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FUTEBOL
O último apaga a luz
SONINHA
COLUNISTA DA FOLHA
Quem defende a elitização do
futebol deve pensar que vivemos em um país rico... Que o futebol é capaz de se sustentar só
com os 10% que têm renda mensal per capita acima de R$ 571
(dados do Ipea, Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas, encontrados no site da Care Brasil).
Alguns esportes considerados
"de elite" tentam se popularizar,
enquanto a turma do futebol
acha que o povão tem de desencanar de ir ao estádio. Do jeito que
vai, daqui a alguns anos vai ser
estranho lembrar que o futebol
era o lazer mais popular do país.
Talvez o handebol seja um bom
exemplo do que o futebol pode vir
a ser: um esporte muito praticado
(o handebol, nas escolas; o futebol, em qualquer terreno mais ou
menos plano) e pouco visto, in loco e pela TV, com dificuldade para se manter como atividade profissional. Os grandes estádios podem se tornar esqueletos abandonados, como as mansões de alguns bairros ricos, abandonadas
por medo da violência.
Em um cenário assim, como
culpar os jogadores por quererem
se mandar daqui? Um deles trocou um salário de R$ 20 mil no
Brasil por US$ 90 mil mensais na
Rússia. Você não iria? Parece que
ele não está muito feliz, mas foi
aconselhado a "agüentar" mais
um ano, guardar o dinheiro e, depois, voltar para cá, emprestado
para algum clube grande (que
talvez não pague salário em dia).
Jean, ex-zagueiro do São Paulo,
está feliz na temida Rússia. Zé
Roberto, do Bayern e da seleção,
ainda se lembra do pé congelado
no primeiro treino, da dificuldade da mulher no ginecologista (o
intérprete, óbvio, ficava do lado
de fora), mas não fala em voltar
da Alemanha. Outros quebram a
cara -não suportam o frio, a solidão, a disciplina rigorosa (os
alemães fazem silêncio nas refeições e no ônibus a caminho do estádio!). Querem jogar e são ignorados pelo técnico, são atacantes
escalados como volantes (aconteceu com Grafite)... Mas alguns se
dão bem e viram "deuses" lá fora.
Nossos emigrantes do futebol
são uma pequena amostra desse
movimento no sentido inverso da
colonização. Quantos vieram para cá atrás do sonho de prosperidade e liberdade? Muitos sucumbiram com o calor e as doenças
tropicais, sofreram com a saudade e a exploração escondida atrás
de falsas promessas. Mas alguns
foram bem-sucedidos, construíram fortunas, mudaram a nossa
cultura. Agora são os brasileiros
que ganham o mundo (no site da
Care consta também que, nos últimos 25 anos, cerca de 150 mil jovens deixam o Brasil anualmente
em busca de oportunidades).
Pergunto de novo: "O que você
faria se recebesse uma proposta
de fora do Brasil, sabendo que poderia ser uma roubada tanto
quanto uma grande pedida?". O
que faria se estivesse desempregado, sabendo que em seis meses um
herói vira vilão, um time se desfaz
(como o 15 de Novembro, prestes
a acabar)? Se eu quisesse jogar futebol para viver, provavelmente
iria embora. Azar de quem se
apega aos bons atletas... Cedo ou
tarde, eles também deixam de freqüentar os nossos estádios.
Reputação
O site do time do Saturn diz, sobre o zagueiro Régis: "Nem parece jogador brasileiro. Você
não vai vê-lo horas deitado no
chão, depois de ser atingido, ou
driblando quando poderia passar a bola". Por incrível que pareça, o jogador que sai do Brasil
ainda é visto com desconfiança;
por isso os brasileiros passam a
valer muito mais após uma boa
temporada na Europa.
Superisentos
O que esperar da comissão que
vai discutir o Estatuto do Desporto no Congresso, quando se
sabe que boa parte dos parlamentares foi de jatinho ao Mineirão ver o jogo do Brasil, literalmente de camarote, a convite de Ricardo Teixeira? Alô, Comissão de Ética da Câmara, podem-se aceitar presentes assim?
E-mail
soninha.folha@uol.com.br
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