São Paulo, domingo, 15 de julho de 2007

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MAC MARGOLIS

ESPECIAL PARA A FOLHA

Entre o Cristo e o Congo

Ninguém protestaria se chamassem o Rio de Paris tropical, como rezava a moda no início do século passado

E NÃO É QUE , apesar de todo o esquema de segurança, o Pan já sofreu sua primeira baixa? Antes mesmo do primeiro apito, um integrante do comitê olímpico americano foi vítima do seu próprio petardo. A despedida do engraçadinho foi comemorada por um coro de rara unanimidade nacional: "O Congo não é aqui!" Placar: justiça 1, preconceito, 0.
Ou será? Por mais que as boas maneiras relutem, o preconceito e a prepotência acabam sempre escapulindo. Às vezes, mesmo em forma de elogio. Assim, ao rechaçar um deboche, a cólera nacional lançou mão de outro. Como disse uma colega, ninguém protestaria se chamassem o Rio de Paris tropical, como rezava a moda no início do século passado. Mas Congo? Essa não! O Brasil não merece.
Está certo. Rio não é mesmo Brazzaville, como também não há dúvida de que a piada era mal intencionada. Mas por que tanto alarde -foto e chamada na capa do jornal "O Globo", bombardeio de cartas, enquete pela internet- com a opinião alheia? Certo, ninguém gosta da patada de estranhos. Mas não é toda crítica que consegue provocar indigestão coletiva. Qual órgão vital brasileiro o gringo do Pan atingiu? Tamanha indignação parece trair uma insegurança visceral. Vamos chamá-lo do nervo congolês, a parte mais delicada da alma nacional que, ao tocá-la, irradia dúvidas existenciais.
Ao que parece, o Brasil ora se ufana das suas raízes africanas, ora se horroriza. É o mesmo país que fica embevecido com um elogio estrangeiro (do primeiro mundo, é bom dizer), indignado com a sua desaprovação e desolado com a indiferença. Se algum fato da vida brasileira "deu" ou não no "New York Times" continua sendo um evento nacional. O país inteiro vibrou com a eleição do maior ícone carioca, o Cristo Redentor, ao rol das novas sete maravilhas do mundo. Ai de quem teima em lembrar que o Rio também é a cidade do caveirão.
No Rio, a síndrome não é nova. Os governos estaduais da dupla Anthony Garotinho e Rosinha Matheus jamais se entenderam com o do prefeito Cesar Maia. Bastou uma matéria do contundente "The Independent" sobre a violência carioca para que as duas esferas entrassem em santa harmonia para denunciar o libelo forasteiro. "Conheço várias pessoas que foram assaltadas em Paris", o secretário estadual de segurança me devolveu numa entrevista à época. Não se assistia a tamanho zelo desde que os guardiões do Estado se elevaram contra outra ameaça ao bom nome nacional -Os Simpsons, desenho animado que ousou gozar da cidade maravilhosa. Talvez o Congo não fique mesmo tão longe daqui.


MAC MARGOLIS , 52, é correspondente da revista norte-americana "Newsweek" e vive no Rio há 24 anos


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