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São Paulo, quinta-feira, 03 de julho de 2003

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Edson sonha montar um Santos para Pelé


Longe do clube e do país, ídolo cobra crédito por Meninos da Vila e revela intenção de criar um time


JOÃO CARLOS ASSUMPÇÃO
DA REPORTAGEM LOCAL

Ainda sob o abalo do fracasso de ontem, o Santos deve receber mais uma má notícia. Além de sua torcida continuar "viúva de Pelé", pelo menos na Libertadores, pode, no futuro, ter o maior ídolo de sua história como concorrente.
É que Edson Arantes do Nascimento, 62, o Pelé, resolveu montar uma escolinha de futebol para revelar novos valores e até já cogita transformá-la em clube.
"Vai ser minha aposentadoria", afirmou Pelé à Folha, por telefone, horas antes da final de ontem.
Só que as revelações que ele espera encontrar e formar não irão necessariamente para o Santos. "Não teremos vínculo com time algum. Os jogadores poderão ir para qualquer equipe que se mostrar interessada ou, no futuro, até podemos formar um novo clube."
E Pelé tem até um nome em mente: Litoral Futebol Clube.
Como ele considera ter aberto as portas para Diego, Robinho e Alex no Santos -"briguei [com a diretoria] por insistir que a solução era investir nas categorias de base"-, diz que depois da Copa de 2006 pretende se especializar como descobridor de talentos.
Na verdade, o projeto evidencia a distância que existe entre ídolo e clube. A atual cúpula santista é de um grupo adversário do de Pelé, tanto que o ex-jogador, em um momento crucial, permaneceu no exterior. Disse que tentaria assistir ao jogo pela TV de um restaurante português em Newark (EUA) ou, em último caso, ligar para familiares no Brasil.
Chegou a arriscar um palpite: Santos 2 a 0, com decisão nos pênaltis. O prognóstico parou aí.
 

Folha - Na primeira partida da final você estava em Londres, na segunda, em Nova York...
Pelé -
Faz parte da minha vida. Não tinha como adiar os compromissos nos Estados Unidos, só vou poder voltar ao Brasil na segunda e mesmo assim por pouco tempo. Gravo um comercial do Café Pelé e depois já tem a Copa da Paz [na Coréia, da qual Pelé é um dos promotores].
Não sobra muito tempo, deixei meus filhos em East Hampton, já fui trabalhar, vivo viajando. Quando dá, acompanho de perto, mas nem sempre é possível.
O primeiro jogo vi em compacto, mas só depois. Quando não posso ver, vou ligando para o Brasil e me informando do resultado.

Folha - Suas divergências com a atual administração do Santos não explicam sua ausência da final?
Pelé -
Não, são apenas os compromissos profissionais.
E a própria campanha do Santos mostra que eu estava com a razão. Quando me desentendi com a diretoria era porque ela investia errado. Contrataram Carlos Germano, Valdo, Valdir, Rincón, Edmundo, só veteranos, quando o certo era apostar na nova geração.
Se tivessem insistido em veteranos com mais de 30 anos, esses novos Meninos da Vila não iriam aparecer. Foi só mudarem o eixo para as coisas darem certo.
Estou muito contente. Ajudei a revelar Diego, Robinho e Alex, fico feliz em vê-los valorizados. É uma vocação que eu tenho e que pretendo levar adiante.

Folha - Como?
Pelé -
Estou montando uma escolinha de futebol com o Manoel Maria [ex-atacante que jogou com Pelé na década de 70], quero descobrir e formar novos jogadores em Santos e no Guarujá.
É um dom que eu tenho e que deve ser usado.
Hoje ainda falta tempo para me dedicar ao projeto. Vamos ter um campo com as medidas do profissional, dois menores, uma estrutura para a molecada. A idéia do projeto é o dez na bola, dez na escola. Não queremos formar apenas jogadores, mas cidadãos.

Folha - O projeto vai ter alguma ligação com o Santos?
Pelé -
Com time algum. O problema de você vincular uma escolinha com o Santos ou com qualquer outro clube é que de repente muda a diretoria, mudam as diretrizes, a política... Você sabe como é. Tem dirigente que prefere investir em categorias de base, tem dirigente que sofre pressão e age mais de maneira imediatista, investe em medalhões... Acho melhor termos autonomia.

Folha - E você vai negociar jogadores?
Pelé -
Não necessariamente, vamos ver. A intenção é ajudar o futebol brasileiro, tentar manter nossos craques no Brasil.
Os jogadores poderão ir para qualquer equipe interessada, não precisa ser para uma especificamente, ou podemos vir a formar um novo clube. O que gostaria é que ficassem no Brasil.

Folha - O projeto ou a escolinha já tem algum nome? E se no futuro decidir mesmo criar um time próprio ele levaria o Pelé no nome?
Pelé -
Acho que não, a idéia não é essa. Pensei em outros nomes, acho que até agora o melhor foi Litoral. Litoral Futebol Clube seria bom para um time, engloba toda a Baixada [Santista]. Mas eu vou poder me dedicar mesmo ao projeto depois da Copa [da Alemanha, em 2006]. Até lá tenho muitos compromissos.

Folha - Você acha que suas antigas divergências com Ricardo Teixeira influenciaram no veto ao São Paulo participar da Copa da Paz?
Pelé -
Não, não. O problema foi com o São Paulo, eles assinaram um contrato, desistiram em cima da hora e agora vão ter que pagar multa [o valor da indenização pedida é de cerca de US$ 3 milhões]. Foi o São Paulo, não a CBF, que assinou o contrato.

Folha - E sobre a seleção de Parreira, não esperava vê-la na final da Copa das Confederações?
Pelé -
A seleção brasileira tem de ser mais valorizada. Não foi culpa do [Carlos Alberto] Parreira, é que não adianta você pegar um time, treinar apenas durante uma semana e jogar.
A seleção tem de ir bem não só em épocas de Copa, mas o Parreira, como qualquer outro treinador, precisa de tempo.

Folha - O que você achou da decisão da Copa das Confederações?
Pelé -
Foi decepcionante. Primeiro porque todo mundo esperava ver uma revanche da final de 98 [entre Brasil e França], segundo por causa da morte do Foe [Marc-Vivien, jogador de Camarões, na semifinal do torneio].
Foi uma tristeza que contagiou todo mundo, uma cena chocante mesmo.

Folha - E do Leão como técnico, você gosta?
Pelé -
Tem crédito. O trabalho com a garotada é muito bom, você percebe que o grupo gosta dele.
O Santos ganhou o Brasileiro [de 2002] e o sucesso não subiu à cabeça do grupo, a campanha no Brasileiro [de 2003] e na Libertadores é a prova do bom trabalho.


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