São Paulo, segunda-feira, 14 de junho de 2010

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PASQUALE CIPRO NETO

Sem fronteiras


Vi uma das coisas mais arrepiantes de minha vida esportiva: a entrada de Gana. Ovação total!


NA PRIMEIRA AULA de espanhol do meu curso de letras -já lá se vão anos e anos-, a professora pediu que fizéssemos uma roda. Cada um dos alunos tinha de se apresentar e dizer o motivo pelo qual escolhera espanhol. Ouviu-se uma série de razões ligadas ao mercado de trabalho. Fui o último a falar. Disse que escolhera espanhol porque queria estudar a língua dos irmãos latino-americanos.
Sempre tive essa coisa de achar que somos uma coisa só, que não podemos nem devemos ignorar o passado, os laços históricos, a tradição. Como diz Belchior na genial "A Palo Seco", "Por força do meu destino, um tango argentino me vai bem melhor que um blues".
Como sou ítalo-brasileiro, esse meu sentimento vai da Itália (a Itália de meus pais, a minha Itália, a minha origem) ao Brasil e a tudo que o cerca, o que inclui, é claro, a África, de onde vieram os ancestrais de parte do nosso povo e, sobretudo, de pessoas que me são tão caras.
Aonde quero chegar com o que escrevi até agora? Quero chegar ao que vi e ouvi ontem, em Pretória, onde assisti ao jogo entre Gana e Sérvia. A mais do que esmagadora maioria dos torcedores era pró-Gana, o que me pôs a pensar: terá essa gente toda vindo da distante Gana?
Fui conversar com uma torcedora, que, bandeira de Gana em punho, vestia uma camiseta do país. "Sou de Gana, mas vivo aqui", disse ela. Perguntei se era essa a condição predominante dos demais torcedores. Ela disse que certamente havia no estádio muitos ganeses em situação semelhante, mas não faltavam sul-africanos "travestidos" de ganeses.
Saí da tribuna da imprensa e fui até a lanchonete. Fila imensa e um serviço mais do que sofrível, mas bom para que eu conversasse com muita gente: quase todos sul-africanos, mas "torcedores" de Gana. "O que vale é a África", diziam, orgulhosos.
Voltei para a tribuna e vi uma das coisas mais arrepiantes de minha vida esportiva: a entrada de Gana para o aquecimento. Ovação total! Bandeiras e bandeiras acenadas com muita alegria (e vuvuzelas a mil, é claro!).
No fim da partida, nova emoção, com o ganês Pantsil, ovacionado pelo público, dando a volta olímpica com a bandeira de seu país. Lembrei-me do artigo 15 da Declaração Universal dos Direitos do Homem: "Toda pessoa tem direito a uma nacionalidade". Sim, mas, quando as fronteiras se dissolvem, tudo é mais bonito. É isso.


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