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XICO SÁ
Os vivos e os mortos
Dá raiva de tão previsível, mas no amor e no futebol é assim: aqui se faz, aqui se paga a língua. Corinthians que o diga
AMIGO TORCEDOR, amigo secador, quis o destino, esse implacável e melodramático
bandoleiro, que saísse dos pés de
Roger, El Chinelito de Ouro, o tiro
mortal, como uma bala envenenada
de Tex Willer no "Pueblo perdido"
-uma das melhores HQs de faroeste de todos os tempos.
Sim, amigo, nas artes ludopédicas
o destino só trabalha com a matéria
do óbvio e da vingança. Dá raiva de
tão previsível, mas no amor e no futebol é assim: aqui se faz, aqui se paga a língua. Quem mais poderia fazer
aquele gol e deixar o Corinthians
mais perdido que cego em briga de
foice no escuro? Roger, claro. Quando entrou em campo, via-se nas suas
feições os vincos do ressentimento
que amadurecem um homem.
Pisou na grama do Maraca, e o Julio Ludemir, que entende de acertos
de contas, gritou para o garoto do
placar: "Mengo 2 a 1, pode escrever
adiantado". Peleja finda, Ludemir
saiu correndo para os vestiários na
intenção de presentear o moço com
o seu mais recente bangue-bangue,
o livraço "O Bandido da Chacrete".
Só no futebol e no amor se faz justiça aqui na terra. No mais, fica para
o tribunal da cidade dos pés juntos,
além muito além dos Pedros Páramos e de outras vidas e mistérios,
como me segredam aqui os mexicanos queridos Lourdes e Felipe Ehrenberg, com quem entornarei mescal para celebrar o dia dos muertos.
É, amigo, a agonia corintiana se
arrasta. Mas há estranha beleza na
saga. Até mais do que os triunfos óbvios, que me perdoe essa figuraça
que é Muricy Ramalho. Que homem
obsessivo. Espartano além da conta.
Mas que ontem, em ótimo papo com
os meninos do "Arena Sportv", mostrou que os brutos também amam.
É, amigo, como diz Shane, nesta
mesma película caubói: "Um homem tem que ser o que é. Não pode
dobrar o destino. Eu tentei. Não funcionou para mim". No futebol, no
amor e nos faroestes, a sina é essa.
Não adianta, os deuses são preguiçosos, comem e bebem muito. E mantêm o original do script.
Na pasmaceira que o futebol brasileiro anda, é mais fácil. Quem duvidava um minuto que o São Paulo arrancaria o título? Como disse Muricy, sincero como um cavaleiro solitário, a faixa ficou com quem erra
menos, pronto, falou tá falado.
Bom é que agora vai começar o filme de verdade. O pega mortal pela
Libertadores e o terror do rebaixamento. O Peixe, octocampeão brasileiro, como reconhece a Fifa, está
quase lá, de novo. O Palmeiras pode
fazer a festa do certame dominado
pelos paulistas, mas o Grêmio, que
verei amanhã no Olímpico na caravana do amigo Ferla, nunca brinca.
Sim, Murilix, o Mengo apavora na
reta sob a batuta do estrategista do
"vamos lá, moçada", Joel Santana.
Nem o mais otimista dos urubus da
lagoa Rodrigo de Freitas pensava tão
alto. E a massa rubro-negra merece.
E os torcedores deram adeus às
bufas no sofá e voltaram aos estádios, apesar da polícia e das uniformizadas, que até na festa de uma
torcida só, como quarta no Morumbi, arrumaram treta. Os coxinhas
desceram a lenha, sobrou até para
quem estava só feliz com o título, como disse o sorocabano e tricolor Antonio Carlos. Parabéns aos que celebram em paz e todo respeito e amor
aos vivos e aos mortos, viejo John
Huston, neste dia mais que divino.
xico.folha@uol.com.br
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