos, 30, finalistas no Mundial de 2009, que decidiram seguir os passos vitoriosos de Cielo na universidade local. "Se não fosse por eles, acho que neste ano já teria desistido e voltado para o Brasil", diz.
Desde 2006, Cielo passa pelo menos metade da temporada na cidade de 60 mil habitantes no conservador Estado do Alabama. Auburn é pacata, vive em função da universidade e tem restritas opções de lazer. Com o início das férias escolares, fica quase deserta. Lá, Cielo encontrou tranquilidade para ficar focado só na natação, um de seus trunfos nos últimos anos.
O enfado, o cansaço e a solidão que tanto incomodam o campeão olímpico estão estampados também nos rostos de seus companheiros. Na casa em que vivem em Auburn, visitada na semana passada pela Folha, os resmungos são constantes.
"Aqui não tem nada para fazer. É só treinar e treinar, e o tempo não passa. Eu já estou quase indo à falência comprando coisas", brinca Nicholas, velocista como o recordista mundial dos 50 m e dos 100 m livre.
Em seus corpos, porém, os novos músculos evidenciam mudanças significativas. O trabalho com pesos feito por Cielo sempre foi apontado por ele como um trunfo para sua melhora de performance no exterior. ""Estou morto, mas vejo resultados. Minha coxa nunca esteve tão grande", diz Henrique, especialista no nado peito.
Diferentemente dos anos anteriores, quando morou com atletas de várias partes do mundo, Cielo agora só fala português e faz tudo com os brasileiros. Quando não estão na piscina, ficam em casa. Nicholas assiste a filmes, Henrique toca violão e guitarra, e Cielo joga videogame -está viciado em jogos de futebol americano.
O brinquedo, aliás, foi o único item incorporado à casa nova desde que o trio se mudou, em janeiro. O resto da decoração é herança deixada por Laure Manaudou, mulher de Fred Bousquet, companheiro de treino e maior rival do recordista mundial nos 50 m livre.
Um sofá roxo com almofada e pufe com estampa de zebra, candelabros sob a lareira e fotos do casal francês compõem a sala da confortável casa, com quintal e árvores. "Só está bem arrumada porque a mãe do Cielo esteve aqui há duas semanas", entrega Nicholas.
Silêncio é algo raro. Risadas e algumas broncas ecoam constantemente pela casa. Após minutos de conversa já emergem histórias: Cielo e Henrique disputam o título de mais mal-humorado. Henrique é o melhor cozinheiro. Cielo, o comilão.
A alimentação, aliás, foi um problema. No início do ano, Nicholas ganhou cerca de quatro quilos -tem hoje 88 kg- e levou susto. "Estava inchado, comia como no Brasil, mas engordava. Aí passamos a comprar só alimentos orgânicos", conta ele, que fez aulas de nutrição.
A proximidade mudou suas carreiras. O trio acertou, junto, a ida para o Flamengo. Ficarão até agosto nos EUA e, como Cielo fez nos últimos anos, voltarão ao Brasil no segundo semestre -a principal competição do ano é o Pan Pacífico, em agosto. Cielo ainda não sabe com quem irá treinar no país.
"O Cesar [pai de Cielo] disse que ajudei o filho dele no começo, então ele fez questão de me ajudar agora", diz Nicholas.


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