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Foco
Padeiros de SP torcem com brioches, cachecol, gritos
e "Parreira nunca mais!!!"
XICO SÁ
COLUNISTA DA FOLHA
Amigo torcedor, amigo secador, aquele salão rubro-verde apinhado de padeiros
mais parecia uma gare, uma
estação de trens de Lisboa,
com portugueses a dizerem
adeus da forma triste e melancólica como só eles sabem
dizer adeus. Nenhum povo do
mundo se despede tão dolorosamente como os gajos e as
raparigas da beira do Tejo.
No final da tarde de ontem,
quando o Brasil virou um
imenso Portugal, o Sindicato
dos Padeiros se uniu, na confiança do fio do bigode, ao time de Felipão. Impiedoso
qual uma Maria Antonieta, o
time de Zidane deixou a platéia, mais uma vez, a mastigar
os brioches da frustração ali
naquele canto luso-brasileiro
do bairro da Bela Vista.
Acima do telão, em preto,
um epitáfio lembrava a pátria
em ressaca: "Parreira nunca
mais!!!". Nas primeiras filas
de cadeira, o capital, representado pelo presidente do
sindicato dos donos de padarias, o português Antero José
Pereira, abraçava o trabalho,
presente no salão em mais de
cem rostos com a marca do
suor do forno quente.
Pênalti. Patrões e empregados gritam o nome do goleiro
lusitano, ainda a lembrarem a
decisão contra os ingleses. Zidane manda mais uma fornada de brioches para aqueles
homens que são responsáveis
por uma produção diária de
mais ou menos 15 milhões de
pãezinhos. Pãezinhos franceses, é bem verdade.
No intervalo, sorteio de camisas verde-amarelas, mas
com inscrições alusivas à luta
dos padeiros, e não à pátria
em chuteiras.
A musa dos sindicalistas,
Carol, até que consegue animar a platéia quase toda composta por homens. Eles se
derretem qual manteiga no
pão na chapa. "Cristiano Ronaldo vai empatar", ela exalta
o gajo dos seus sonhos.
Vestido com a camisa da seleção portuguesa, com direito
a um cachecol ao estilo das
torcidas da Europa, Antero
Pereira tenta mexer com os
brios da massa: "Com Portugal, é assim mesmo, tudo é sofrido, mas vamos virar este jogo". Os padeiros corintianos
se identificaram na hora.
O segundo tempo se arrasta
doloroso como um fado. Carol dá gritinhos nos avanços
do seu ídolo. O presidente do
Sindicato dos Padeiros, Pedro
Pereira, se contorce, qual Felipão, para ajudar a trajetória
da bola. Por que não paras, relógio?, implora inconscientemente a platéia. Não há mais
tempo para nada. Os homens
procuram o caminho do bar.
Assim, nos arredores do
Tietê como nas margens do
Tejo, parece valer mais do
que nunca o conselho da fadista Amália Rodrigues: dar
de beber à dor é o melhor que
se faz nessas horas.
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