São Paulo, terça-feira, 04 de junho de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

LUIZ CARLOS BARRETO

Os "terroristas" do Senegal

O dia 31 de maio de 2002 ficará na história do futebol mundial como o dia em que 11 bravos senegaleses mandaram pelos ares a Torre Eiffel e o Arco do Triunfo, assim como os agentes de Bin Laden explodiram as torres do World Trade Center e o Pentágono. Essa data terá para o futebol francês e mundial importância equivalente ao 11 de setembro de 2001 para a história política e social dos EUA e do resto do mundo.
Os jogadores franceses chegaram ao Japão desfilando envoltos na aura de campeões do mundo e alguns deles deram declarações, no mínimo, inconvenientes e surpreendentes, tais como: ""O futebol brasileiro está decadente"; ""Estamos melhores que em 98, dificilmente seremos batidos"; ""O time brasileiro não estará entre os quatro finalistas da Copa".
Todas essas provocações visavam criar um clima psicológico para um possível confronto entre os times da França e do Brasil na fase de quartas-de-final. No entanto os franceses esqueceram que, antes de pensar no Brasil, deveriam concentrar sua atenção no seu primeiro rival, o Senegal. Tal qual os norte-americanos negligenciaram, do alto de seu poderio, as potencialidades e o poder de fogo do adversário oculto.
Assim como os norte-americanos, os franceses se assustaram e, tomados de perplexidade, ficaram impotentes diante daqueles 11 "terroristas" senegaleses que, em estado de missão, se lançaram à "batalha" com uma bravura e uma determinação incomuns.
Aqueles 90 minutos de jogo restarão como um simbolismo, uma metáfora de uma fome de libertação colonial. Aliás, a história das Copas está marcada por várias passagens como esta.
Em 1950, aqui no Brasil, um time de peladeiros universitários representando os EUA derrotou o legendário e até então quase imbatível "English Team", que chegou ao Brasil também envolto numa aura de inventores do futebol e foram se refugiar no ameno clima de Belo Horizonte, onde acabaram sendo derrotados, logo na estréia, pelos seus súditos norte-americanos, que, num ato insolente, impuseram aos "players" da rainha um 1 x 0 que espantou o mundo. Este também foi um ato de vingança do colonizado contra o colonizador.
Numa outra perspectiva e circunstâncias bem diferentes, em 1958, na Suécia, a seleção brasileira teve seu ato de coragem e rebeldia ao derrotar e impor sua incontestável superioridade sobre o time soviético que chegou àquela Copa apontado como um supertime e ajudado pela façanha de Gagarin no bojo de seu Sputnik.
Os 11 jogadores soviéticos eram apontados e encarados como 11 superatletas, 11 ""Gagarins" , superdotados física e mentalmente. Tudo isso começou a ruir logo nos primeiros três minutos de jogo, quando aquele rapaz nascido em Pau Grande, na raiz da Serra de Petrópolis, com suas pernas tortas, começou a colocar em fila a defesa do time soviético e, com seus dribles, fez todos caírem de bunda no chão, transformando-os em simples zagueiros desnudados de suas fantasias de astronauta que a imprensa mundial, inclusive a brasileira, lhes emprestara. Este também foi um jogo de superação de um complexo. No dia seguinte, o crítico Gabriel Hanot, dos jornais "France Football" e "L'Équipe", abria a manchete: "Garrincha: Um Extraterrestre baixou na Suécia".

P.S.: Há muito não se via a seleção do Brasil jogar tão bem. Durante todo o tempo nosso time teve o controle absoluto da partida, inclusive criando várias e nítidas chances de gol em jogadas de toques rápidos e muita habilidade.
Pelo que vi ontem no jogo contra a Turquia, tenho a impressão de que o Scolari vai devolver ao futebol brasileiro seu verdadeiro estilo -picardia, jogo de cintura e criatividade. A convocação de Ricardinho para a vaga de Emerson é o maior sintoma de que Felipão está a fim de craque.


Luiz Carlos Barreto, é produtor de cinema, fotógrafo e jornalista



Texto Anterior: Turista Ocidental: Macholândia
Próximo Texto:
FOLHA ESPORTE
Tênis: No ano da contusão, Guga pode ter pior posição na Corrida

Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.