São Paulo, domingo, 10 de dezembro de 2000

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Número um do tênis tem vida quase normal só entre seus conterrâneos
"Mundo de Guga" vira atração de turistas


Lugares frequentados pelo tenista em Florianópolis, sua cidade natal, se transformaram em parada obrigatória para os visitantes


RODRIGO BERTOLOTTO
ENVIADO A FLORIANÓPOLIS

Atraindo milhares de aposentados e veranistas, Florianópolis já é tratada como uma versão brasileira de Miami. Dentro da capital catarinense, porém, há como uma cidade à parte que bem poderia se chamar ""Gugópolis".
Esse mundo do tenista Gustavo Kuerten acabou virando uma atração turística, como a ponte Hercílio Luz, a praia da Joaquina e a lagoa da Conceição.
Aliás, a residência Kuerten fica no bairro Itacorubi, no caminho entre o centro e a lagoa.
Todo taxista, motorista de ônibus ou guia aponta ao passar por ela: ""À sua direita, atrás desse muro cinza, fica a casa do nosso número um do mundo".
Quando está em sua cidade natal, Guga quase consegue ter vida normal entre os conterrâneos. Já os turistas se aglomeram atrás de autógrafos e fotografias, incluindo aí os costumeiros argentinos, que invadem a ilha a cada verão.
Certa vez, Guga teve de parar uma pelada na praia com os amigos porque o campo foi invadido por uns 40 visitantes paulistas que faziam um city-tour por lá.
""Agora, quando vê um ônibus turístico, ele se esconde ou sai correndo para o mar", afirma Perseu Lehmkuhl, um dos integrantes do seleto grupo de amigos de Guga, que é dividido em dois subgrupos: a turma do tênis e a do surfe.
Para os torneios, costuma ser acompanhado pelos camaradas tenistas. Nas férias, como a que atualmente desfruta no Havaí, entram em cena os surfistas. Em geral, Guga arruma, ajuda ou banca a estadia dos amigos.
Por Florianópolis, ele é sempre visto acompanhado pela família ou pelos amigos. Nada de seguranças por perto -bem diferente de suas passagens por São Paulo ou Rio, quando já chegou a ser escoltado por seis policiais.
Sempre próximo está o irmão mais velho, Rafael Kuerten, que também é seu empresário.
É ele quem negocia os contratos, paga as contas e cuida dos investimentos do tenista de US$ 7,7 milhões ganhos na carreira como prêmio -Guga recebeu outros US$ 7 milhões de seus seis patrocinadores só nesta temporada.
Rafael ganhou notoriedade com o imbróglio anterior aos Jogos de Sydney, quando a negociação com o Comitê Olímpico Brasileiro quase impossibilitou a inclusão de seu irmão na delegação brasileira -depois tudo se resolveu.
Avesso a entrevistas (""Vocês trocam tudo o que a gente fala", diz), Rafael tem o mesmo tipo físico do irmão (alto e magro), mas está longe do visual desleixado.
Os novos investimentos da família Kuerten seguem receita semelhante a dos jogadores de futebol: imóveis, posto de gasolina e academia de esportes.
A academia é a P&K (sigla para Paludo e Kuerten), com duas quadras de tênis cobertas e campos de futebol society, situada na rodovia SC-401, caminho para a badalada praia de Canavieiras.
Artemio Paludo, ex-proprietário dos frigoríficos Seara, é o sócio. Ele lembra que outros frigoríficos do interior catarinense custearam a carreira de Guga.
""No começo, ele foi patrocinado pela Ceval. Depois que terminou, eu falei com meu sobrinho Jair, que trabalhava na Sadia, que passou a ajudar o Guga. Meu sobrinho se transferiu para a Chapecó e lá conseguiu novo patrocínio", conta Paludo.
Com problemas financeiros, a Chapecó pagou só a metade dos R$ 42 mil prometidos para a temporada de 1996 -o restante só foi depositado em 2000, quando as cifras de Guga deixaram de ser milhares de reais e passaram a ser calculadas em milhões de dólares.
Só em 1997 o perfil dos patrocinadores mudou, entrando bancos, confecções esportivas e fornecedores de raquete, isso sem contar marcas de chinelo, refrigerante, carro e telefone celular.
Já no quesito imóveis, o tenista, entre suas aquisições, comprou um apartamento ao lado da casa noturna Café Cancun, localizada na avenida Beira Mar, uma das principais vias de Florianópolis.
De frente para o mar e no sexto andar de um prédio, o apartamento serve como local ideal para reunir os amigos ou levar uma eventual namorada.
Na boate, Guga é o único que pode entrar de bermuda e chinelo. Na gíria catarinense, o ídolo local é classificado de um ""naba" ou um ""varzeão", termos usados para quem adota um figurino descuidado.
Mas largado mesmo está o local em que Guga treinou tênis pela primeira vez. É a Astel, antigo clube dos funcionários da Telesc, a empresa telefônica do Estado de Santa Catarina, da qual sua mãe, Alice, era funcionária.
Na associação fundada em 1979, ele teve o primeiro contato com o esporte. Primeiramente, se dividia entre o futebol e o basquete. Aos sete anos, começou a ter aulas de tênis. Mesmo assim, aos 11, fez parte do time mirim de futsal, que se tornou campeão estadual.
Depois da privatização, em 1998, a empresa se desligou do clube. ""Nosso orçamento se reduziu muito e quase não dá para reformar", afirma o diretor da Astel, Paulo César da Silva.
Lá, uma das quadras foi batizada com o nome de Gustavo "Guga" Kuerten. A placa que marca a homenagem é de 1995, quando ele era apenas um expoente local, dois anos antes da fama internacional. No entorno da placa, há muita infiltração de água e pouca tinta nas paredes, indícios de que o tempo é de escassez.
Guga não aceitou outras homenagens posteriores, como desfilar no carro de bombeiros quando aportou na cidade após o título no torneio de Roland Garros, em 1997 -""Só subo se for para apagar algum incêndio", explicou.
Outra homenagem está embrulhada por uma lona amarela no estacionamento da RBS, retransmissora local da TV Globo: uma escultura do tenista que iria ficar em um monumento no centro da cidade. O tenista rejeitou a estátua que hoje faz companhia aos carros dos funcionários do canal.
Guga parece preferir brincadeiras como complemento para seus feitos. Foi assim no domingo, por exemplo, quando venceu o Master de Lisboa, sucesso que lhe valeu terminar como o primeiro do mundo na temporada.
Uma hora após derrotar o norte-americano Andre Agassi, ele telefonou para o amigo Alexandre Rocha, apelidado de Rochinha, que trabalha como bancário no Rio de Janeiro.
Quando o amigo lhe contou que havia comprado um carro com as economias, Guga, que acabara de ganhar US$ 1,4 milhão (mais de R$ 2,7 milhões), disparou: ""Então, estás com muito dinheiro".


Texto Anterior: Bem-vindo a Gugópolis
Próximo Texto: Assalto faz família reforçar segurança da casa
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.