|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Não era crime torcer contra o Vasco
JOSÉ GERALDO COUTO
da Equipe de Articulistas
Foi um lindo jogo de futebol o
segundo tempo de Real Madrid
2 x 1 Vasco, em contraste com
um primeiro tempo truncado e
torto, em que até o gol foi feio.
(O leitor deve estar se perguntando: e existe gol contra que
não seja feio? Claro que existe.
Basta lembrar, por exemplo, o
golaço de cabeça que Oséas fez
contra as próprias redes, num
recente Corinthians x Palmeiras).
Sobre a final em Tóquio e os
motivos da derrota vascaína,
Alberto Helena Jr. já disse tudo
em sua coluna de ontem.
Chamo a atenção para um aspecto acessório da partida: a
transmissão pela Rede Globo.
Já faz tempo que somos obrigados a engolir as transmissões
patrioteiras de jogos da seleção
brasileira, em que até uma vitória sobre o terceiro time da combalida Rússia é apresentada como um triunfo épico da nacionalidade.
Mas, na disputa de um clube
brasileiro contra um europeu,
essa exaltação nacionalista chega às raias do ridículo.
Antes, durante e depois da
partida, a Globo apresentou-a
como se o Vasco estivesse representando a honra de todos e cada um de nós.
"O Vasco é o Brasil hoje em
Tóquio", não cansava de bradar Galvão Bueno, repetindo
aliás um chavão muito gasto
nesse tipo de cobertura.
A pergunta é: será que isso era
verdade? Tenho minhas dúvidas.
Sem falar da ostensiva torcida
antivascaína dos flamenguistas, ouvi muita gente dizer que
torceu pelo Real Madrid -seja
por antipatia ao Vasco, seja por
simpatia pelo time espanhol ou
por admiração a seus craques.
Torci pelo Vasco, mas considero perfeitamente legítima a atitude do brasileiro que fez o contrário. E não seria muito mais
honesto -e interessante, do
ponto de vista jornalístico- se
a Globo tivesse contemplado essa diversidade, em lugar de tentar impingir uma falsa unanimidade nacional?
Por exemplo, no intervalo, em
vez de mostrar torcedores famosos do Vasco (Eri Johnson,
Thaís Araújo etc.) trocando
abobrinhas no estúdio com Fernando Vanucci, por que não entrevistar, além de vascaínos,
torcedores do Flamengo, imigrantes espanhóis e portugueses
etc.?
Se fosse conduzida com humor
e espírito esportivo (algum sentido essa expressão tem que ter),
uma cobertura assim poderia
mostrar o que há de bonito e divertido na paixão clubística, ao
invés de estimular apenas o aspecto bélico do esporte, com frases do tipo "esses espanhóis estão sorrindo demais pro meu
gosto".
O patriotismo compulsório
das transmissões esportivas da
Globo (e da Bandeirantes também, em menor grau) dá o que
pensar a respeito da visão que a
emissora tem -e difunde- do
país em geral. Não é por acaso
que os espíritos mais lúcidos
alertam contra o "pensamento
único" reinante.
Para ilustrar o tema e fechar a
coluna, transcrevo duas frases
alheias.
Uma é do escritor britânico
Samuel Johnson (1709-84): "O
patriotismo é o último refúgio
dos canalhas".
A outra é de Millôr Fernandes:
"Todo cidadão tem o sagrado
direito de torcer pelo Vasco no
meio da arquibancada do Flamengo".
²
José Geraldo Couto escreve às quintas
²
E-mail: jgcouto@uol.com.br
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
|