São Paulo, terça-feira, 10 de julho de 2007

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SONINHA

Vencer jogando bem


Incrível um técnico de seleção ficar irritado com a cobrança por bom futebol; será que ele não prefere o Brasil dos 6 a 1?


NÃO DÁ PARA crer que começou de novo a discussão sobre futebol espetáculo x futebol de resultados -como se fossem adversários. Como se o primeiro não tivesse interesse no segundo (isto é, nos resultados); como se o segundo precisasse dispensar o primeiro. Incomodado com as críticas à seleção brasileira, Dunga foi ao ataque -justamente o que queríamos que o time dele fizesse (hehehe). Como em outras ocasiões, esteve entre o sarcasmo e a ofensa.
As palavras exatas não foram estas, mas o sentido foi: "Ficam com essa história de espetáculo, e aí nós passamos mais 24 anos sem ganhar nada, aplaudindo os europeus."
Europeus, às vezes, jogam bonito, às vezes, não. Jogando de um jeito ou de outro, uns vencem, outros perdem. Mas estão, em geral, cada vez mais interessados em jogadores "bonitos", constituindo verdadeiras seleções com talentos importados das antigas colônias. Aquele sonho antigo de ver o craque de um time ao lado do astro do outro, antes realizado nas seleções, hoje se materializa nos times europeus.
"Espetáculo" é vencer jogando bem -seria essa uma aspiração irreal, ambiciosa demais? Talvez para países sem opções, que nunca viram um Robinho, um Kaká, um Ronaldinho nascer em seu território. Espetáculo não é firula; é o toque inteligente, o passe bem-feito, o lançamento audacioso e preciso, o drible eficaz, o corta-luz, a tabela, o gol. Se a jogada for bonita, e o gol, chorado, meio feioso, tudo bem. É claro que a gente quer gol. E vencer.
"Não tem alegria só no drible"; "hoje, há muita marcação, pouco espaço, o raciocínio precisa ser mais rápido"; "o ideal seria uma mescla da seleção de 82 com a de 94."
Todas as frases acima são de Dunga -e soam melhores do que a outra, sobre os "24 anos ganhando nada". Especialmente se forem combinadas. Drible é um recurso para vencer a marcação e a falta de espaço; exige raciocínio rápido (ou uma decisão que se antecipa ao próprio raciocínio), confiança e habilidade. Se não couber o drible, vale o toque de primeira, a movimentação coletiva, a estratégia bem desenhada.
Em todo caso, o que ocorreu à seleção de 82 foi uma derrota por um gol. Um erro nosso aqui, um jogador encantado do lado de lá. Acontece. Não é a prova de que o time tinha problemas de concepção e funcionamento. Se o Brasil de Dunga jogar muito bem e perder por diferença mínima, hoje ou na final, a lição a extrair será a de que errou na montagem do time? Que devia ter mantido a formação que jogou feio (e mal!) e assim, quem sabe, teria vencido?
A torcida brasileira, muitas vezes, é impiedosa, impaciente, injusta. Não percebe a qualidade do adversário, não quer saber se a marcação é implacavelmente bem-feita e não leva em conta a dificuldade de se lidar com contusões, pedidos de dispensa, suspensões, jet lag, cansaço, altitude, assédio etc.
Mas, após tantos tombos, calos, campanhas sofridas e apresentações medíocres, não queremos ver a versão futebolística dos Globetrotters: queremos um futebol bacana, que justifique a atenção e o interesse por mais tempo do que os breves segundos em que festejamos um gol e a vitória depois do apito final. Se não for assim, para que serve o futebol?

soninha.folha@uol.com.br


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