São Paulo, quinta, 3 de dezembro de 1998

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Não era crime torcer contra o Vasco

JOSÉ GERALDO COUTO
da Equipe de Articulistas

Foi um lindo jogo de futebol o segundo tempo de Real Madrid 2 x 1 Vasco, em contraste com um primeiro tempo truncado e torto, em que até o gol foi feio.
(O leitor deve estar se perguntando: e existe gol contra que não seja feio? Claro que existe. Basta lembrar, por exemplo, o golaço de cabeça que Oséas fez contra as próprias redes, num recente Corinthians x Palmeiras).
Sobre a final em Tóquio e os motivos da derrota vascaína, Alberto Helena Jr. já disse tudo em sua coluna de ontem.
Chamo a atenção para um aspecto acessório da partida: a transmissão pela Rede Globo.
Já faz tempo que somos obrigados a engolir as transmissões patrioteiras de jogos da seleção brasileira, em que até uma vitória sobre o terceiro time da combalida Rússia é apresentada como um triunfo épico da nacionalidade.
Mas, na disputa de um clube brasileiro contra um europeu, essa exaltação nacionalista chega às raias do ridículo.
Antes, durante e depois da partida, a Globo apresentou-a como se o Vasco estivesse representando a honra de todos e cada um de nós.
"O Vasco é o Brasil hoje em Tóquio", não cansava de bradar Galvão Bueno, repetindo aliás um chavão muito gasto nesse tipo de cobertura.
A pergunta é: será que isso era verdade? Tenho minhas dúvidas.
Sem falar da ostensiva torcida antivascaína dos flamenguistas, ouvi muita gente dizer que torceu pelo Real Madrid -seja por antipatia ao Vasco, seja por simpatia pelo time espanhol ou por admiração a seus craques.
Torci pelo Vasco, mas considero perfeitamente legítima a atitude do brasileiro que fez o contrário. E não seria muito mais honesto -e interessante, do ponto de vista jornalístico- se a Globo tivesse contemplado essa diversidade, em lugar de tentar impingir uma falsa unanimidade nacional?
Por exemplo, no intervalo, em vez de mostrar torcedores famosos do Vasco (Eri Johnson, Thaís Araújo etc.) trocando abobrinhas no estúdio com Fernando Vanucci, por que não entrevistar, além de vascaínos, torcedores do Flamengo, imigrantes espanhóis e portugueses etc.?
Se fosse conduzida com humor e espírito esportivo (algum sentido essa expressão tem que ter), uma cobertura assim poderia mostrar o que há de bonito e divertido na paixão clubística, ao invés de estimular apenas o aspecto bélico do esporte, com frases do tipo "esses espanhóis estão sorrindo demais pro meu gosto".
O patriotismo compulsório das transmissões esportivas da Globo (e da Bandeirantes também, em menor grau) dá o que pensar a respeito da visão que a emissora tem -e difunde- do país em geral. Não é por acaso que os espíritos mais lúcidos alertam contra o "pensamento único" reinante.
Para ilustrar o tema e fechar a coluna, transcrevo duas frases alheias.
Uma é do escritor britânico Samuel Johnson (1709-84): "O patriotismo é o último refúgio dos canalhas".
A outra é de Millôr Fernandes: "Todo cidadão tem o sagrado direito de torcer pelo Vasco no meio da arquibancada do Flamengo".
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José Geraldo Couto escreve às quintas
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E-mail: jgcouto@uol.com.br



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