São Paulo, domingo, 04 de abril de 2010

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TOSTÃO

Menino passarinho


Cada vez mais, o drible tem sido substituído pelo passe tecnicamente correto, burocrático e sem riscos


ASSIM COMO o gol define o resultado, muitas vezes sem explicá-lo, e o passe representa o futebol solidário e coletivo, o drible simboliza o talento individual e o estilo lúdico de se jogar.
O placar nem sempre representa a verdadeira história de uma partida. Pelas chances perdidas, o Barcelona poderia ter dado uma grande goleada no Arsenal, em Londres.
O Barcelona jogou tão bem, até a metade do segundo tempo, que o resultado foi um detalhe pouco importante para quem queria ver um bom futebol, sem torcer.
O drible tem sido, progressivamente, substituído pelo passe, tecnicamente correto, seguro e, cada vez mais, curto.
Os treinadores de todo o mundo adoram ensaiar jogadas aéreas e fazer treinos de dois toques.
O jogador domina e passa.
O drible é a demonstração de habilidade diante de um marcador. É a união da técnica com a habilidade, do futebol prazeroso com o objetivo. O drible é a melhor maneira de se passar por uma retranca. Quando o marcador é driblado, abrem-se grandes espaços na defesa, ainda mais se a marcação for individual.
O drible mais frequente é quando o jogador toca a bola, para pegá-la mais à frente. Nem considero um drible. É uma ação técnica, de velocidade e força física.
Kaká é o mais eficiente nessa jogada, principalmente quando cai pelos lados, onde há mais espaços.
O drible da vaca, ou gaúcha, quando o jogador toca e pega a bola atrás do adversário, é uma variação do drible anterior.
Os mais belos e verdadeiros dribles são lances de astúcia. Alguém já disse que o grande driblador dá aos pés a astúcia das mãos. O drible é a ginga de corpo, sincronizada com os movimentos dos pés.
O driblador finge que vai perder, dar a bola para o marcador, e a recolhe, no instante exato. A finta seria o drible de corpo sem tocar a bola.
"Vai para um lado que eu vou para o outro". Assim Robinho batizou aquele seu drible no jogo contra o Equador, no Maracanã.
Alguns comentaristas disseram que o drible de Robinho foi espetacular porque resultou em gol, de Elano. Não precisava. Fazemos muitas coisas na vida somente pelo prazer, sem nenhum objetivo.
No drible elástico, popularizado por Rivellino, a bola, colada nos pés, vai de um lado para o outro, como se fosse um imã. Se a ciência fizesse um estudo microscópico, veria que o driblador brinca de colar e descolar a bola dos pés.
Garrincha se tornou o símbolo do drible, como Gérson é do passe. Garrincha tinha dois tipos de drible.
Em um, adulto, Garrincha, em uma fração de segundos, driblava, olhava e colocava a bola para o atacante, livre, marcar o gol. Era a união da brincadeira com a seriedade.
Em outro, o drible infantil, ele bailava, de um lado para outro, às vezes sem tocar na bola.
Desconfio que a maioria gostava mais do drible infantil, pelo descompromisso com a objetividade e com a realidade. Garrincha e os torcedores se divertiam juntos.
Quando um menino constrói um castelo, ele não sonha em ser um rei. Ele é um rei.
Quando Garrincha brincava, ele não sonhava em ser um menino, um passarinho, ele era um menino, um passarinho, um garrincha.


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