São Paulo, quarta-feira, 07 de março de 2007

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Gasto público com o Pan aumenta 684% em 5 anos

Orçado em R$ 409 milhões em 2002, evento já tira R$ 3,2 bi dos cofres oficiais

Maior estouro relativo é o do Estado do Rio, que saltou de R$ 31 milhões para R$ 500 milhões, o que equivale a um aumento de 1.513%

MÁRIO MAGALHÃES
SÉRGIO RANGEL
DA SUCURSAL DO RIO

O custo dos Jogos Pan-Americanos de julho para os cofres públicos já é 684% maior do que o previsto em 2002. Em proporção, o que consumiria R$ 1 vai exigir quase R$ 8.
Há cinco anos a União, o Estado e o município do Rio de Janeiro afirmaram por escrito que, juntos, gastariam R$ 409 milhões (em valores atualizados pela inflação). A conta hoje alcança R$ 3,2 bilhões.
O maior estouro relativo é do Estado do Rio: 1.513% (de R$ 31 milhões para R$ 500 milhões). O desembolso da União se multiplicou quase por 11 (de R$ 138 milhões para R$ 1,5 bilhão, crescimento de 987%). A fatia da Prefeitura pulou de R$ 239 milhões para R$ 1,2059 bilhão (404% a mais).
As cifras originais foram divulgadas em 2002 pelos governos e submetidas formalmente à Odepa (Organização Desportiva Pan-Americana).
Constam de uma brochura bilíngüe (em inglês e espanhol) de 196 páginas à qual a Folha teve acesso. O documento é assinado também pelo COB (Comitê Olímpico Brasileiro).
É em relação a esses números que deve ser feita a comparação entre a (primeira) previsão e o resultado. Vista de hoje, a planilha orçamentária de 2002 parece peça de ficção.
Os governos e o COB definiram os gastos de segurança em R$ 10 milhões. Agora, a União anuncia o salto para R$ 385 milhões. A fatura da tecnologia, que seria de R$ 27 milhões, bate em R$ 113 milhões.
A despesa com instalações esportivas públicas seria de R$ 251 milhões. Mal pagaria a reforma do complexo esportivo do Maracanã (R$ 232 milhões desde 2005, em melhorias voltadas para o Pan). O Estádio Olímpico João Havelange consumiu R$ 380 milhões.
Se a projeção de custos ruiu, benefícios prometidos na brochura oficial da candidatura do Rio não saíram do zero.
É o caso de uma linha do metrô de Botafogo à Barra da Tijuca (16 km) e outra da Barra ao aeroporto Tom Jobim (38 km). O orçamento do Pan não incluía o preço dessas obras.
"Tudo isso [o descompasso entre previsão e resultado] demonstra no mínimo incompetência e, possivelmente, coisa pior", diz o diretor-executivo da Transparência Brasil, Cláudio Weber Abramo.
O secretário municipal de Obras do Rio, Eider Dantas, afirmou à Folha em dezembro: "O político prefere chutar para baixo, e não para cima".

Garantias
A projeção de R$ 1,5 bilhão (União), R$ 1,2 bilhão (município) e R$ 500 milhões (Estado) é oficial, dos governos.
Para atualizar os valores de 2002, expressos em dólar, a Folha fez a conversão para real pela cotação da época da inscrição da candidatura e a atualização pelo IPC-Brasil, da Fundação Getúlio Vargas.
Adequada no geral, essa fórmula mascara algumas despesas com importações que deveriam ter diminuído -no entanto cresceram- devido ao fortalecimento do real. É o caso de equipamentos de segurança e do Velódromo.
A estimativa de custo público do Pan era de US$ 128,6 milhões (cresceu para US$ 1,65 bilhão), 72% do total. É certo que a porcentagem ficará acima, não se sabe quanto.
O restante (28%) viria da receita com ingressos, patrocínio, mídia e licenciamento de produtos.
Outra mudança é que a União, na origem responsável por um terço dos recursos públicos, virou a grande contribuinte, com 46,8%.
Os governantes que deram "garantias financeiras" para os Jogos em cartas à Odepa foram os então presidente Fernando Henrique Cardoso e governador Anthony Garotinho e o ainda hoje prefeito Cesar Maia.

"Assustador"
A principal justificativa apresentada para a multiplicação do orçamento é que o Pan se transformou em teste para a candidatura carioca a um evento maior, a Olimpíada de 2016. A leitura da brochura de 2002 revela que, na verdade, as construções e reformas já estavam quase todas previstas.
A novidade é a troca do estádio de atletismo para 10 mil pessoas a erguer no autódromo de Jacarepaguá por um -o João Havelange, conhecido como Engenhão- para 45 mil, também próprio ao futebol.
Ocorre que mesmo o Engenhão obedece à lógica do descontrole. O "Diário Oficial do Município" informou em janeiro de 2003 que o estádio custaria R$ 60 milhões (R$ 75 milhões hoje). O custo já está em R$ 380 milhões. Na sexta-feira, operários da obra pararam para protestar contra as condições de trabalho.
"Se alguém no mundo fizer um estádio desses por R$ 60 milhões é porque faz milagres", diz Cesar Maia, que já era o prefeito quando o "DOM" divulgou tal cifra.
"Nunca se viu superação de orçamento assim, sem deixar legado para a cidade", diz o deputado Brizola Neto (PDT-RJ). Ele é vice-presidente da comissão de Turismo e Desporto da Câmara.
A presidente, Lídice da Mata (PSB-BA), fala em "crescimento assustador" dos custos e pede "transparência".


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