São Paulo, quinta-feira, 06 de julho de 2006

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Foco

Padeiros de SP torcem com brioches, cachecol, gritos e "Parreira nunca mais!!!"

XICO SÁ
COLUNISTA DA FOLHA

Amigo torcedor, amigo secador, aquele salão rubro-verde apinhado de padeiros mais parecia uma gare, uma estação de trens de Lisboa, com portugueses a dizerem adeus da forma triste e melancólica como só eles sabem dizer adeus. Nenhum povo do mundo se despede tão dolorosamente como os gajos e as raparigas da beira do Tejo.
No final da tarde de ontem, quando o Brasil virou um imenso Portugal, o Sindicato dos Padeiros se uniu, na confiança do fio do bigode, ao time de Felipão. Impiedoso qual uma Maria Antonieta, o time de Zidane deixou a platéia, mais uma vez, a mastigar os brioches da frustração ali naquele canto luso-brasileiro do bairro da Bela Vista.
Acima do telão, em preto, um epitáfio lembrava a pátria em ressaca: "Parreira nunca mais!!!". Nas primeiras filas de cadeira, o capital, representado pelo presidente do sindicato dos donos de padarias, o português Antero José Pereira, abraçava o trabalho, presente no salão em mais de cem rostos com a marca do suor do forno quente.
Pênalti. Patrões e empregados gritam o nome do goleiro lusitano, ainda a lembrarem a decisão contra os ingleses. Zidane manda mais uma fornada de brioches para aqueles homens que são responsáveis por uma produção diária de mais ou menos 15 milhões de pãezinhos. Pãezinhos franceses, é bem verdade.
No intervalo, sorteio de camisas verde-amarelas, mas com inscrições alusivas à luta dos padeiros, e não à pátria em chuteiras.
A musa dos sindicalistas, Carol, até que consegue animar a platéia quase toda composta por homens. Eles se derretem qual manteiga no pão na chapa. "Cristiano Ronaldo vai empatar", ela exalta o gajo dos seus sonhos.
Vestido com a camisa da seleção portuguesa, com direito a um cachecol ao estilo das torcidas da Europa, Antero Pereira tenta mexer com os brios da massa: "Com Portugal, é assim mesmo, tudo é sofrido, mas vamos virar este jogo". Os padeiros corintianos se identificaram na hora.
O segundo tempo se arrasta doloroso como um fado. Carol dá gritinhos nos avanços do seu ídolo. O presidente do Sindicato dos Padeiros, Pedro Pereira, se contorce, qual Felipão, para ajudar a trajetória da bola. Por que não paras, relógio?, implora inconscientemente a platéia. Não há mais tempo para nada. Os homens procuram o caminho do bar.
Assim, nos arredores do Tietê como nas margens do Tejo, parece valer mais do que nunca o conselho da fadista Amália Rodrigues: dar de beber à dor é o melhor que se faz nessas horas.


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