São Paulo, domingo, 08 de fevereiro de 2004

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OLIMPÍADA

A lutadora Patrícia Miranda, cujos pais fugiram do Brasil no regime militar, busca vaga e consagração em Atenas

Exilados criam filha de ouro para os EUA

MARIANA LAJOLO
DA REPORTAGEM LOCAL

Ela fala português, adora o Brasil e conhece como poucos as dificuldades enfrentadas pela esquerda durante o regime militar. É também um dos maiores nomes da luta-livre mundial.
Mas, se Patrícia Miranda confirmar seu favoritismo e subir ao topo do pódio nos Jogos de Atenas, ouvirá o hino dos EUA. Filha de exilados, a atleta defende a bandeira de um dos países que acolheram seus pais em um momento da história no qual, para muitos, era perigoso viver no Brasil.
Em 1969, os militantes da Ação Popular, José Adura Miranda e Maria Lia Iida deixaram o país. Com o AI-5 em vigor, os militares acirravam a repressão e acuavam os estudantes. Para o casal, a saída era a luta armada ou o exílio.
No caminho até o Canadá, passaram por Uruguai, Chile e esbarraram em José Serra (presidente nacional do PSDB) e José Dirceu (ministro da Casa Civil).
"Com a anistia [em 1979], pensamos em voltar. Mas já tínhamos dois filhos, estávamos há muito tempo longe de casa. Seríamos estrangeiros em nosso próprio país", relembra Miranda.
Naquele ano, a família foi para os EUA em busca de calor. Na pequena Manteca, na Califórnia, nasceu a terceira filha dos quatro que o casal teria, Patrícia.
Até os 12 anos, a menina se dividia entre a escola, o basquete e o futebol. Foi quando decidiu lutar.
Na época, era a única entre as colegas interessadas pelo esporte. O jeito foi treinar com meninos. Essa opção já causava estranhamento. Mas Patrícia passou a chamar mesmo a atenção quando começou a ganhar deles.
"O problema é que eles crescem. Aos 18 anos, são bem mais fortes que uma mulher", conta a lutadora de 24 anos, 1,52 m e 48 kg.
O jejum durou até 2002. Nem a torcida acreditou quando viu Patrícia vencer já na universidade.
"Achavam que eu ia me machucar. Essa foi a luta mais importante de todas para mim."
Para os norte-americanos, mais expressivas foram as medalhas obtidas no ano passado: ouro no Pan de Santo Domingo e na Copa do Mundo, e prata no Mundial.
O pai revolucionário é hoje apontado como o maior entrave à carreira de Patrícia. A mãe não a viu lutar, faleceu em 1989.
Na imprensa não faltam relatos sobre quando ele invadia as competições para apagar o nome da filha da tabela na lousa, ou das reuniões com os diretores da escola para pedir que não a deixassem lutar. Tudo mentira, assegura ele.
"Eu fui assisti-la pela primeira vez há dois anos. Passo mal de ver. Os americanos precisam criar essas histórias. Acho até divertido."
O discurso de hoje é bem mais ameno do que o de 10 anos atrás. Quando Patrícia começou a competir, o pai torceu o nariz. Temia que a filha se machucasse.
"Também não gostava de imaginá-la lutando com homens. Confesso, bateu um machismo."
Apesar do receio, Miranda colocou um único senão: a filha teria de ter sempre notas "A". Um conceito a menos a tiraria da arena.
O desafio fez Patrícia se dedicar aos livros como hoje o faz nas oito horas diárias de treinos.
Ela é bacharel em economia e mestre em política internacional pela Universidade de Stanford. Após a Olimpíada, começa a estudar Direito em Yale. Sua vaga ficará guardada até setembro, facilidade raramente concendida.
O motivo não são só as notas "A". Patrícia precisa treinar.
Ela está no Centro Olímpico de Colorado Springs, cidade onde mora. Entre 21 e 23 de maio, terá o primeiro teste: a seletiva dos EUA.
Com a vaga na mão, volta a treinar para tentar deixar seu nome na história. Patrícia pode fazer a primeira final da luta-livre nos Jogos e ser a primeira mulher a conquistar o ouro olímpico.
Atenas verá a estréia da modalidade, antes restrita aos homens.



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