São Paulo, domingo, 15 de julho de 2007

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Cultura pan-americana

A despeito da concorrência norte-americana, ícones latinos ultrapassam as fronteiras nacionais e viram referências pop do continente, de Che Guevara a Chapolin

ANTÔNIO GOIS
LUIZ FERNANDO VIANNA
DA SUCURSAL DO RIO

Em Cuba, não há quem não se lembre da brasileira "Escrava Isaura". No Brasil, o mexicano Chaves é tão popular que, ainda hoje, suas reprises são transmitidas. Nos EUA, a colombiana "Betty, a Feia", traduzida como "Ugly Betty", é um sucesso. Na Argentina, os Paralamas do Sucesso têm tanto prestígio quanto aqui.
Apesar da concorrência dos americanos, donos da maior indústria cultural do planeta, esses são exemplos de artistas e produções da cultura de massa que ultrapassaram fronteiras nacionais e se tornaram ícones pop latino-americanos -ao lado de Che Guevara, Hugo Chávez e outros. Se houvesse um almanaque cultural do Pan, eles seriam destaques.
Para Regina de Assis, presidente da Empresa Municipal de Multimeios da Prefeitura do Rio e organizadora do seminário Mídia América, que será em outubro, quase todas as produções que fizeram sucesso na América Latina exploraram valores comuns na região.
"O "Chaves", as "Chiquititas" ou "Betty, a Feia" lidam com a essência daquilo que podemos chamar de identidade pan-americana. São histórias que falam da pobreza, da superação da feiúra, da solidariedade. Em qualquer bairro pobre do Rio, de São Paulo ou de outras cidades latino-americanas, encontraremos quem se identifique."
A jornalista Cristiane Costa, autora do livro "Eu Compro Essa Mulher", sobre telenovelas brasileiras e mexicanas, lembra que, mesmo com toda a superprodução da Globo, a base melodramática de suas tramas é a mesma das da Televisa.
"Se não é o tema principal, a história da moça pobre que precisa aprender os códigos para ser aceita pelo núcleo rico, onde circula seu amado, está sempre presente. É o caso, por exemplo, das aulas de "catiguria" por que vem passando a Bebel em "Paraíso Tropical"."
O jornalista Luís Joly, que escreveu com Fernando Thüler dois livros sobre os mexicanos "Chaves" e "Chapolin", afirma que esse é um "humor atemporal e universal". "Ele retrata o que vemos em toda a América Latina. A história de um garoto que vive sempre com fome e mora numa vila pobre."
Regina de Assis diz que, no que se refere às produções voltadas para o público infantil, ainda há muito a avançar.
"A figura do Chaves é muito engraçada, mas é só. Nossa identidade latino-americana será tão mais rica se nossas crianças tiverem acesso a mais e melhores produtos", afirma.
Talvez a educadora não esteja falando de Xuxa e "Chiquititas", mas são dois casos de sucesso. A brasileira conseguiu levar seu programa para a Argentina, enquanto a história das órfãs fez o caminho inverso. "Havia na época um apelo sexual grande. A série recuperava valores como esperança e amizade, falava a linguagem das crianças de qualquer país", diz Flávia Monteiro, estrela da versão nacional de "Chiquititas".
Afonso Nigro integrou por oito anos o Dominó, a primeira e bem-sucedida versão brasileira do Menudo, grupo porto-riquenho. "O Menudo já era uma versão do Jackson 5 [onde Michael Jackson começou]. Sempre haverá espaço para grupos como esses. Houve a geração do New Kids on the Block, a do N'Sync e agora tem a do High School Musical. Se eu tivesse uma filha de dez anos, acharia mais fácil para ela ouvir músicas assim do que as do Caetano [Veloso]", acredita Nigro, 36.
Em 1986, os Paralamas do Sucesso foram pela primeira vez à Argentina. No próximo mês, vão de novo. Nesses 21 anos, o trio se tornou "a melhor banda argentina de música brasileira" -como o baterista João Barone diz ter ouvido várias vezes- e ajudou a trazer músicos vizinhos para cá, como Fito Páez e Charly García, popstars em seus países que não chegaram a repetir o feito aqui.
"Tenho orgulho do intercâmbio que a gente fez, mas é mais difícil atingir um grande público no Brasil do que na Argentina, que é menor", diz Barone.
Para Nana Caymmi, a grande música da América Latina é o bolero -afinal, o país do samba é o único de língua portuguesa no continente. Ela gravou dois CDs dedicados ao gênero romântico, que ama de Agustín Lara a Armando Manzanero, passando por Lucho Gatica. Das canções políticas dos anos 60 e 70, nunca foi fã. "Sempre achei meio falso a [argentina] Mercedes Sosa falando em "mi pueblito" e morando em Paris. Ela era muito Louis Vuitton para o "pueblito'", ironiza Nana.


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