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Rio atrai Pan e poder, mas perde os atletas
A SEDE do Pan ama o esporte, de acordo com
definição dos organizadores. O sentimento, porém, não é correspondido pelos atletas. No passado, viver e treinar no Rio era
quase uma obrigação para quem queria progredir.
Hoje, a maioria dos competidores que tentam disputar os Jogos labuta em outros Estados. Muitos são fluminenses, e o caminho que seguem ajuda a entender
uma marcha que nem o Pan conseguiu mudar.
Enquanto dirigentes fincam base no palco dos Jogos, esportistas rumam para outros Estados; evento não breca êxodo
GUILHERME ROSEGUINI
MARIANA LAJOLO
DA REPORTAGEM LOCAL
Marco Veiga achou que os
dias de glória estavam de volta.
Apostou que o Pan-Americano
daria novo fôlego ao esporte no
Rio, ressuscitaria o prestígio
que a cidade já ostentou.
Contaminou com seu otimismo os atletas que orientava.
Previu que problemas estruturais, atrasos de salário e outras
dificuldades iriam acabar.
Tudo ilusão.
Veiga deixou em 2006 seu
cargo como treinador do Botafogo. Já havia completado cinco meses sem receber quando
surgiu o convite para trabalhar
no Pinheiros, em São Paulo, hoje hegemônico nas piscinas.
"Fui atleta e ajudei o Flamengo a ganhar sete títulos nacionais seguidos. Achei que tudo voltaria a ser como antes,
mas o Pan não resolveu essa
questão. Então, convidei meus
atletas a seguirem o meu caminho", afirma o treinador.
A rota de Veiga e seus pupilos
apenas engrossa uma diáspora
que o maior evento das Américas não conseguiu frear.
Levantamento elaborado pela Folha com base em dados de
30 confederações que vão
mandar representantes ao torneio mostra que o palco dos Jogos exerce forte atração nos dirigentes. O rumo dos atletas,
todavia, é bem diferente.
O local de treinos escolhido
por cada competidor já classificado ou em condições de entrar na disputa do Pan foi computado na investigação.
Resultado: só 14,5% dos 788
casos analisados vivem no Rio
-a delegação do Brasil no Pan
deve contar com 690 atletas.
Os números ganham nova
dimensão quando o assunto é a
política. Das 33 confederações
com esportes no Pan, 42,5% escolheram o Rio como sede.
São Paulo abriga 27% dessas
entidades. Por outro lado, é favorito dos esportistas -45%
estão treinando no Estado.
Muitos deixaram o palco do
Pan e ajudam a entender essa
curiosa emigração. São casos
como o de Michele Barreto da
Costa, 28, vice-líder do ranking
brasileiro de atletismo nos
3.000 m com obstáculos.
A corredora saiu do Estado
natal em 2001 rumo a Manaus.
Após breve retorno, mudou-se
para o interior de São Paulo.
"O Rio já teve uma boa estrutura, mas agora é muito deficiente. Financeiramente, as
propostas de fora também são
bem melhores", diz Michele.
Nem o evento que a cidade
recebe a partir de 13 de julho
faz a atleta acreditar em transformações. "Não é por causa do
Pan que teremos mais gente lá.
Será só mais uma competição.
O problema é de estrutura política, e não acredito que acontecerão mudanças."
Hoje, ela mora em Cosmópolis e treina em Campinas (a 95
km de São Paulo). Além de boa
estrutura de trabalho, encontrou mais qualidade de vida.
O êxodo que arrastou Michele, explica José Geraldo Salles,
doutor em transformações socioculturais do esporte, ocorre
no Rio desde os anos 80 e está
relacionado à falta de investimento no nascedouro.
Para o pesquisador, as autoridades deixaram de dar atenção à formação de talentos.
"Hoje, os cariocas importam
os atletas que usam em suas
equipes. Os times são montados só para disputar torneios e
acabam quando o patrocinador
resolve sair", afirma.
Salles acredita que o cenário
atual não deve mudar até que
os cartolas resolvam despender
recursos na base. Antes disso, a
estrutura oferecida aos profissionais vai continuar bem inferior à de outras praças.
É um desnível que a nadadora Gabriele Silva, 18, conhece
bem. Em 2005, ela já ostentava
no currículo títulos de campeã
nacional, porém ainda usava o
próprio dinheiro para viajar
com a equipe do Flamengo.
Decidiu, então, treinar em
Belo Horizonte. Da capital mineira, seguiu para São Paulo. "A
saudade da praia e da família é
suportável. Agora tenho salário", diz Gabriele, que está entre as melhores do país em provas no estilo borboleta.
Um boa proposta financeira
ajuda na hora da decisão. Só
que, para Lamartine da Costa,
professor da Academia Olímpica Internacional e organizador
do "Atlas do Esporte no Brasil",
o esvaziamento do Rio, em especial da capital, obedece a
uma tendência mundial.
O especialista afirma que
grandes metrópoles deixaram
de ser interessantes para atletas de alto nível, que hoje encontram nas pequenas cidades
a mesma qualidade dos grandes centros, com um diferencial de poder contar com tratamentos personalizados.
"São Paulo, Porto Alegre,
Florianópolis e Curitiba têm
pólos ricos em seu entorno que
atraíram atletas. No Rio, poucos lugares fora da capital têm
condições de receber modalidades esportivas. Assim, o que
mais se vê é carioca saindo para
treinar em outro lugar."
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