São Paulo, terça-feira, 03 de fevereiro de 2009

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JOSÉ ROBERTO TORERO

Travishnu, o deus do quase


No domingo, ele se divertiu no Paulista, ficou sobre a trave do Ituano, e todas as bolas do Santos se chocavam contra ela


O MÍSTICO leitor e a mítica leitora já devem ter ouvido a expressão "deuses do futebol". Pois eles existem. São menos conhecidos que Zeus, Alá ou Krishna, mas existem.
Há, por exemplo, Mienerva, que, ao contrário de sua irmã Minerva, dá péssimos palpites aos seus protegidos (foi ela quem soprou no ouvido de Baggio "Chuta no alto, chuta no alto" na final da Copa de 94); há o poderoso Urucubaco, deus do azar, que tanto persegue a Portuguesa; há Mercúrio Cromo, que rege as contusões, e outros, muitos outros. Entre estes outros está o deus indiano Travishnu, o deus das traves. Você já deve ter ouvido falar de Vishnu, Shiva e Brahma, a santíssima trindade dos indianos. Bem, talvez conheça só Brahma, mas isso não importa. O que vale é que Travishnu é filho de Vishnu com Traveshki, o deus quase mulher. Destas duas poderosas entidades nasceu Travishnu, o deus das falsas esperanças, o deus do quase, o deus do triz. Travishnu se manifesta de muitas maneiras. Sabe quando o sujeito erra por um número o bilhete da loteria federal? Isso é Travishnu. Sabe quando você está a um número de fechar a cartela do bingo, mas a maldita pedra não sai, e a velhinha da mesa ao lado ganha o prêmio? Isso é Travishnu. Sabe o candidato a vereador que perde por um voto? Travishnu.
Ele é um deus zombador, que gosta de rir dos homens e, por isso, metaforicamente ou não, faz a bola bater na trave, esse fio que separa o sucesso do fracasso, o "Ah!" do "Oh..." No último domingo, Travishnu resolveu se divertir no Campeonato Paulista. Ficou sobre a trave do Ituano e todas as bolas chutadas pelo Santos iam chocar-se contra ela. Foram seis. Seis!
Talvez algum incréu duvide da existência de Travishnu. Pois provo-lhe a existência deste deus com a fria matemática. Veja bem: pela regra, as traves têm no máximo 12 cm de espessura e medem 2,44 m. Já o travessão mede 7,32 m. Somando tudo, os três paus ocupam uma área pouco menor que 1,5 m2. Já o gol possui 17,8 m2. Ou seja, a área do gol é 12 vezes maior que a das traves. Mesmo assim os santistas acertaram seis vezes a trave e nem umazinha o gol. Isso é Travishnu.
Aconselho os santistas a fazerem os rituais necessários ao deus do quase. A prova de que dão resultado: os indianos já foram até campeões mundiais de críquete, um esporte que precisa muito das traves.
Alguns goleiros conhecem os poderes de Travishnu e lhe prestam homenagem. O leitor deve lembrar de Dida, Júlio César e Rogério Ceni, nos treinos da Copa de 2006, chutando do meio-de-campo para acertar a trave. Aquilo podia parecer uma brincadeira inútil ou mais um treino inexplicável do Parreira. Mas não, era algo bem mais sério, era um ritual de devoção a Travishnu, pedindo que ele empurrasse as bolas adversárias para a trave.
Se eu fosse Márcio Fernandes, hoje, no CT do Santos, em vez de dar exercícios físicos ou táticos para meus comandados, faria Kléber Pereira e seus companheiros ficarem chutando bolas do meio-campo para acertar a trave. Há que render homenagem a Travishnu, pois, quando ele implica com alguém, o pobre coitado quase enlouquece.

torero@uol.com.br


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