São Paulo, domingo, 11 de fevereiro de 2007

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Rio atrai Pan e poder, mas perde os atletas

A SEDE do Pan ama o esporte, de acordo com definição dos organizadores. O sentimento, porém, não é correspondido pelos atletas. No passado, viver e treinar no Rio era quase uma obrigação para quem queria progredir. Hoje, a maioria dos competidores que tentam disputar os Jogos labuta em outros Estados. Muitos são fluminenses, e o caminho que seguem ajuda a entender uma marcha que nem o Pan conseguiu mudar.

Enquanto dirigentes fincam base no palco dos Jogos, esportistas rumam para outros Estados; evento não breca êxodo

GUILHERME ROSEGUINI
MARIANA LAJOLO
DA REPORTAGEM LOCAL

Marco Veiga achou que os dias de glória estavam de volta. Apostou que o Pan-Americano daria novo fôlego ao esporte no Rio, ressuscitaria o prestígio que a cidade já ostentou.
Contaminou com seu otimismo os atletas que orientava. Previu que problemas estruturais, atrasos de salário e outras dificuldades iriam acabar.
Tudo ilusão.
Veiga deixou em 2006 seu cargo como treinador do Botafogo. Já havia completado cinco meses sem receber quando surgiu o convite para trabalhar no Pinheiros, em São Paulo, hoje hegemônico nas piscinas.
"Fui atleta e ajudei o Flamengo a ganhar sete títulos nacionais seguidos. Achei que tudo voltaria a ser como antes, mas o Pan não resolveu essa questão. Então, convidei meus atletas a seguirem o meu caminho", afirma o treinador.
A rota de Veiga e seus pupilos apenas engrossa uma diáspora que o maior evento das Américas não conseguiu frear.
Levantamento elaborado pela Folha com base em dados de 30 confederações que vão mandar representantes ao torneio mostra que o palco dos Jogos exerce forte atração nos dirigentes. O rumo dos atletas, todavia, é bem diferente.
O local de treinos escolhido por cada competidor já classificado ou em condições de entrar na disputa do Pan foi computado na investigação.
Resultado: só 14,5% dos 788 casos analisados vivem no Rio -a delegação do Brasil no Pan deve contar com 690 atletas.
Os números ganham nova dimensão quando o assunto é a política. Das 33 confederações com esportes no Pan, 42,5% escolheram o Rio como sede.
São Paulo abriga 27% dessas entidades. Por outro lado, é favorito dos esportistas -45% estão treinando no Estado.
Muitos deixaram o palco do Pan e ajudam a entender essa curiosa emigração. São casos como o de Michele Barreto da Costa, 28, vice-líder do ranking brasileiro de atletismo nos 3.000 m com obstáculos.
A corredora saiu do Estado natal em 2001 rumo a Manaus. Após breve retorno, mudou-se para o interior de São Paulo.
"O Rio já teve uma boa estrutura, mas agora é muito deficiente. Financeiramente, as propostas de fora também são bem melhores", diz Michele.
Nem o evento que a cidade recebe a partir de 13 de julho faz a atleta acreditar em transformações. "Não é por causa do Pan que teremos mais gente lá. Será só mais uma competição. O problema é de estrutura política, e não acredito que acontecerão mudanças."
Hoje, ela mora em Cosmópolis e treina em Campinas (a 95 km de São Paulo). Além de boa estrutura de trabalho, encontrou mais qualidade de vida.
O êxodo que arrastou Michele, explica José Geraldo Salles, doutor em transformações socioculturais do esporte, ocorre no Rio desde os anos 80 e está relacionado à falta de investimento no nascedouro.
Para o pesquisador, as autoridades deixaram de dar atenção à formação de talentos.
"Hoje, os cariocas importam os atletas que usam em suas equipes. Os times são montados só para disputar torneios e acabam quando o patrocinador resolve sair", afirma.
Salles acredita que o cenário atual não deve mudar até que os cartolas resolvam despender recursos na base. Antes disso, a estrutura oferecida aos profissionais vai continuar bem inferior à de outras praças.
É um desnível que a nadadora Gabriele Silva, 18, conhece bem. Em 2005, ela já ostentava no currículo títulos de campeã nacional, porém ainda usava o próprio dinheiro para viajar com a equipe do Flamengo.
Decidiu, então, treinar em Belo Horizonte. Da capital mineira, seguiu para São Paulo. "A saudade da praia e da família é suportável. Agora tenho salário", diz Gabriele, que está entre as melhores do país em provas no estilo borboleta.
Um boa proposta financeira ajuda na hora da decisão. Só que, para Lamartine da Costa, professor da Academia Olímpica Internacional e organizador do "Atlas do Esporte no Brasil", o esvaziamento do Rio, em especial da capital, obedece a uma tendência mundial.
O especialista afirma que grandes metrópoles deixaram de ser interessantes para atletas de alto nível, que hoje encontram nas pequenas cidades a mesma qualidade dos grandes centros, com um diferencial de poder contar com tratamentos personalizados.
"São Paulo, Porto Alegre, Florianópolis e Curitiba têm pólos ricos em seu entorno que atraíram atletas. No Rio, poucos lugares fora da capital têm condições de receber modalidades esportivas. Assim, o que mais se vê é carioca saindo para treinar em outro lugar."


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