São Paulo, quarta-feira, 08 de janeiro de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

FUTEBOL

Tempo dos jovens

TOSTÃO
COLUNISTA DA FOLHA

Janeiro é o mês dos garotos entrarem em campo. Já começaram a Copa São Paulo de juniores e o Sul-Americano sub-20. As quatro melhores seleções estarão classificadas para o Mundial, em março, na Arábia Saudita.
Teremos ainda este mês o torneio sub-17 na Venezuela, que servirá de classificação para o Mundial na Finlândia. A seleção sub-23, dirigida por Ricardo Gomes, disputará neste mês um torneio no Qatar. As seleções brasileiras de jovens não foram bem nos últimos Mundiais. As equipes sub-17 e sub-20 foram eliminadas nas quartas-de-final, e a olímpica perdeu para Camarões.
Frequentemente aparece na Copa São Paulo de juniores uma promessa que se tornará realidade. Porém a maioria dos jogadores que disputa o torneio não será atleta de um grande clube, muito menos um craque. Ficará no meio do caminho, por falta de talento, de oportunidades, de melhor orientação ou porque não teve preparo emocional para conviver com a fama e o sucesso.
Muitos desses meninos que não serão profissionais ficarão frustrados e/ou despreparados para exercer outras atividades. Por isso, os clubes deveriam orientá-los e prepará-los para fazerem outros trabalhos. Somente os clubes que fizerem isso e investirem nas categorias de base deveriam ter prioridade na assinatura do primeiro contrato do atleta.
Mesmo os garotos que jogarão em grandes clubes necessitam de orientação para serem melhores profissionais e terem consciência crítica sobre a carreira.
Existem ainda graves denúncias de que somente os meninos ligados a empresários são aproveitados nas categorias de base de alguns clubes.
Os profissionais dessas entidades precisam ficar atentos e lutar contra esta distorção. Esta é uma responsabilidade ética.
A formação de um atleta começa na infância, nos campos de pelada, sem regras e professores. Antes de tudo, o garoto tem de adquirir intimidade com a bola. Ser um artista antes de se tornar um atleta. No início, com a bola de meia. Depois, a de borracha. E, por último, a de couro, já de chuteira atuando num time da várzea. A primeira chuteira, nunca se esquece. É na infância que se aprendem e se desenvolvem a habilidade e a criatividade.
Depois, nas categorias de base dos clubes, o adolescente vai aprender e aprimorar a técnica, a tática, a importância do conjunto, conviver com a vitória e a derrota, descobrir a sua melhor posição em campo e outras coisas chatas, mas necessárias.
Torna-se um atleta. Mas sem perder a individualidade e a capacidade de imaginar e improvisar. A excessiva padronização inibe a criatividade.
Não basta treinar e repetir. Os técnicos precisam ensinar e orientar. O bom professor é o que ensina ao aluno a aprender sozinho.
Alguns meninos, influenciados pelos marmanjos, aprendem também a fazer muitas faltas e a dar pontapés sem serem expulsos, a intimidar os árbitros e os auxiliares com provocações e ofensas, a enervar os adversários com deboches e outras "delicadezas". Alguns técnicos adoram dizer que futebol é para macho.
Por causa da falta de campos de peladas, da proliferação de escolinhas pagas e outros motivos, está havendo uma inversão na formação do atleta. Antes de possuir habilidade e criatividade, os meninos estão aprendendo a técnica, a tática e as regras. Tudo padronizado. Na infância, os meninos não têm um adequado desenvolvimento psicomotor para aprender certas coisas.
No lugar das escolinhas, os garotos deveriam ter, nas escolas públicas, orientação, fazer exercícios físicos, brincar, desenvolver a habilidade e a criatividade. Após o curso primário, além de continuar estudando, os mais bem dotados seriam encaminhados para os esportes de alto rendimento e para as categorias de base dos clubes. Sem empresários. Passei por toda esta trajetória.
Apesar de tantas dificuldades, o Brasil continua formando um grande número de bons e excelentes jogadores. Isso acontece por causa da tradição, o país é imenso, o esporte é barato (joga-se até descalço e sem camisa) e os meninos adoram, sonham e lutam para se tornarem craques, já que a maioria terá poucas oportunidades na vida.
Se o Brasil fosse um país mais desenvolvido socialmente e a maior parte dos meninos estudasse em excelentes escolas públicas e tivesse, posteriormente, ótimas chances de trabalho, o futebol brasileiro teria o mesmo encanto? Não sei.

E-mail
tostao.folha@uol.com.br


Texto Anterior: Tênis - Régis Andaku: Sir Fernando Meligeni
Próximo Texto: Futebol: Santos volta, escancara problemas e vê ausências
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.