São Paulo, quarta-feira, 15 de agosto de 2007

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TOSTÃO

Chato, moderno e científico

Os gols por meio de dribles, tabelas e passes curtos, no futuro, vão virar lendas ou imagens de museu

NOS CAMPEONATOS Brasileiros anteriores por pontos corridos, todos diziam que para um time ser campeão era necessário arriscar, jogar no ataque, já que a vitória vale três pontos. O São Paulo desmistificou esse conceito. A estratégia principal do time tem sido reforçar a marcação, não correr riscos, não levar gols e fazer pelo menos um, principalmente nas bolas paradas.
A cada ano aumenta o número de gols em bolas paradas. Os técnicos só pensam nisso. Já existem até teses de mestrado para saber as melhores posições na área dos jogadores, para fazer gol e para evitá-los. É a versão moderna e científica do chuveirinho ou dos pequenos gols, como eram chamados na Inglaterra. A bola é lançada na área, um jogador cabeceia para o gol ou ocorre um bololô na zona do agrião. Alguém aproveita o rebote e toca a bola para as redes. Em vez de pequeno gol, deveria ser chamado de gol feio.
Hoje, todo bom time tem um ótimo cruzador e excelentes cabeceadores. No São Paulo, 41% de seus gols no Brasileirão saíram de bolas paradas. A equipe paulista tem o melhor cruzador do campeonato, Jorge Wagner, e possui vários grandalhões bons na jogada aérea. Bons cruzadores e cabeceadores são hoje mais valorizados e procurados pelos treinadores do que os meias habilidosos e criativos. O camisa 10 já era. A melhor maneira de bater um escanteio é cruzar forte, de curva, com a bola indo em grande velocidade, sem subir muito, saindo do goleiro e caindo na entrada da pequena área.
O goleiro acredita que dá para pegar e acaba ficando no meio do caminho. Enquanto o zagueiro está parado, o cabeceador vem de trás, toma impulso e cabeceia a bola de frente. Nesses lances, há mais méritos do ataque do que deficiências da defesa e do goleiro. No passado, falavam muito no confronto entre os baixinhos brasileiros e os grandalhões da Europa. Não há mais essa diferença. Os nossos jogadores estão cada vez mais altos, mesmo os meias e os atacantes.
Os baixinhos são reprovados nas peneiras das categorias de base dos clubes. Romário foi o último genial e grande atacante baixinho. Os europeus copiaram a habilidade e a improvisação do futebol brasileiro, e nós importamos a marcação, a disciplina tática e a eficiência no jogo aéreo. É a globalização do futebol. Pouco se cria, quase tudo se copia. Os brasileiros são hoje até melhores do que os europeus no jogo aéreo, pois sabem muito melhor dar uma curva na bola. Isso foi um avanço no nosso futebol. Por outro lado, diminuiu, progressivamente, o número de gols por meio de dribles, tabelas e passes curtos. Uma coisa não é incompatível com a outra.
No futuro, esses gols por meio de dribles e tabelas vão virar lendas ou imagens de museu. Vão mudar até a regra do futebol para alguns jogadores entrarem e saírem várias vezes de uma partida somente para cobrar escanteios e bater faltas, como no futebol americano. O futebol vai ficar ainda mais previsível, programado, chato, moderno e científico.

tostao.folha@uol.com.br


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