São Paulo, sexta-feira, 07 de março de 2008

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XICO SÁ

Memórias de Adriano


O são-paulino é menino de bom coração, carentão e que poderia trocar o Imperador pelo Rei da Cocada Preta


AMIGO TORCEDOR , amigo secador, memórias não autorizadas, claro. Ora, até o mais austero e humanamente apagado bedel dos boleiros do Morumbi sabe que o Adriano é menino de bom coração, mimadão, carente de colo, afago, gente boa, daqueles caras bacanas que ajudam as mães e que marejam os olhos quando vêem os camaradas das antigas ou folheiam álbum de família antes do almoço de domingo.
Como a maioria de nós, um simples habitante do reino da Carençolândia, esse país nem tão imaginário assim, bem-vindo, uma pátria cuja fronteira começa nos chinelos debaixo da cama, passa pelo banheiro, atravessa a sala de visita, ampara-se no sofá de interrogações, uma pausa de olhar perdido, e se limita ao velho oeste da existência, com o primeiro colo quente que encontra após o capacho do outro lado da porta.
A imagem que se tem, velho Freud, é que ele, mesmo aquele homenzarrão todo, molecularmente falando, ainda joga com a mamadeira invisível e, em algumas ocasiões, fraldas, como alguns de nós saímos às ruas para ganhar a vida, embora, às vezes, nos achemos uns fodões, que palhaçada somos todos nós.
Ri, macaco, das nossas involuções, não valemos o que o gato enterra nas caixas de areias artificiais e muito menos o que os ratos dos seus sonhos sabor Whiskas pensam disso. Esses meninos saem muito cedo de casa e perdem o essencial para um homem antes de conhecer direito as outras mulheres: o carinho materno à vera. A mãe é amorosa no último, mas nem teve tempo para o afago lento e prolongado, o cafuné, o cata-piolho. Esses meninos, quando iluminados, saem de ônibus, no escuro, da Vila Cruzeiro direto para Milão, Madri, Berlim, Roma, confundem-se com os impérios quando tomam o primeiro fogo moral de artifício, incendiados pelos urubus gutenberguianos da eterna Sierra Madre e dos "Corriere della Sera".
Aí se instala de vez a "vida loka", pipoco do berço, como diz o compositor e filósofo Cascão, criador, na prática, do grupo "Trilha Sonora do Gueto", especialista em biografias pauleiras e futuros abertos ao horizonte muito além daquele beco.
Adriano, amigo, é um daqueles caras que põem bem alto "É o amorrr" no rádio do carro e por pouco não perdem o rumo, por pouco, muito pouco, pouco mesmo, como diria Geraldo José de Almeida, um narrador capaz de combinar com Deus, vem cá, Senhor, não faça isso agora, capaz de combinar, digo, o limite da proteção do airbag da vida.
Sim, a existência é perigosa e derrapa na curva, para o Adriano, para o burguês escravo do doutor Sigmund, para a Miss Lexotan, para a garota que se acha, para o artista Júpiter Maçã, para o operário que nunca vai achar que vale tanto, para quem cata no banco a mais-valia e passa o rodo nas capitanias hereditárias, para o cachorro perdido na mudança e para o tiozinho do carreto, que amava Beatles, Dylan e Rolling Stones, mas nunca viu um show deles, adiós, esquece.
Amigo Adriano, aceite sugestão mestiça e de classe: que tal substituir o italianíssimo Imperador por Rei da Cocada Preta? Já que estamos viciados nessa efeméride picareta e monarquista de dom Pedro 2º, o que é que custa adotar título mais honesto com a história da República?

xico.folha@uol.com.br


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