São Paulo, domingo, 10 de fevereiro de 2008

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TOSTÃO

Desformar o futebol

O futebol é a morada dos chavões. Mais difícil que derrubá-los é ver os grandes de São Paulo jogarem bem

EXISTEM CHAVÕES no futebol que nunca foram verdades, ou que deixaram de ser com o tempo, e que ainda são repetidos pelos mais velhos e pelos mais novos. Se você discordar, olham com estranheza.
Há muito tempo ouço que os africanos jogam um futebol moleque. Ao ver as últimas e a atual Copa da África, que tem bom nível técnico e alguns grandes jogadores, fica claro que o futebol descontraído não existe há tempos. Hoje, Camarões e Egito fazem a final.
Com a importação de tantos treinadores europeus e a saída de grande número de jovens para a Europa, todas as seleções da África possuem hoje as características das seleções européias, e não as dos melhores times da Europa. Estes, por terem os melhores jogadores do mundo, jogam de uma maneira diferente e ousada.
As seleções da África atuam com excessivo rigor tático, muita marcação e pouquíssima improvisação. Os atletas africanos são ainda mais fortes e mais altos que os europeus. Como no Brasil, deve haver na África, nas categorias de base, uma escolha de atletas mais altos e fortes para exportação.
Outro chavão do futebol, que serve de desculpa para as más atuações, é a falta de tempo para adquirir o famoso entrosamento. É evidente que o tempo ajuda, embora às vezes atrapalhe, pois mostra as deficiências.
Para definir a maneira de jogar e o correto posicionamento dos jogadores -isso é básico para formar um bom conjunto-, bastam boas e poucas conversas e treinos. Os detalhes vão aparecer com o tempo.
Já dá para ver que o novo e modesto time do Corinthians apresenta uma boa organização tática. Difícil é ensinar Acosta a se orientar no tempo e no espaço, Lulinha a chutar a gol e outros atletas a jogar um bom futebol. Talvez nenhum tempo seja suficiente.
Muitas grandes equipes surgiram sem avisar e com poucos treinos.
Quinze dias antes da Copa do Mundo de 1974, na Alemanha, os holandeses resolveram inovar e surpreenderam e encantaram o mundo. O Santos, de Robinho e Diego, apareceu de repente, sem nenhum planejamento. A seleção brasileira de 2002 só foi escalada com Gilberto Silva, Kleberson, além de Ronaldo e Rivaldo, que estavam contundidos, próximo à Copa.
Há inúmeros exemplos.
A Irlanda não é um time chato e que não deixa o adversário jogar, como falaram antes e durante a partida contra o Brasil. Esse é também um antigo chavão. Como a Irlanda recuava demais e iniciava a marcação na entrada da área, os nove jogadores do Brasil, menos Luis Fabiano, que ficava entre os defensores, tinham toda a liberdade para dominar a bola e dar o passe para o lado. Ninguém era pressionado.
Assim é fácil jogar.
Difícil é enfrentar os uruguaios, os paraguaios em Assunção (como fez o Cruzeiro) e as equipes pequenas de São Paulo, que não deixam o adversário nem respirar.
O belíssimo gol de Robinho, dentro da área, em jogada de contra-ataque e com a defesa da Irlanda adiantada, não teve nada a ver com o que aconteceu durante a partida. Foi um lance isolado.
Só os craques conseguem transgredir e desformar o futebol.


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