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São Paulo, terça-feira, 04 de novembro de 2003

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Autor da lei que repassa dinheiro das loterias ao esporte critica Agnelo Queiroz

Piva aponta "barbaridade" e defende fim do ministério

FÁBIO VICTOR
DO PAINEL FC
JOÃO CARLOS ASSUMPÇÃO
DA REPORTAGEM LOCAL

Autor da lei que destina 2% da arrecadação das loterias federais para o esporte olímpico e paraolímpico, o ex-senador Pedro Piva (PSDB-SP) saiu do casulo.
Afastado da política partidária, o empresário, que neste ano voltou à iniciativa privada, recebeu a Folha no escritório da Klabin, empresa da qual é sócio-gerente, e pela primeira vez comentou a polêmica sobre a paternidade da lei.
Para Piva, 69, foi "uma barbaridade" o Comitê Olímpico Brasileiro e parte da mídia terem passado a chamá-la de Agnelo/Piva depois que Agnelo Queiroz assumiu o Ministério do Esporte.
O ex-senador também endossou as críticas de Paula, ex-secretária de Alto Rendimento, à viagem do ministro ao Pan, quando, mesmo tendo as diárias pagas pelo governo, ficou hospedado às custas do COB, e fez críticas à relação entre o ministério e o comitê.
 

Folha - Como o sr. viu a crise no Ministério do Esporte, na qual o seu nome foi indiretamente envolvido, por batizar a lei da loteria?
Pedro Piva -
Eu repudio absolutamente o que aconteceu. Dou crédito à Paula, acho que ela reclamou bem. Você não pode receber subsídios de duas entidades. Fui senador durante seis anos e nunca fiz uma viagem paga pelo Senado. Na época, eu nem tocava no assunto para não constranger os meus colegas, mas hoje falo. Tem que haver um disciplinamento destas viagens, até para que elas tenham credibilidade, porque algumas são muito necessárias. Mas você não pode participar de festas em Atenas, Buenos Aires, às custas do dinheiro do governo, tem que haver seriedade.

Folha - E especificamente sobre a Lei Piva, como o senhor a vê pouco mais de dois anos após sua sanção?
Piva -
Acho que foi uma das leis mais bem elaboradas. Você tira 2% do ganhador da loteria, o sujeito, em vez de ganhar R$ 1 milhão, leva R$ 980 mil, você não está aumentando imposto. Quando você joga e ganha, não sabe nem quanto tiram do prêmio. Já tiravam 42%, então mais 2%...
Para o esporte, é importante. Fiquei muito emocionado quando os atletas brasileiros [que ganharam medalhas no Pan-2003] agradeceram também a ela pelo desempenho que tiveram.

Folha - A idéia da criação da lei foi do sr. mesmo?
Piva -
Estava num jantar com João Havelange [ex-presidente da Fifa], aquele fausto, os contratos milionários [do futebol], fui à mesa, conversei com o pessoal do COB e falei como seria bom se os esportes amadores tivessem ajuda, o Popó treinava na garagem, um outro treinava descalço...

Folha - Foi difícil aprová-la?
Piva -
Fiz um grande trabalho de convencimento, estive duas vezes com o Everardo Maciel [então secretário da Receita], e ele me disse que eu tinha toda razão. Falei com o Marco Maciel [então vice-presidente da República], com o Malan [Pedro, ministro da Fazenda de FHC], falei até com o presidente [Fernando Henrique].

Folha - Como o sr. vê o fato de, após Agnelo Queiroz assumir o ministério, o COB e parte da imprensa terem passado a chamar a Lei Piva de Lei Agnelo/Piva?
Piva -
É uma barbaridade. Mudar de nome no meio da conversa é feio. É como chamar agora a Lei Rouanet de Lei Gil/Rouanet. É lógico que havia diversos projetos. Qualquer coisa que você invente alguém teve uma idéia parecida.
Essa lei não passaria nunca, porque era do Agnelo Queiroz, que era do PC do B, não passaria com Fernando Henrique. Não havia hipótese nem de chegar ao palácio. Isso aqui foi construído por mim. Como ele [Queiroz] tinha um projeto, como outros 200 que existiam na Câmara, aí o pessoal disse que ele poderia atrapalhar. Para não atrapalhar, aceitei que ele viesse conversar comigo. O fato é que o projeto da lei estava parado no Senado, fui falar com o presidente, consegui que ele fosse aprovado. É isso o que vale.
Fiquei até um pouco sentido com a cerimônia do Pan no Palácio, ninguém me convidou para ir, a não ser os atletas, o pessoal que conhece a origem do negócio.

Folha - O ministro alega que o projeto dele era anterior ao do sr...
Piva -
Vale quem consegue aprovar a lei. A lei estava parada no Senado e não foi um projeto de um senador qualquer, mas de um senador que estava na base do governo, o presidente se empenhou para que ele fosse aprovado.

Folha - Muito desta polêmica em torno da viagem do ministro ao Pan se deu por uma relação...
Piva -
Pessoal...

Folha - Uma relação muito íntima entre o ministro e o COB, na pessoa do [Carlos Arthur] Nuzman, e há críticas de que isso é ruim para o esporte. Como o sr. vê essa relação?
Piva -
Eu jamais aceitei fazer uma viagem patrocinada por quem quer que seja que tivesse interesse na minha área. Fui convidado diversas vezes e jamais aceitei, compromete sua posição. Você não deve aceitar, um homem público, mesmo que por lei pudesse, não deveria aceitar...

Folha - E, à parte deste episódio, como o senhor analisa a gestão do Ministério do Esporte?
Piva -
É difícil dizer. Outro dia eu li que ele se justificou dessa viagem por falta de experiência no Executivo. Mas você sempre começa sem experiência, se fosse assim não haveria renovação, se fôssemos pegar apenas homens experientes. Isso é uma justificativa um pouco fraca...
Só acho que uma relação muito íntima com o COB não é salutar. Deve ser mantida a independência das entidades. O COB não pode ter uma ligação visceral com o ministério, ela compromete. Eu não teria esse tipo de atitude.

Folha - O sr. acha uma reforma na estrutura do governo, a fim de diminuir o número de ministérios, seria importante? Nas gestões do Fernando Henrique, o Esporte não tinha uma pasta própria...
Piva
- Acho que não dá para administrar 35 ministérios, isso não tem condição, o próprio presidente reconhece. Eu tiraria uns dez, teria no máximo 25 ministros. Há ministérios que podem ser fundidos ou transformados em secretarias. Eu juntaria Esporte com Turismo, por exemplo, mantendo a estrutura anterior.
E a reforma ministerial é necessária, tem reforma que não tem jeito, a reforma previdenciária, apesar de muito tímida, a reforma política, enfim, tem uma série de reformas que devem ser feitas.


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