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São Paulo, terça-feira, 11 de março de 2003

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FUTEBOL

Transpiração x inspiração

JOSÉ ROBERTO TORERO
COLUNISTA DA FOLHA

Era domingo à noite e eu estava sem nenhuma idéia para fazer este texto. Só me restavam duas saídas. A primeira seria pedir ao meu sobrinho Leocádio que escrevesse algo para mim. Mas, como ele estava com o nariz machucado, decidi deixar o pobrezinho em paz (talvez ele conte o que aconteceu numa das próximas colunas).
A segunda opção era entrevistar algum craque do passado através de Zé Cabala, meu intermediário para colóquios anímicos. Mas lembrei que ele não podia falar. O guru dos gurus estava afônico. Cantou demais nos festejos de Momo (ele é presidente vitalício do "Bloco Cultural e Carnavalesco Espíritos de Porco").
Eu estava num beco sem saída, metaforicamente falando. Então decidi ir até outro beco sem saída, geograficamente falando. Ali ficava o Flor do Lodo, bar famoso por seus ovos cor-de-rosa, sua sardinha em conserva e seus sais de fruta gratuitos. Mal me sentei, escutei uma voz dizer: "O amigo jornalista está com problemas?".
Era a voz de Cascadura, uma espécie de filósofo que batia ponto naquele bar.
- Pois é, estou com dificuldades. Tento, tento e não sai nada.
- Quem sabe um laxante?
- Ei, são minhas idéias que não saem!
- Ah, claro. Bem, se você quiser, posso lhe emprestar um tema.
- Qual?
- Suor.
- Explique.
- É que os dois times que foram desclassificados nas semifinais do Paulista, Palmeiras e Portuguesa Santista, foram justamente os times que mais suaram a camisa. A Briosa foi o charme do torneio. Venceu o campeão brasileiro e chegou em primeiro num grupo que ainda tinha o São Paulo. Mas, na hora de dar o último impulso para chegar ao cume da montanha, seu pé escorregou numa pedra e o sonho despenhou ladeira abaixo.
- Chuif, chuif...
- Triste, também, foi a queda do Palmeiras, time que iniciou a competição sem muita esperança, só que aos poucos vieram as vitórias, todas árduas, fatigantes. Diante do São Caetano, o alviverde conquistou a improvável classificação. Porém, quando faltava apenas agarrar-se a um arbusto para escapar do precipício, o arbusto se desprendeu.
- Triste, triste...
- Esses dois times superaram seus limites. A Briosa e o Palestra suaram, mas faltou arte. Já São Paulo e Corinthians mostraram as duas coisas, o tricolor na primeira partida e o alvinegro na segunda, e assim foram mais longe. É como diz aquele ditado: Futebol é 99% de transpiração e 1% de inspiração.
- Não foi o Thomas Alva Edison que falou isso em relação à ciência?
- Ciência..., futebol..., é tudo a mesma coisa.
Então o filósofo enfiou de uma só vez um ovo cozido na boca. E, com ela ainda cheia, gritou para o garçom:
- Pimenta, liga o ventilador que essa conversa de transpiração me deixou suado!

M
Matusalém foi o jogador mais velho que já atuou em uma equipe de futebol. Por quase meio século, ele jogou no Boa Hora Esporte Clube, do Piauí. Aos 20 anos, era um lépido ponta-direita. Aos 30, transformou-se num eficiente centroavante. Aos 40 anos, fez-se um seguro meia. Aos 50, era um bom médio-volante e, ao completar 60 anos, começou a jogar na quarta zaga, onde usava uma bengala para apoiar-se melhor. Matusalém dizia que só morto sairia do campo de futebol. Mas nem assim. Depois que foi para o outro lado do mistério (vítima de um fulminante enfarte do miocárdio sofrido na marca do pênalti), foi cremado e suas cinzas espalhadas pelo gramado do Boa Hora. Dizem que é a grama mais verde de todo Piauí.

E-mail torero@uol.com.br


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