São Paulo, sexta-feira, 13 de dezembro de 2002

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FUTEBOL

Tudo como era antes

JOSÉ ROBERTO TORERO
COLUNISTA DA FOLHA

O Santos tem um belo esquadrão? Tem. Robinho e Diego são craques? São. Leão é um técnico competente? É.
Esses fatores deveriam ser suficientes para que os torcedores ficassem tranquilos quanto ao desfecho do campeonato no próximo domingo. Mas não são.
O torcedor não é um ser que se contenta com tão pouco. Para se tranquilizar, ele precisa mais do que postulados cartesianos, certezas racionais e raciocínios lógicos. Ele precisa recorrer à magia, ao sobrenatural e à superstição.
Eu mesmo tomei uma decisão um tanto mística a respeito do jogo de domingo. Vou repetir, com minúcia de detalhes, as mesmas coisas que fiz naquele distante 3 de dezembro de 1984, quando o Santos derrotou o Corinthians e conquistou seu último título de expressão (sem, é claro, menosprezar o Torneio Rio-SP, de 1997, e a Conmebol, de 1998).
Lembro que vi o jogo em Santos, pela TV, com um grupo de amigos: Juba, Nereu, Bilau, Milica, Dedeco, Marlene e Pizza. Já fiz contato com todos, e eles concordaram com a minha idéia. Veremos o jogo juntos e faremos as mesmas coisas que fizemos há 18 anos atrás.
Felizmente guardei, sem lavar, a camisa do clube, a calça, as meias e o tênis com que fui ao estádio. Diante do tênis e das meias não espero problemas, mas admito que ficarei um pouco esquisito dentro daquela camisa e daquela calça. É que o jogo foi há 15 kg atrás. Minha barriguinha ficará de fora e a calça apertada poderá gangrenar determinadas regiões. Mas tudo bem, a vida é mesmo feita de pequenos constrangimentos e qualquer sacrifício é válido pelo Santos.
Pior será para os outros.
O pobre Juba tinha aparado o cabelo naquele domingo. Como está careca, terá que cortar as sobrancelhas. Os cabelos se foram, a fé continua. Nereu, hoje diretor de multinacional que ganha meu salário num dia, vai trabalhar de garçom no bar Rabás.
Bilau, que virou investigador de polícia, passará a madrugada fumando uma erva ilegal, tocando violão e cantando "Terra!, Terra!, por mais distante, o errante navegante, quem jamais, te esqueceria...".
Milica era de um grupo de esquerda e passou a madrugada toda panfletando numa porta de fábrica. Virá toda de amarelo e com uma enorme faixa onde está escrito: "Abaixo a ditadura! Diretas-Já!".
Dedeco, Marlene e Pizza também irão. Dedeco tinha se casado na véspera com a Marlene. Passaram a lua-de-mel num hotel da cidade e, no dia seguinte, foram ver a partida em minha casa. Separaram-se três anos depois porque Marlene se apaixonou por Pizza, melhor amigo de Dedeco.
Pois ontem Dedeco ligou para Marlene, explicou a situação e propôs uma segunda lua-de-mel. Por sorte, Pizza, que é ainda mais fanático do que o Dedeco, entendeu o problema e topou a parada. Só Marlene é que está meio confusa e ainda não disse que sim nem que não.
De todo modo, domingo estaremos juntos mais uma vez. As esperanças, as roupas e as bandeiras serão as mesmas. Seremos um bando de quarentões revivendo um dia perdido no passado, um tempo em que éramos jovens, magros, cheios de entusiasmo e cabelos. Será um sacrifício, mas, como disse Fernando Pessoa ao voltar de um jogo do seu Benfica: "Tudo vale a pena quando a taça não é pequena".

Santos americanos
Os leitores Lúcio Nunes e Sylvio Novelli enviaram uma seleção de americanos que atuaram pelo Santos: Cejas (Argentina); Fricsson George (Equador), Ramos Delgado (Argentina), Hugo De León (Uruguai) e Oberdan (Uruguai); Rincón (Colômbia), César Pereyra (Uruguai) e Usuriaga (Colômbia); Carlos Miráglia (Uruguai), Baéz (Paraguai) e Arturo Saens (Uruguai). No banco: Rodolfo Rodrigues (Uruguai), Gálvan (Argentina), Aristizábal (Colômbia) e Armstrong (EUA).
Convite A quem interessar possa, lançarei amanhã, em Santos, no Cinearte Posto 4, a partir das 18h, o livro "Uma história de futebol", romance infanto-juvenil (e, de quebra, para adultos) inspirado no curta-metragem do mesmo nome, que concorreu ao Oscar em 2001 e foi co-roteirizado por este que vos escreve.

E-mail torero@uol.com.br


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