São Paulo, quinta-feira, 10 de março de 2005

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FUTEBOL

Força que ergue e destrói

SONINHA
COLUNISTA DA FOLHA

Duas décadas atrás, um dos últimos casarões da avenida Paulista começou a ser destruído da noite para o dia. O teto e a fachada foram arrancados e seu esqueleto ficou exposto como se fosse uma gigantesca casa de bonecas. Na parede do banheiro, com seus azulejos brancos, alguém protestou: "A força da grana que ergue e destrói coisas belas" ("Sampa", de Caetano Veloso).
"A força da grana" foi a expressão que me ocorreu ao ler o Esporte de ontem (e evocou essa imagem antiga). Impressionante como o dinheiro -muito dinheiro- perpassa todo o noticiário do futebol, enquanto dirigentes querem continuar sendo "amadores" no pior e mais falso sentido da palavra. Fortunas são transferidas enquanto clubes seguem no buraco. E ainda há os que insistem no auto-elogio e na resistência fanática à profissionalização dos departamentos de futebol.
Os clubes alegam falta de dinheiro para trazer reforços, reformar estádios e pagar dívidas. Mas de Zurique vem a notícia de que os 24 membros do Comitê Executivo da Fifa, que já tinham US$ 50 mil de salário, passarão a receber US$ 100 mil e a contar com pensão vitalícia. Isso inclui Ricardo Teixeira, presidente da CBF. Caetano Veloso outra vez: "Alguma coisa está fora da ordem". O futebol é administrado por amadores, os jogadores têm imensa dificuldade para fazer valer direitos básicos (como férias de 30 dias), os clubes pedem ajuda ao governo para tapar seus rombos, mas a alta cúpula tem dinheiro a rodo!
Mais grana: no Grêmio, um jogador de 16 anos (o meia Anderson) viu seu salário aumentar de R$ 800 para R$ 40 mil para resistir ao assédio de empresários. A preocupação procede, mas o que será da cabeça do garoto?
Esse mesmo jogador pode ficar até 97 dias longe do Grêmio por causa da seleção sub-17. Ou seja, o clube revela, investe, forma, remunera, e a CBF leva. CBF que fatura milhões em patrocínio vendendo o que não poderia lhe pertencer, mas ela administra como propriedade privada: a imagem da seleção brasileira.
CBF que dificilmente perde uma causa nos tribunais. Sua última eleição, em 2003, foi contestada judicialmente em Minas Gerais, mas a situação estaria "totalmente resolvida". A confederação admite que uma decisão de primeiro grau que "sustou a eficácia do edital de convocação da Assembléia" (que realizaria a eleição). Mas a Assembléia aconteceu assim mesmo, re-reelegendo Ricardo Teixeira. E o TJ de Minas entendeu que, "em conseqüência de já haver transcorrido e verificado a Assembléia e a eleição que se pretendia impedir com o ajuizamento da ação, a pretensão estaria prejudicada, não mais sendo possível acatar-se a decisão recorrida que então determinara a suspensão do pleito". Ou seja: por decisão judicial, não era para a eleição ter acontecido, mas já que aconteceu, fica valendo. É isso?
O futebol e a "grana" que ele movimenta têm poder de erguer e destruir coisas belas. Um grande desafio é fazer esse poder mudar de mãos.

Por outro lado
Para não dizer que só tem desgraça: foi ótimo a CBF ter estabelecido que é a classificação no Brasileiro que vai determinar quem participa da Sul-Americana em 2006. É um ranking a menos para se engolir como "critério técnico", e o campeonato ganha um estímulo a mais. Melhor do que isso, só se as duas Copas continentais fossem simultâneas, e a Copa do Brasil fosse disputada no segundo semestre (com os melhores do Brasileiro podendo jogar também). Em vez do campeão brasileiro estar nos dois torneios internacionais, disputaria só a Libertadores -mas jogaria a Copa do Brasil.

Assombro
O que foi aquele segundo gol do Ronaldinho?!

E-mail soninha.folha@uol.com.br


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