São Paulo, domingo, 08 de julho de 2007

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Pan cruza todas as caras do Rio

Percursos que ligam as diversas arenas dos Jogos montam cenário em que convivem e se chocam "várias cidades"

Reportagem da Folha cumpre roteiro entre cartões-postais da zona sul, "residences" da Barra, favelas e até cenários rurais da capital fluminense


LUIZ FERNANDO VIANNA
DA SUCURSAL DO RIO

Do Leme a Campo Grande, para além do Pontal, os bairros que abrigarão as competições do Pan formam um circuito no qual cabem (ou trombam) vários Rios de Janeiro. Os otimistas podem terminar o percurso nos cartões-postais. O repórter da Folha começou por eles.
Saindo do Centro rumo à zona sul, passa-se pela marina da Glória, cenário da vela, e pelo Aterro do Flamengo, onde maratonistas e ciclistas de estrada terão o Pão de Açúcar por companhia. Das redondezas da arena do vôlei de praia, no Leme, é possível ver toda Copacabana e impossível enxergar o cotidiano das ruas do bairro, entulhadas de gente e comércios.
"Gosto de movimento, não de mato. Copacabana é a nossa Manhattan", exalta a atriz Maria Pompeu, 70, moradora tão tradicional do bairro que garante conhecer suas arapucas: "Não dou mole para pivetes e assaltantes. Tenho um radar".
Para ir à Barra da Tijuca (zona oeste), sede de tênis e boliche e da Vila do Pan, pode-se seguir por Ipanema e Leblon e alcançar São Conrado pela avenida Niemeyer, "nossa Côte d'Azur", segundo a emergente Vera Loyola -uma Côte d'Azur freqüentemente fechada pelos tiroteios no morro do Vidigal.
O caminho mais usado margeia a bela e poluída lagoa Rodrigo de Freitas (esqui aquático, canoagem e remo) e continua na auto-estrada Lagoa-Barra. No mesmo quadro, a Rocinha e os clubes e colégios da classe A em São Conrado.
"Não tenho nada contra favelados. Muitos de nossos empregados moram lá. Sou contra não terem uma boa vida. Colorir as casas da Rocinha já mudaria o aspecto", diz Loyola. Para ela, é normal o bairro copiar o visual de cidades dos EUA, como Miami e Orlando.
"Até Miami é melhor. Não há a baixa densidade populacional e esse isolamento da Barra", analisa o urbanista Sérgio Magalhães.
Com vidros escuros, a sede do Comitê Olímpico Brasileiro espelha a subserviência arquitetônica. Maior devoção está na réplica da Estátua da Liberdade do shopping New York City Center. Na Barra, edifício é "residence", clube é "club" e pobre se arrisca cruzando as pistas da avenida das Américas, pois o bairro é feito para carros.
Em seguida, chega-se ao Recreio dos Bandeirantes e ao CFZ, o centro de futebol de Zico, ao lado de um brejo. Além da ameaça da dengue, por causa das águas paradas, a área teria dois jacarés-de-papo-amarelo, segundo um morador -outros não confirmam.
Autódromo, Riocentro, Cidade do Rock e morro do Outeiro receberão 23 modalidades em Jacarepaguá. O bairro tem condomínios de classe média próximos de favelas dominadas por milícias, próximas de matagais, próximos de conjuntos habitacionais favelizados -como a Cidade de Deus.
Abrigando os novos velódromo, parque aquático e arena olímpica, o Complexo do Autódromo tem como vizinha uma favela. A prefeitura quis remover a Vila Autódromo, mas os 2.000 moradores resistem.
Ainda há a velha (zona) oeste, com carroças, cavalos e montanhas verdes. Nas estradas do Catonho (Jacarepaguá-Deodoro) e do Mendanha (Deodoro-Campo Grande), é possível ver resquícios de vida rural. Ferros-velhos e o comércio informal são fartos na via.
Ainda mais rural é a estrada da Cachamorra, mais longo e menos recomendado caminho entre Barra e Campo Grande. Quem avisa é Gelson Gevegir, morador da vila de 14 casas em frente ao Miécimo da Silva (futebol, caratê, patinação artística e squash). "Aqui todos se conhecem, é seguro. Em Camará, não dá nem para ir", diz.
Senador Camará é um dos bairros da região de Bangu. É uma área com riscos, por causa da guerra entre traficantes.
A violência contrasta com o vizinho Deodoro, onde os dois lados da pista são ocupados por quartéis e vilas militares, como os que abrigarão tiro esportivo.
Trilhar parte da avenida Brasil é se deparar com um cenário em que, como diz Caetano Veloso em "Fora da Ordem", "tudo é construção e já é ruína". Por causa das favelas, fábricas e lojas não param de fechar.
"Não existe perspectiva de futuro sem a integração de favelas e loteamentos à cidade", diz Sérgio Magalhães, criador do programa Favela-Bairro.
O percurso não passa pelo complexo do Alemão, mas a Linha Vermelha corta o complexo da Maré. É preciso pegar a via para, por exemplo, ir da zona sul ao Engenho de Dentro, onde a dona-de-casa Maria Alzira Nunes, 73, com camisa do Pan próxima à linha do trem, comemora a construção do Engenhão (futebol e atletismo).
"O bairro estava abandonado", diz. A Associação de Moradores do Entorno do Engenhão se queixa dos transtornos.
Morando há mais de 20 anos em frente ao Maracanã, a professora Lila Mello, 64, já se acostumou. "Só não é tranqüilo em dia de jogo." O estádio abrigará futebol e cerimônias de abertura e encerramento.
O percurso se fecha com a volta ao Centro, cuja paisagem de belos prédios históricos é espetada por terríveis viadutos. O Rio continua lindo? Depende do grau de otimismo.


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