São Paulo, sábado, 08 de março de 2008 |
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JOSÉ GERALDO COUTO A noite de Dodô
DESCOBRI ao longo dos anos que muitos leitores desta coluna não gostam de futebol. Eu os entendo. Cá entre nós: o dia-a-dia do futebol, como o dia-a-dia da política, da economia -e da existência em geral- é um pé no saco. A sorte é que de quando em quando há um momento mágico que renova a esperança de que a vida poderia ser outra coisa. Outro dia aconteceu isso. Foi na quarta-feira à noite, no Maracanã, quando o Fluminense goleou por 6 a 0 o Arsenal, da Argentina, pela Libertadores. Tudo conspirou para produzir o encantamento: a volta do pó-de-arroz (do talco, a bem da verdade), que estava proibido no estádio havia quase dez anos; a empolgação da torcida tricolor; o placar elástico; o futebol bonito do Fluminense; o número irrisório de faltas... Acima de tudo, a inspiração de Dodô. Poucas vezes, nos últimos tempos, vi uma atuação tão majestosa. Dodô fez dois golaços, arrematando de primeira, com elegância e perfeição, bolas que viajavam pelo ar. Em outro momento, passou como uma serpente entre três adversários e entregou a bola para Gabriel na cara do gol. Dodô sempre foi um jogador singular, que desperta admiração nos torcedores adversários e desconfiança dos do seu próprio time. A explicação é simples: para Dodô, assim como para Alex (o "verdadeiro", do Fenerbahce), a beleza é fundamental. Não por acaso, é chamado de "artilheiro dos gols bonitos". A plasticidade e a elegância são, para ele, atributos tão essenciais de um craque quanto a velocidade, a potência e outras qualidades mensuráveis. No São Paulo, ele fazia muitos gols, mas perdia outros tantos, e, quando isso acontecia, a torcida (bem como a crônica esportiva) pegava no seu pé, rotulando-o de preciosista, pipoqueiro, dispersivo etc. Quando um time vai mal, a culpa quase sempre recai sobre seus jogadores mais refinados e fantasiosos. Salvam-se os brucutus, os que dão bico para o alto e canelada no adversário. O espírito predominante é ressentido e vingativo. Dodô, ao que parece, passa ao largo disso. Quando, depois de marcar mais um belo gol, mandou aquela célebre "banana" para a torcida são-paulina no estádio do Morumbi, era como se estivesse dizendo: "Vocês querem sangue, suor e lágrimas? Danem-se: o que tenho a oferecer é a minha arte, a minha insolência, a minha alegria". Por conta dessa postura, Dodô acabou tendo uma carreira um tanto errática, pulando de um clube a outro, custando a conquistar a confiança dos treinadores e o afeto das torcidas. Conseguiu isso, em parte, no ano passado, atuando pelo Botafogo. Nunca vi Leônidas da Silva jogar, mas, por algum motivo, costumo associá-lo a Dodô no meu imaginário. Talvez pela agilidade de ambos, pelo sentido da beleza plástica, pela personalidade altiva, pelo "sorriso pagodeiro" (a expressão é de Matinas Suzuki). Agora no Fluminense, aos 33 anos, Dodô parece atingir a plenitude. A conturbada saída de Leandro Amaral teve o mérito de abrir espaço para esse esplêndido centroavante. Que a sua magia restaure o nosso amor ao futebol. jgcouto@uol.com.br Texto Anterior: Motor: Ctrl + alt + del Próximo Texto: Torcedor banca Adriano, afirma Juvenal Juvêncio Índice |
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