São Paulo, domingo, 08 de julho de 2007

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TOSTÃO

Craque-celebridade

Ele existe há muito tempo e vive agora o seu auge; Pelé, com sua simpatia, já vendia a sua imagem nos anos 60

HÁ EM TODO o mundo críticas aos jogadores famosos que vivem parte de suas carreiras em encontros comerciais e festivos e não se preparam bem para as competições. Muitos craques-celebridades passam a ser mais celebridades do que craques, independentemente se estão atuando bem ou mal. Beckham é o maior exemplo.
De uma forma ou de outra, nenhum deles escapa das badalações. Os seus empresários querem também as suas presenças em certos lugares para vender suas imagens. É também difícil para o craque-celebridade saber o momento em que esses compromissos atrapalham suas carreiras. O problema principal é a desconcentração que eles passam a ter durante treinos e jogos, e não somente o cansaço com esses encontros.
O craque-celebridade existe há muito tempo e vive agora o seu auge. Nos anos 60, Pelé, com seu sorriso e simpatia, já vendia a sua imagem. Pelé gostou tanto de ser garoto-propaganda que continua até hoje. Ronaldinho é um dos craques brasileiros que mais aparecem e faturam. Esses compromissos aumentaram bastante após ser eleito o melhor do mundo por duas vezes seguidas. Isso certamente contribuiu para a queda do seu rendimento no último ano. No máximo, o jogador consegue ter duas excepcionais temporadas seguidas.
Como Kaká deve ser eleito o melhor do mundo, não será surpresa se piorar em 2008. Temos de torcer para que nenhum brasileiro ganhe esse título no ano anterior à próxima Copa, para que não repita a queda que teve Ronaldinho em 2006. O craque-celebridade está presente no esporte, na arte, na ciência, no jornalismo e em todas as atividades. Faz parte da sociedade atual de consumo, de espetáculo, da aparência e da representação.
Além de divulgar e vender a sua imagem, as pessoas cada vez mais precisam ser admiradas e aplaudidas para se sentirem bem. Freud e Lacan, na época em que havia grande repressão dos desejos, falaram muito disso. Mas eles não imaginavam que o ser humano se tornaria tão exibido. Além disso, muitos fãs se interessam mais pelo craque-celebridade do que pela sua obra. O culto à celebridade chegou à literatura. É o autor-celebridade. A Folha mostrou no domingo passado uma reportagem sobre isso e sobre a Flip, a quinta festa literária de Paraty, que começou na quarta-feira e termina hoje.
Muitos escritores, mesmo os mais brilhantes, incentivados pelas editoras, estão com freqüência presentes nesses encontros para falar de suas obras. Como ocorre com os jogadores de futebol e outros profissionais, corre-se o risco de sobrar pouco tempo para o seu trabalho e de piorar a qualidade.
Na Flip, houve várias homenagens a Nelson Rodrigues. Fui convidado para debates sobre a sua obra no futebol e não aceitei por causa de minhas atividades e de minha estranheza diante desse mundo. Me arrependi. Seria muitos mais prazeroso e interessante rever a bela Paraty, estar ao lado de grandes escritores e escutá-los do que assistir às partidas da Copa América. Iria me sentir quase uma celebridade.

tostao.folha@uol.com.br


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