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FUTEBOL
Transpiração x inspiração
JOSÉ ROBERTO TORERO
COLUNISTA DA FOLHA
Era domingo à noite e eu estava sem nenhuma idéia para
fazer este texto. Só me restavam
duas saídas. A primeira seria pedir ao meu sobrinho Leocádio
que escrevesse algo para mim.
Mas, como ele estava com o nariz
machucado, decidi deixar o pobrezinho em paz (talvez ele conte
o que aconteceu numa das próximas colunas).
A segunda opção era entrevistar algum craque do passado
através de Zé Cabala, meu intermediário para colóquios anímicos. Mas lembrei que ele não podia falar. O guru dos gurus estava
afônico. Cantou demais nos festejos de Momo (ele é presidente vitalício do "Bloco Cultural e Carnavalesco Espíritos de Porco").
Eu estava num beco sem saída,
metaforicamente falando. Então
decidi ir até outro beco sem saída,
geograficamente falando. Ali ficava o Flor do Lodo, bar famoso
por seus ovos cor-de-rosa, sua sardinha em conserva e seus sais de
fruta gratuitos. Mal me sentei, escutei uma voz dizer: "O amigo
jornalista está com problemas?".
Era a voz de Cascadura, uma
espécie de filósofo que batia ponto
naquele bar.
- Pois é, estou com dificuldades. Tento, tento e não sai nada.
- Quem sabe um laxante?
- Ei, são minhas idéias que
não saem!
- Ah, claro. Bem, se você quiser, posso lhe emprestar um tema.
- Qual?
- Suor.
- Explique.
- É que os dois times que foram desclassificados nas semifinais do Paulista, Palmeiras e Portuguesa Santista, foram justamente os times que mais suaram
a camisa. A Briosa foi o charme
do torneio. Venceu o campeão
brasileiro e chegou em primeiro
num grupo que ainda tinha o São
Paulo. Mas, na hora de dar o último impulso para chegar ao cume
da montanha, seu pé escorregou
numa pedra e o sonho despenhou
ladeira abaixo.
- Chuif, chuif...
- Triste, também, foi a queda
do Palmeiras, time que iniciou a
competição sem muita esperança,
só que aos poucos vieram as vitórias, todas árduas, fatigantes.
Diante do São Caetano, o alviverde conquistou a improvável classificação. Porém, quando faltava
apenas agarrar-se a um arbusto
para escapar do precipício, o arbusto se desprendeu.
- Triste, triste...
- Esses dois times superaram
seus limites. A Briosa e o Palestra
suaram, mas faltou arte. Já São
Paulo e Corinthians mostraram
as duas coisas, o tricolor na primeira partida e o alvinegro na segunda, e assim foram mais longe.
É como diz aquele ditado: Futebol
é 99% de transpiração e 1% de
inspiração.
- Não foi o Thomas Alva Edison que falou isso em relação à
ciência?
- Ciência..., futebol..., é tudo a
mesma coisa.
Então o filósofo enfiou de uma
só vez um ovo cozido na boca. E,
com ela ainda cheia, gritou para
o garçom:
- Pimenta, liga o ventilador
que essa conversa de transpiração
me deixou suado!
M
Matusalém foi o jogador mais
velho que já atuou em uma
equipe de futebol. Por quase
meio século, ele jogou no Boa
Hora Esporte Clube, do Piauí.
Aos 20 anos, era um lépido
ponta-direita. Aos 30, transformou-se num eficiente centroavante. Aos 40 anos, fez-se um
seguro meia. Aos 50, era um
bom médio-volante e, ao completar 60 anos, começou a jogar
na quarta zaga, onde usava
uma bengala para apoiar-se
melhor. Matusalém dizia que
só morto sairia do campo de futebol. Mas nem assim. Depois
que foi para o outro lado do
mistério (vítima de um fulminante enfarte do miocárdio sofrido na marca do pênalti), foi
cremado e suas cinzas espalhadas pelo gramado do Boa Hora.
Dizem que é a grama mais verde de todo Piauí.
E-mail torero@uol.com.br
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