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Pan cruza todas as caras do Rio
Percursos que ligam as diversas arenas dos Jogos montam cenário em que convivem e se chocam "várias cidades"
Reportagem da Folha cumpre roteiro entre cartões-postais da zona sul, "residences" da Barra, favelas e até cenários rurais da capital fluminense
LUIZ FERNANDO VIANNA
DA SUCURSAL DO RIO
Do Leme a Campo Grande,
para além do Pontal, os bairros
que abrigarão as competições
do Pan formam um circuito no
qual cabem (ou trombam) vários Rios de Janeiro. Os otimistas podem terminar o percurso
nos cartões-postais. O repórter
da Folha começou por eles.
Saindo do Centro rumo à zona sul, passa-se pela marina da
Glória, cenário da vela, e pelo
Aterro do Flamengo, onde maratonistas e ciclistas de estrada
terão o Pão de Açúcar por companhia. Das redondezas da arena do vôlei de praia, no Leme, é
possível ver toda Copacabana e
impossível enxergar o cotidiano das ruas do bairro, entulhadas de gente e comércios.
"Gosto de movimento, não
de mato. Copacabana é a nossa
Manhattan", exalta a atriz Maria Pompeu, 70, moradora tão
tradicional do bairro que garante conhecer suas arapucas:
"Não dou mole para pivetes e
assaltantes. Tenho um radar".
Para ir à Barra da Tijuca (zona oeste), sede de tênis e boliche e da Vila do Pan, pode-se
seguir por Ipanema e Leblon e
alcançar São Conrado pela avenida Niemeyer, "nossa Côte
d'Azur", segundo a emergente
Vera Loyola -uma Côte d'Azur
freqüentemente fechada pelos
tiroteios no morro do Vidigal.
O caminho mais usado margeia a bela e poluída lagoa Rodrigo de Freitas (esqui aquático, canoagem e remo) e continua na auto-estrada Lagoa-Barra. No mesmo quadro, a Rocinha e os clubes e colégios da
classe A em São Conrado.
"Não tenho nada contra favelados. Muitos de nossos empregados moram lá. Sou contra
não terem uma boa vida. Colorir as casas da Rocinha já
mudaria o aspecto", diz
Loyola. Para ela, é normal o bairro copiar o
visual de cidades dos
EUA, como Miami e
Orlando.
"Até Miami é melhor. Não há a baixa densidade
populacional e esse isolamento
da Barra", analisa o urbanista
Sérgio Magalhães.
Com vidros escuros, a sede
do Comitê Olímpico Brasileiro
espelha a subserviência arquitetônica. Maior devoção está
na réplica da Estátua da Liberdade do shopping New York
City Center. Na Barra, edifício
é "residence", clube é "club" e
pobre se arrisca cruzando as
pistas da avenida das Américas,
pois o bairro é feito para carros.
Em seguida, chega-se ao Recreio dos Bandeirantes e ao
CFZ, o centro de futebol de Zico, ao lado de um brejo. Além
da ameaça da dengue, por causa das águas paradas, a área teria dois jacarés-de-papo-amarelo, segundo um morador
-outros não confirmam.
Autódromo, Riocentro, Cidade do Rock e morro do Outeiro receberão 23 modalidades em Jacarepaguá. O bairro
tem condomínios de classe média próximos de favelas dominadas por milícias, próximas
de matagais, próximos de conjuntos habitacionais favelizados -como a Cidade de Deus.
Abrigando os novos velódromo, parque aquático e arena
olímpica, o Complexo do Autódromo tem como vizinha uma
favela. A prefeitura quis remover a Vila Autódromo, mas os
2.000 moradores resistem.
Ainda há a velha (zona) oeste, com carroças, cavalos e
montanhas verdes. Nas estradas do Catonho (Jacarepaguá-Deodoro) e do Mendanha
(Deodoro-Campo Grande), é
possível ver resquícios de vida
rural. Ferros-velhos e o comércio informal são fartos na via.
Ainda mais rural é a estrada
da Cachamorra, mais longo e
menos recomendado caminho
entre Barra e Campo Grande.
Quem avisa é Gelson Gevegir,
morador da vila de 14 casas em
frente ao Miécimo da Silva (futebol, caratê, patinação artística e squash). "Aqui todos se conhecem, é seguro. Em Camará,
não dá nem para ir", diz.
Senador Camará é um dos
bairros da região de Bangu. É
uma área com riscos, por causa
da guerra entre traficantes.
A violência contrasta com o
vizinho Deodoro, onde os dois
lados da pista são ocupados por
quartéis e vilas militares, como
os que abrigarão tiro esportivo.
Trilhar parte da avenida Brasil é se deparar com um cenário
em que, como diz Caetano Veloso em "Fora da Ordem", "tudo é construção e já é ruína".
Por causa das favelas, fábricas e
lojas não param de fechar.
"Não existe perspectiva de
futuro sem a integração de favelas e loteamentos à cidade",
diz Sérgio Magalhães, criador
do programa Favela-Bairro.
O percurso não passa pelo
complexo do Alemão, mas a Linha Vermelha corta o complexo da Maré. É preciso pegar a
via para, por exemplo, ir da zona sul ao Engenho de Dentro,
onde a dona-de-casa Maria Alzira Nunes, 73, com camisa do
Pan próxima à linha do trem,
comemora a construção do Engenhão (futebol e atletismo).
"O bairro estava abandonado", diz. A Associação de Moradores do Entorno do Engenhão
se queixa dos transtornos.
Morando há mais de 20 anos
em frente ao Maracanã, a professora Lila Mello, 64, já se
acostumou. "Só não é tranqüilo
em dia de jogo." O estádio abrigará futebol e cerimônias de
abertura e encerramento.
O percurso se fecha com a
volta ao Centro, cuja paisagem
de belos prédios históricos é
espetada por terríveis viadutos.
O Rio continua lindo? Depende
do grau de otimismo.
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