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África sem a Copa
Cidade de africâneres
radicais,
pró-apartheid, despreza estreia dos Bafana Bafana
FÁBIO ZANINI
ENVIADO ESPECIAL A ORÂNIA
Enquanto os sons das vuvuzelas se espalham pela
África do Sul, uma cidade de
brancos no meio do país ignorava solenemente o dia
mais importante desde o fim
do apartheid, em 1994.
Em Orânia, a 650 km de Johannesburgo, só nove pessoas acompanhavam pela TV
do único bar da cidade, às
16h05 (11h05 em Brasília), ao
jogo África do Sul x México.
Os funcionários do local
não pararam de trabalhar.
Fora do bar, seis garotos jogavam rúgbi, esporte muito
mais interessante para eles.
"Futebol? Não está em
mim. Não é para nós", disse
um deles, Kook Steenkamp,
10. "Nós" significa os africâneres, descendentes de holandeses que vivem isolados
nessa cidade de 720 habitantes. No país, são 6% da população. Futebol, para eles, é
esporte "negro".
Africâneres radicais reúnem-se em Orânia -onde negros e mestiços são proibidos- e lá tentam manter
uma suposta pureza da raça.
A maioria dos habitantes é
abertamente saudosista do
apartheid. Tem até um museu dedicado a Hendrik Verwoerd (1901-66), o primeiro-ministro que prendeu Nelson
Mandela, nos anos 60.
O jogo não mudou a rotina
da cidade. Pedreiros continuavam trabalhando na obra
de uma casa. Moradores faziam compras no único supermercado do lugar. Uma
mulher fazia cooper. "Futebol? É distante demais para
mim", afirmou outra mulher.
O eletricista Abram Petrorius dormia quando a reportagem bateu em sua casa durante a partida. "Preciso descansar", afirmou.
ESTRANHO SILÊNCIO
Ontem, as ruas pacatas de
Orânia pareciam pertencer a
outro país. Nenhuma bandeira sul-africana em casas
ou carros, ninguém com camiseta dos Bafana Bafana. E
nenhuma vuvuzela.
"É a coisa mais idiota já inventada. Minha vontade é
atirar em quem toca esse negócio", disse a aposentada
Elise Lombaard, para quem
Mandela é um "criminoso".
No bar, Heinrich Schmidt,
17, disse que foi ao local ver o
empate em 1 a 1 de ontem forçado pela namorada, Estella
Boshoff, 15. "Vou ver os outros jogos se tiver tempo",
disse ele. Apesar de se dizer
interessada em futebol, ela
só conhecia o zagueiro Mattew Booth, único branco da
equipe sul-africana.
Outro garoto, fã assumido
de rúgbi, não sabia nem mesmo o nome do técnico da
equipe (Carlos Alberto Parreira). "Só sei que é branco."
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