São Paulo, domingo, 09 de outubro de 2005

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

FUTEBOL

Omitir documentos do processo, validar só parte de confissão e dar entrevista sobre o caso são condutas irregulares

Para estudiosos, Zveiter atropela o direito

LUÍS FERRARI
RODRIGO MATTOS DA REPORTAGEM LOCAL

A conduta do desembargador e presidente do STJD (Superior Tribunal de Justiça Desportiva), Luiz Zveiter, no escândalo de manipulação de resultados no Brasileiro atropelou princípios gerais do direito. O diagnóstico é de especialistas ouvidos pela Folha.
Algumas das medidas que tomou foram possíveis pelo Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD), que é mais informal e por isso lhe dá mais poder. A legislação foi elaborada com a ajuda do próprio Zveiter.
Presidente do tribunal, ele integra a comissão de 11 membros Ministério do Esporte (ME) que fez o código. Essa lei foi ratificada quase sem mudanças pelo Conselho Nacional do Esporte (CNE), segundo José Cácio, advogado do ME e membro da comissão.
"O fato dele legislar e julgar traz o inconsciente de que ele é o dono da verdade no tribunal", afirma Gustavo de Oliveira, vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo.
Na anulação dos 11 jogos de Edilson Pereira de Carvalho, os clubes descontentes reclamaram do cerceamento ao direito de defesa. Isso porque Zveiter não lhes mostrou todo o processo.
"Não há dúvida de que os princípios processuais valem também em processos administrativos [como os da Justiça Desportiva], afinal, são regras do processo civilizado", explica Antônio Carlos Marcato, professor de direito processual civil da USP.
Outra queixa dos clubes é o fato de Zveiter ter considerado a confissão de Carvalho para anular as partidas e não ter levado em conta que o juiz também relatou que não conseguiu alterar o jogo Figueirense x Juventude.
"A confissão é indivisível. Se for levada em conta, precisa ser aproveitada na íntegra", diz Marcato.
São criticadas ainda as entrevistas dadas pelo presidente do STJD antes do julgamento.
José Rogério Cruz e Tucci, também professor de direito processual civil na USP, explica que as leis orgânicas da magistratura e do Ministério Público e Estatuto de Ética da OAB impedem os técnicos envolvidos em um processo de comentarem uma ação publicamente antes de seu encerramento. "Tenho cuidado ao dar exemplos nas aulas para não identificar casos em andamento."
O fato de o presidente do STJD ter tomado a frente na apuração de fatos-como quando esteve na Polícia Federal para se inteirar das investigações- atenta contra sua imparcialidade. Segundo os princípios processuais da inércia e do dispositivo, o juiz só pode agir se for provocado por uma das partes do processo. São as partes que devem, na maioria dos casos, produzir as provas.
"O poder instrutório [capacidade de montar o processo] do juiz é muito limitado no direito brasileiro. Como receptor e avaliador das provas, ao produzi-las, ele perde isenção. Há exceções, como quando uma parte é incapaz, por exemplo", ensina Marcato.
Como o pleno do STJD confirmou a decisão de Zveiter, até os clubes que apresentaram recursos acham difícil que as anulações sejam revertidas na esfera desportiva. Essa barreira pode se tornar mais complicada de transpor no futuro, já que Zveiter também atua na reforma do CBJD atual.
Na comissão do Ministério, sua influência nos procedimentos processuais, que regulam sua atuação, são decisivas. "Paulo [Schmitt, procurador-geral do STJD], Valed Perry [advogado da CBF], Zveiter e eu damos mais opinião no processual", diz Marcilio Krieger, membro do grupo.
No esboço do novo CBJD já há duas mudanças que dão mais poder para o presidente do tribunal: só ele poderá analisar se recursos podem ser admitidos, por exemplo. "O Judiciário não entra no mérito das decisões da Justiça Desportiva. Mas, se houver falhas no devido processo legal, elas podem ser anuladas", ressalta Tucci.

Texto Anterior: Zveiter ignora princípios de direito no STJD
Próximo Texto: Brasileiro tem lugar cativo para apostas no exterior
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.