São Paulo, quinta-feira, 10 de junho de 2004

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FUTEBOL

O último apaga a luz

SONINHA
COLUNISTA DA FOLHA

Quem defende a elitização do futebol deve pensar que vivemos em um país rico... Que o futebol é capaz de se sustentar só com os 10% que têm renda mensal per capita acima de R$ 571 (dados do Ipea, Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas, encontrados no site da Care Brasil).
Alguns esportes considerados "de elite" tentam se popularizar, enquanto a turma do futebol acha que o povão tem de desencanar de ir ao estádio. Do jeito que vai, daqui a alguns anos vai ser estranho lembrar que o futebol era o lazer mais popular do país.
Talvez o handebol seja um bom exemplo do que o futebol pode vir a ser: um esporte muito praticado (o handebol, nas escolas; o futebol, em qualquer terreno mais ou menos plano) e pouco visto, in loco e pela TV, com dificuldade para se manter como atividade profissional. Os grandes estádios podem se tornar esqueletos abandonados, como as mansões de alguns bairros ricos, abandonadas por medo da violência.
Em um cenário assim, como culpar os jogadores por quererem se mandar daqui? Um deles trocou um salário de R$ 20 mil no Brasil por US$ 90 mil mensais na Rússia. Você não iria? Parece que ele não está muito feliz, mas foi aconselhado a "agüentar" mais um ano, guardar o dinheiro e, depois, voltar para cá, emprestado para algum clube grande (que talvez não pague salário em dia).
Jean, ex-zagueiro do São Paulo, está feliz na temida Rússia. Zé Roberto, do Bayern e da seleção, ainda se lembra do pé congelado no primeiro treino, da dificuldade da mulher no ginecologista (o intérprete, óbvio, ficava do lado de fora), mas não fala em voltar da Alemanha. Outros quebram a cara -não suportam o frio, a solidão, a disciplina rigorosa (os alemães fazem silêncio nas refeições e no ônibus a caminho do estádio!). Querem jogar e são ignorados pelo técnico, são atacantes escalados como volantes (aconteceu com Grafite)... Mas alguns se dão bem e viram "deuses" lá fora.
Nossos emigrantes do futebol são uma pequena amostra desse movimento no sentido inverso da colonização. Quantos vieram para cá atrás do sonho de prosperidade e liberdade? Muitos sucumbiram com o calor e as doenças tropicais, sofreram com a saudade e a exploração escondida atrás de falsas promessas. Mas alguns foram bem-sucedidos, construíram fortunas, mudaram a nossa cultura. Agora são os brasileiros que ganham o mundo (no site da Care consta também que, nos últimos 25 anos, cerca de 150 mil jovens deixam o Brasil anualmente em busca de oportunidades).
Pergunto de novo: "O que você faria se recebesse uma proposta de fora do Brasil, sabendo que poderia ser uma roubada tanto quanto uma grande pedida?". O que faria se estivesse desempregado, sabendo que em seis meses um herói vira vilão, um time se desfaz (como o 15 de Novembro, prestes a acabar)? Se eu quisesse jogar futebol para viver, provavelmente iria embora. Azar de quem se apega aos bons atletas... Cedo ou tarde, eles também deixam de freqüentar os nossos estádios.

Reputação
O site do time do Saturn diz, sobre o zagueiro Régis: "Nem parece jogador brasileiro. Você não vai vê-lo horas deitado no chão, depois de ser atingido, ou driblando quando poderia passar a bola". Por incrível que pareça, o jogador que sai do Brasil ainda é visto com desconfiança; por isso os brasileiros passam a valer muito mais após uma boa temporada na Europa.

Superisentos
O que esperar da comissão que vai discutir o Estatuto do Desporto no Congresso, quando se sabe que boa parte dos parlamentares foi de jatinho ao Mineirão ver o jogo do Brasil, literalmente de camarote, a convite de Ricardo Teixeira? Alô, Comissão de Ética da Câmara, podem-se aceitar presentes assim?

E-mail
soninha.folha@uol.com.br


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