São Paulo, sexta-feira, 02 de novembro de 2007

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XICO SÁ

Os vivos e os mortos

Dá raiva de tão previsível, mas no amor e no futebol é assim: aqui se faz, aqui se paga a língua. Corinthians que o diga

AMIGO TORCEDOR, amigo secador, quis o destino, esse implacável e melodramático bandoleiro, que saísse dos pés de Roger, El Chinelito de Ouro, o tiro mortal, como uma bala envenenada de Tex Willer no "Pueblo perdido" -uma das melhores HQs de faroeste de todos os tempos.
Sim, amigo, nas artes ludopédicas o destino só trabalha com a matéria do óbvio e da vingança. Dá raiva de tão previsível, mas no amor e no futebol é assim: aqui se faz, aqui se paga a língua. Quem mais poderia fazer aquele gol e deixar o Corinthians mais perdido que cego em briga de foice no escuro? Roger, claro. Quando entrou em campo, via-se nas suas feições os vincos do ressentimento que amadurecem um homem.
Pisou na grama do Maraca, e o Julio Ludemir, que entende de acertos de contas, gritou para o garoto do placar: "Mengo 2 a 1, pode escrever adiantado". Peleja finda, Ludemir saiu correndo para os vestiários na intenção de presentear o moço com o seu mais recente bangue-bangue, o livraço "O Bandido da Chacrete".
Só no futebol e no amor se faz justiça aqui na terra. No mais, fica para o tribunal da cidade dos pés juntos, além muito além dos Pedros Páramos e de outras vidas e mistérios, como me segredam aqui os mexicanos queridos Lourdes e Felipe Ehrenberg, com quem entornarei mescal para celebrar o dia dos muertos. É, amigo, a agonia corintiana se arrasta. Mas há estranha beleza na saga. Até mais do que os triunfos óbvios, que me perdoe essa figuraça que é Muricy Ramalho. Que homem obsessivo. Espartano além da conta.
Mas que ontem, em ótimo papo com os meninos do "Arena Sportv", mostrou que os brutos também amam.
É, amigo, como diz Shane, nesta mesma película caubói: "Um homem tem que ser o que é. Não pode dobrar o destino. Eu tentei. Não funcionou para mim". No futebol, no amor e nos faroestes, a sina é essa.
Não adianta, os deuses são preguiçosos, comem e bebem muito. E mantêm o original do script. Na pasmaceira que o futebol brasileiro anda, é mais fácil. Quem duvidava um minuto que o São Paulo arrancaria o título? Como disse Muricy, sincero como um cavaleiro solitário, a faixa ficou com quem erra menos, pronto, falou tá falado.
Bom é que agora vai começar o filme de verdade. O pega mortal pela Libertadores e o terror do rebaixamento. O Peixe, octocampeão brasileiro, como reconhece a Fifa, está quase lá, de novo. O Palmeiras pode fazer a festa do certame dominado pelos paulistas, mas o Grêmio, que verei amanhã no Olímpico na caravana do amigo Ferla, nunca brinca.
Sim, Murilix, o Mengo apavora na reta sob a batuta do estrategista do "vamos lá, moçada", Joel Santana.
Nem o mais otimista dos urubus da lagoa Rodrigo de Freitas pensava tão alto. E a massa rubro-negra merece. E os torcedores deram adeus às bufas no sofá e voltaram aos estádios, apesar da polícia e das uniformizadas, que até na festa de uma torcida só, como quarta no Morumbi, arrumaram treta. Os coxinhas desceram a lenha, sobrou até para quem estava só feliz com o título, como disse o sorocabano e tricolor Antonio Carlos. Parabéns aos que celebram em paz e todo respeito e amor aos vivos e aos mortos, viejo John Huston, neste dia mais que divino.


xico.folha@uol.com.br

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