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Doentes pela Copa
Com sua seleção retornando ao Mundial depois de 24 anos, argelinos faltam ao trabalho para assistir ao jogo contra a Eslovênia em telões espalhados pela capital do país
FÁBIO SEIXAS
ENVIADO ESPECIAL A ARGEL
Domingo. Dia de trabalho
para os muçulmanos, o início da semana. Mas não num
domingo de Copa. Não ontem, na Argélia. Não mesmo.
"Ou as pessoas fizeram algum acordo com os chefes ou
ligaram para dizer que estão
doentes. Hoje [ontem], o país
todo está doente", conta, rindo, Houas Ali, técnico de
atletismo, um dos que se deram um dia extra de folga.
Uma "mentirinha". Porque, se não era exatamente
uma doença, havia um sintoma nacional: frio na barriga.
Após uma classificação
heroica para a Copa, batendo
o Egito num jogo-desempate
no Sudão, em novembro, os
argelinos passaram os últimos meses ansiosos com a
estreia no Mundial. Desde
1986 a Argélia não participava da competição.
Na terceira parada da série
"Um Mundo que Torce", a
Folha acompanhou ontem
Argélia x Eslovênia em Argel. Uma cidade que pulsava
nervosismo desde cedo. Tudo o que envolvia a Copa era
tenso, trazia um quê de ritual, de preparação especial.
Movimento encampado
pelos próprios jogadores: na
África do Sul, Ghezzal, Ziani
e Bougherra cortaram ou
pintaram os cabelos. Em Argel, o "El Khabar Sports" estampava a manchete "Tragam-nos a Copa".
O trânsito normalmente
caótico de um domingo deu
lugar à tranquilidade. Num
país que se orgulha de ser o
recordista mundial de antenas parabólicas, a grande
preocupação dos torcedores
era captar o sinal da Al Jazeera. Ou chupar a transmissão
da francesa TF1, com conversores piratas vendidos livremente nas ruas por 1.000 dinares, cerca de R$ 23,50.
Quem não conseguiu, ou
não teve tempo de chegar em
casa após escapar do trabalho, recorreu aos telões.
O mais concorrido, diante
do Santuário dos Mártires da
Revolução, uma ampla praça no alto da cidade.
Os torcedores foram chegando aos poucos. Alguns
carregavam as pastas do trabalho, outros levavam o almoço que teoricamente seria
consumido no escritório. Enquanto a partida não começava, um grupo de quatro
adolescentes devorava uma
pizza, em pé, conversando.
O jogo começou, e veio o
silêncio. Nada de cornetas,
gritos ou xingamentos.
Na praça, os argelinos assistiram à partida calados.
Só se escutava a narração
que vinha dos alto-falantes.
Uma vez ou outra, aplausos.
A seleção não ajudou, é fato. O jogo foi truncado, e a
maior animação aconteceu
no intervalo, quando o sistema de som tocou "One, two,
three, Viva l'Algerie", espécie de hino informal, música
de incentivo à seleção.
No segundo tempo, aplausos e risos quando apareceram cenas de um argelino
pendurado numa torre de
iluminação do estádio de Polokwane. Momento de descontração que durou pouco.
Logo, a tensão voltou.
E, quando os argelinos começavam a se animar com a
possibilidade do empate,
que colocaria a cidade em
festa, o esloveno Koren arriscou um chute fraco, e o goleiro Chaouchi frangou.
A desolação tomou conta
de Argel. Os torcedores entregaram os pontos e começaram a ir embora da praça.
Assim que a partida acabou, o DJ ainda fez uma última tentativa, colocou novamente para tocar o "One,
two, three...". Não adiantou
nada, já não havia clima para
festa. A ficha havia caído.
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