São Paulo, domingo, 09 de junho de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

TURISTA OCIDENTAL

Em Jeju, brasileiros fazem de tudo para aparecer na TV ou nos jornais

Mala eu?

MÁRIO MAGALHÃES
ENVIADO ESPECIAL A SEOGWIPO

Duas horas antes do passeio do Brasil contra a China, o repórter conversa do lado de fora do estádio Jeju com brasileiros fantasiados, cheios de disposição ou chances de aparecer na transmissão da TV. Aí recebe uma dura -educada, mas veemente-: ""E eu? Você não vai me fotografar?".
É o baiano de Salvador Rubens Pinheiro, 38. Ele está com uma bandeira do Bahia fazendo as vezes de capa. E propõe: ""Se você quiser, eu uso a bandeira como saia". Pinheiro mora em Paris, onde é cinegrafista da Euro TV. De férias na Coréia do Sul, mudou de lado: em vez de mostrar os outros, virou atração.
Ele integra uma tribo mundial que levou ao paroxismo a previsão do artista plástico americano Andy Warhol: no futuro, todos teriam 15 minutos de fama. A busca já é pelo segundo de exposição televisiva durante uma partida.
Vale quase tudo, e é difícil estabelecer os limites. O cinegrafista tem dificuldades: seu modelo é improvisado e chama menos atenção do que alguns profissionais na arte de atrair os holofotes.
""Sempre se espera aparecer na TV", reconhece. Mas afirma que esse não é seu objetivo. Observa ao redor e diz: ""Não acho que as pessoas são malas. É uma questão de liberação do seu interior. Se não der para aparecer, problema nenhum. Os familiares se orgulham quando nos vêem. Mas eu não me exponho".
Torcedores de outros países, destacadamente chineses, pedem para Pinheiro posar ao seu lado para fotografias. É um vencedor.
Perto do gaúcho de Porto Alegre Clóvis Fernandes, 47, o baiano é aprendiz. Dono de uma pizzaria, Fernandes está na sua quarta Copa. Carregando uma réplica do troféu, posa ao lado de chineses e capricha nas caretas ao levantá-lo.
""O limite de tudo isso é a emoção", pontifica. ""Cada um joga para fora o que sente. Mais que uma partida, deixamos aqui um pedaço da vida da gente."
Fernandes integra o grupo Gaúchos na Copa, com carro enfeitado, site na Internet e um orgulho: já viraram notícia. ""Para fazer parte da história, nada melhor do que aparecer. Ninguém é mala por isso." O gaúcho e o baiano empregam a expressão ""mala" no sentido de chato, excessivo, desagradável -e não a de certos meios paulistas que a usam para qualificar marginais.
É preciso planejamento para tirar a sorte grande -a imagem na televisão. O advogado FábioTheophilo, 29, e a estudante de direito Wal Ribeiro, 23, vieram de Londrina (PR). A peruca estilo black power dele é um sucesso. Há fila por uma foto.
""Escolhi a peruca porque sou de Londrina", diz Theophilo. ""Não temos uma fantasia como a de gaúcho ou cangaceiro." Ele e a namorada encomendaram também uma cópia do troféu feita por um artista plástico.
O advogado vibra: ""Disseram no Brasil que viram a gente na TV". E contabiliza: ""Nos dois jogos da seleção já bateram 110 fotos conosco. Viemos para a festa. Aparecer é consequência".
Ninguém tem obsessão pelo segundo de fama, a confiar nas declarações. ""Tem mesmo gente que vem aparecer, mas não eu", afirma o empresário baiano Sandoval Oliveira Júnior, 38, com uma roupa de Lampião.
O empresário de Ribeirão Preto (SP) Carlos Roberto Marolo, 47, usa uma peruca verde e amarela e uma bandeira do Comercial. ""Não quero me expor", afirma ele, categórico.
O vencedor da competição de pedidos de foto foi, com vantagem, o professor de educação física potiguar Renato Bahia, 33. Ele trouxe de Natal a máscara do... Maskara. ""Aqui só tem oito pessoas de Natal. Vou aparecer." Repete o coro: ""Não há malas. Vale tudo para chamar mais a atenção que os chineses".
O futebol já produziu na China figuras semelhantes. Perderam feio ontem nesse quesito, mas ganharam em número e animação, apesar do time que têm e do perfil de novos ricos, e não de ""torcedor de arquibancada". Alguns chineses protestaram com camisetas de apoio a um grupo de mães dos estudantes reprimidos pelo governo em junho de 1989 na praça da Paz Celestial, em Pequim.
Brasileiros também se manifestaram contra uma suposta atitude da equipe: ""Seleção ignora torcida na Coréia", escreveram numa faixa. Mas perderam para as ""Alô, Galvão", apelo a uma citação do locutor da TV Globo.
Há motivos nobres em alguns esforços. O empresário gaúcho Lauro Jurgeatis, morador de Brasília, escolheu um boneco de bebê vestido com a camisa da seleção para reforçar uma fantasia. Avisou a mulher para o filho João Pedro, 3, ficar de olho na TV. ""É aniversário dele."
Assim como o engenheiro agrônomo Ricardo Oliveira, 38, e a arquiteta Luciana Magalhães, 30, ambos de São Paulo. Fizeram um cartaz para amigos de uma certa "convenção de Itu".
Para quem imagina que fantasia de estádio tem de ser desleixada, o casal de professores universitários pernambucanos Antônio, 48, e Rosângela Coelho, 46, surpreendeu em elegância como Lampião e Maria Bonita. Eles ganharam o pacote para ver a Copa-2002 numa promoção. ""Só agora foram mais de 150 fotos."
É como diz o gaúcho Fernandes: "Não custa nada ganhar uma capinha de jornal".



Texto Anterior: José Geraldo Couto: Denílson apagado, Ronaldinho tolhido
Próximo Texto: José Simão: Vou comprar pijama listrado! Só dá zebra!
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.