São Paulo, sábado, 14 de julho de 2007

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JOSÉ GERALDO COUTO

A "deserção" de Alex


Ao recusar uma proposta tentadora do Borussia, o craque deu uma banana para a lógica do mercado


MUITO SE discutiu sobre a deserção de Kaká e Ronaldinho da seleção que amanhã disputa a final da Copa América contra a Argentina. Uns defenderam o direito dos atletas a férias, outros criticaram sua suposta falta de comprometimento com o país.
No fundo do debate, está o significado da seleção para o imaginário nacional. No futebol globalizado de hoje, ainda faz sentido falar em "pátria de chuteiras"? Se, antes, a ambição máxima de um futebolista brasileiro era vestir a camisa amarela, hoje ela é vista como mero cartão de visitas para se ir aos grandes clubes europeus, a nova meca do futebol.
O tema não se esgotará tão cedo. Proponho, nem que seja só por um momento, uma mudança de foco. Em vez de pensar na relação do jogador com a "pátria" -abstração sentimental e perigosa-, talvez seja o caso de atentar para sua relação com o próprio ofício de jogar futebol.
Uma discreta notinha no blog de André Rizek lança uma luz interessante sobre a questão. Alex, do Fenerbahce, recebeu uma proposta do Borussia Dortmund, onde ganharia bem mais do que ganha na Turquia. Antes de assinar o contrato, porém, pediu para conversar com aquele que seria seu novo treinador, Thomas Doll. Na conversa, Alex soube que não teria lugar no esquema do técnico e, portanto, ficaria no banco.
"Então, não, obrigado, prefiro continuar na Turquia", foi a resposta do craque. O caráter de um homem, seu estofo moral, define-se também pelas suas negativas. ("Dizer não/tantas vezes/até formar um sim", diz o poema de Alice Ruiz.) O que me incomoda na atitude da maioria dos jogadores de hoje não é sua suposta falta de patriotismo ou de "amor à camisa", mas sim de imaginação e independência de espírito.
Todos -ou quase- aceitam sem pestanejar qualquer proposta que signifique aumento salarial, mesmo que isso redunde em perdas irreparáveis em outros aspectos. Com base nesse pensamento hegemônico, a atitude de Alex será talvez ridicularizada. Seu agente, se ele tem algum, deve estar arrancando os cabelos.
A carreira futebolística profissional é hoje como um funil cuja extremidade mais estreita são as ligas dos países ricos europeus. Não é exclusividade do futebol. Em todos os campos da vida, parece que estamos condenados a obedecer a essa força centrípeta do dinheiro, como o cavalo que anda em direção à cenoura eternamente dois palmos à sua frente.
Ou não. Alex optou por ficar do lado de fora do funil. Em troca de quê? De jogar futebol. Pouco importa que Dunga e a CBF o ignorem, que no Brasil ninguém mais lembre o seu nome. Em algum lugar, ele segue fazendo aquilo que sabe fazer.

Clássico
O Brasil chegou à final aos trancos e barrancos. A Argentina, com 100% de aproveitamento, mostrou um futebol muito mais consistente e vistoso. E daí? O jogo de amanhã não tem favorito. O Brasil, mesmo representado por um elenco de segunda linha, mal escalado e mal treinado, sempre será um rival difícil para qualquer equipe. Contra a Argentina, seu futebol costuma se agigantar. A vitória de um ou outro lado não será a "prova definitiva" de nada, só o resultado de um confronto entre dois grandes.

jgcouto@uol.com.br


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