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Cultura pan-americana
A despeito da concorrência norte-americana, ícones latinos ultrapassam as fronteiras nacionais e
viram referências pop do continente, de Che Guevara a Chapolin
ANTÔNIO GOIS
LUIZ FERNANDO VIANNA
DA SUCURSAL DO RIO
Em Cuba, não há quem não
se lembre da brasileira "Escrava Isaura". No Brasil, o mexicano Chaves é tão popular que,
ainda hoje, suas reprises são
transmitidas. Nos EUA, a colombiana "Betty, a Feia", traduzida como "Ugly Betty", é um
sucesso. Na Argentina, os Paralamas do Sucesso têm tanto
prestígio quanto aqui.
Apesar da concorrência dos
americanos, donos da maior indústria cultural do planeta, esses são exemplos de artistas e
produções da cultura de massa
que ultrapassaram fronteiras
nacionais e se tornaram ícones
pop latino-americanos -ao lado de Che Guevara, Hugo Chávez e outros. Se houvesse um
almanaque cultural do Pan,
eles seriam destaques.
Para Regina de Assis, presidente da Empresa Municipal
de Multimeios da Prefeitura do
Rio e organizadora do seminário Mídia América, que será em
outubro, quase todas as produções que fizeram sucesso na
América Latina exploraram valores comuns na região.
"O "Chaves", as "Chiquititas"
ou "Betty, a Feia" lidam com a
essência daquilo que podemos
chamar de identidade pan-americana. São histórias que
falam da pobreza, da superação
da feiúra, da solidariedade. Em
qualquer bairro pobre do Rio,
de São Paulo ou de outras cidades latino-americanas, encontraremos quem se identifique."
A jornalista Cristiane Costa,
autora do livro "Eu Compro Essa Mulher", sobre telenovelas
brasileiras e mexicanas, lembra
que, mesmo com toda a superprodução da Globo, a base melodramática de suas tramas é a
mesma das da Televisa.
"Se não é o tema principal, a
história da moça pobre que
precisa aprender os códigos para ser aceita pelo núcleo rico,
onde circula seu amado, está
sempre presente. É o caso, por
exemplo, das aulas de "catiguria" por que vem passando a Bebel em "Paraíso Tropical"."
O jornalista Luís Joly, que escreveu com Fernando Thüler
dois livros sobre os mexicanos
"Chaves" e "Chapolin", afirma
que esse é um "humor atemporal e universal". "Ele retrata o
que vemos em toda a América
Latina. A história de um garoto
que vive sempre com fome e
mora numa vila pobre."
Regina de Assis diz que, no
que se refere às produções voltadas para o público infantil,
ainda há muito a avançar.
"A figura do Chaves é muito
engraçada, mas é só. Nossa
identidade latino-americana
será tão mais rica se nossas
crianças tiverem acesso a mais
e melhores produtos", afirma.
Talvez a educadora não esteja falando de Xuxa e "Chiquititas", mas são dois casos de sucesso. A brasileira conseguiu
levar seu programa para a Argentina, enquanto a história
das órfãs fez o caminho inverso.
"Havia na época um apelo sexual grande. A série recuperava
valores como esperança e amizade, falava a linguagem das
crianças de qualquer país", diz
Flávia Monteiro, estrela da versão nacional de "Chiquititas".
Afonso Nigro integrou por
oito anos o Dominó, a primeira
e bem-sucedida versão brasileira do Menudo, grupo porto-riquenho. "O Menudo já era uma
versão do Jackson 5 [onde Michael Jackson começou]. Sempre haverá espaço para grupos
como esses. Houve a geração do
New Kids on the Block, a do
N'Sync e agora tem a do High
School Musical. Se eu tivesse
uma filha de dez anos, acharia
mais fácil para ela ouvir músicas assim do que as do Caetano
[Veloso]", acredita Nigro, 36.
Em 1986, os Paralamas do
Sucesso foram pela primeira
vez à Argentina. No próximo
mês, vão de novo. Nesses 21
anos, o trio se tornou "a melhor
banda argentina de música brasileira" -como o baterista João
Barone diz ter ouvido várias vezes- e ajudou a trazer músicos
vizinhos para cá, como Fito
Páez e Charly García, popstars
em seus países que não chegaram a repetir o feito aqui.
"Tenho orgulho do intercâmbio que a gente fez, mas é mais
difícil atingir um grande público no Brasil do que na Argentina, que é menor", diz Barone.
Para Nana Caymmi, a grande
música da América Latina é o
bolero -afinal, o país do samba
é o único de língua portuguesa
no continente. Ela gravou dois
CDs dedicados ao gênero romântico, que ama de Agustín
Lara a Armando Manzanero,
passando por Lucho Gatica.
Das canções políticas dos anos
60 e 70, nunca foi fã. "Sempre
achei meio falso a [argentina]
Mercedes Sosa falando em "mi
pueblito" e morando em Paris.
Ela era muito Louis Vuitton para o "pueblito'", ironiza Nana.
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