São Paulo, segunda-feira, 14 de junho de 2010

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Doentes pela Copa

Com sua seleção retornando ao Mundial depois de 24 anos, argelinos faltam ao trabalho para assistir ao jogo contra a Eslovênia em telões espalhados pela capital do país

FÁBIO SEIXAS
ENVIADO ESPECIAL A ARGEL

Domingo. Dia de trabalho para os muçulmanos, o início da semana. Mas não num domingo de Copa. Não ontem, na Argélia. Não mesmo.
"Ou as pessoas fizeram algum acordo com os chefes ou ligaram para dizer que estão doentes. Hoje [ontem], o país todo está doente", conta, rindo, Houas Ali, técnico de atletismo, um dos que se deram um dia extra de folga.
Uma "mentirinha". Porque, se não era exatamente uma doença, havia um sintoma nacional: frio na barriga.
Após uma classificação heroica para a Copa, batendo o Egito num jogo-desempate no Sudão, em novembro, os argelinos passaram os últimos meses ansiosos com a estreia no Mundial. Desde 1986 a Argélia não participava da competição.
Na terceira parada da série "Um Mundo que Torce", a Folha acompanhou ontem Argélia x Eslovênia em Argel. Uma cidade que pulsava nervosismo desde cedo. Tudo o que envolvia a Copa era tenso, trazia um quê de ritual, de preparação especial.
Movimento encampado pelos próprios jogadores: na África do Sul, Ghezzal, Ziani e Bougherra cortaram ou pintaram os cabelos. Em Argel, o "El Khabar Sports" estampava a manchete "Tragam-nos a Copa".
O trânsito normalmente caótico de um domingo deu lugar à tranquilidade. Num país que se orgulha de ser o recordista mundial de antenas parabólicas, a grande preocupação dos torcedores era captar o sinal da Al Jazeera. Ou chupar a transmissão da francesa TF1, com conversores piratas vendidos livremente nas ruas por 1.000 dinares, cerca de R$ 23,50.
Quem não conseguiu, ou não teve tempo de chegar em casa após escapar do trabalho, recorreu aos telões.
O mais concorrido, diante do Santuário dos Mártires da Revolução, uma ampla praça no alto da cidade.
Os torcedores foram chegando aos poucos. Alguns carregavam as pastas do trabalho, outros levavam o almoço que teoricamente seria consumido no escritório. Enquanto a partida não começava, um grupo de quatro adolescentes devorava uma pizza, em pé, conversando.
O jogo começou, e veio o silêncio. Nada de cornetas, gritos ou xingamentos.
Na praça, os argelinos assistiram à partida calados.
Só se escutava a narração que vinha dos alto-falantes. Uma vez ou outra, aplausos.
A seleção não ajudou, é fato. O jogo foi truncado, e a maior animação aconteceu no intervalo, quando o sistema de som tocou "One, two, three, Viva l'Algerie", espécie de hino informal, música de incentivo à seleção.
No segundo tempo, aplausos e risos quando apareceram cenas de um argelino pendurado numa torre de iluminação do estádio de Polokwane. Momento de descontração que durou pouco.
Logo, a tensão voltou.
E, quando os argelinos começavam a se animar com a possibilidade do empate, que colocaria a cidade em festa, o esloveno Koren arriscou um chute fraco, e o goleiro Chaouchi frangou.
A desolação tomou conta de Argel. Os torcedores entregaram os pontos e começaram a ir embora da praça.
Assim que a partida acabou, o DJ ainda fez uma última tentativa, colocou novamente para tocar o "One, two, three...". Não adiantou nada, já não havia clima para festa. A ficha havia caído.


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