São Paulo, sábado, 12 de junho de 2010

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África sem a Copa

Cidade de africâneres radicais, pró-apartheid, despreza estreia dos Bafana Bafana

FÁBIO ZANINI
ENVIADO ESPECIAL A ORÂNIA

Enquanto os sons das vuvuzelas se espalham pela África do Sul, uma cidade de brancos no meio do país ignorava solenemente o dia mais importante desde o fim do apartheid, em 1994.
Em Orânia, a 650 km de Johannesburgo, só nove pessoas acompanhavam pela TV do único bar da cidade, às 16h05 (11h05 em Brasília), ao jogo África do Sul x México.
Os funcionários do local não pararam de trabalhar. Fora do bar, seis garotos jogavam rúgbi, esporte muito mais interessante para eles.
"Futebol? Não está em mim. Não é para nós", disse um deles, Kook Steenkamp, 10. "Nós" significa os africâneres, descendentes de holandeses que vivem isolados nessa cidade de 720 habitantes. No país, são 6% da população. Futebol, para eles, é esporte "negro".
Africâneres radicais reúnem-se em Orânia -onde negros e mestiços são proibidos- e lá tentam manter uma suposta pureza da raça. A maioria dos habitantes é abertamente saudosista do apartheid. Tem até um museu dedicado a Hendrik Verwoerd (1901-66), o primeiro-ministro que prendeu Nelson Mandela, nos anos 60.
O jogo não mudou a rotina da cidade. Pedreiros continuavam trabalhando na obra de uma casa. Moradores faziam compras no único supermercado do lugar. Uma mulher fazia cooper. "Futebol? É distante demais para mim", afirmou outra mulher.
O eletricista Abram Petrorius dormia quando a reportagem bateu em sua casa durante a partida. "Preciso descansar", afirmou.

ESTRANHO SILÊNCIO
Ontem, as ruas pacatas de Orânia pareciam pertencer a outro país. Nenhuma bandeira sul-africana em casas ou carros, ninguém com camiseta dos Bafana Bafana. E nenhuma vuvuzela.
"É a coisa mais idiota já inventada. Minha vontade é atirar em quem toca esse negócio", disse a aposentada Elise Lombaard, para quem Mandela é um "criminoso".
No bar, Heinrich Schmidt, 17, disse que foi ao local ver o empate em 1 a 1 de ontem forçado pela namorada, Estella Boshoff, 15. "Vou ver os outros jogos se tiver tempo", disse ele. Apesar de se dizer interessada em futebol, ela só conhecia o zagueiro Mattew Booth, único branco da equipe sul-africana.
Outro garoto, fã assumido de rúgbi, não sabia nem mesmo o nome do técnico da equipe (Carlos Alberto Parreira). "Só sei que é branco."


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