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FUTEBOL
Dez anos nesta tarde
MÁRIO MAGALHÃES
COLUNISTA DA FOLHA
Quando cheguei da Copa de
94, meu pai me esperava
com um presente: duas fitas de vídeo. A primeira, com a gravação
do tempo regulamentar da final.
A segunda, com a prorrogação e
os pênaltis. De lá para cá, morei
em três bairros, fiz duas mudanças e empenhei-me em arrumações sem fim que serviram como
senha para novas desordens.
Nunca assisti na TV ao épico que
testemunhei no Rose Bowl.
Nesta semana, deu-se a coincidência: deparei-me com as fitas
que não vi, mas das quais não me
desfiz. Com o tempo escasso, planejei: assistiria à primeira parte
de Brasil e Itália, acompanharia
ao vivo Brasil e Paraguai pela Copa América, voltaria à segunda
etapa e tudo o que a sucedeu em
Pasadena.
Coloquei a fita no aparelho. Nada. Apenas voz, com imagens irreconhecíveis. Procurei o botão de
ajuste e constatei o que já sabia: o
vídeo é mesmo das antigas. Mexi
aqui e ali, sem sucesso. Dei de ombros: talvez seja melhor assim.
Guardei as fitas nas caixas e joguei-as no lixo. Aquela decisão
vai ficar para sempre como a memória a conserva desde 17 de julho de 1994, dez anos amanhã.
Lembro o que eram 24 anos e
cinco Mundiais sem alcançar a final. Lembro-me da queda frente
à Laranja Mecânica em 74, dos
campeões morais de 78, da sedução do Telê e seus gênios em 82,
da decadência daquela geração
em 86 e do vexame de 90. Lembro
as fotos de gente chorando nos
jornais, a tristeza renovada a cada quatro anos.
Lembro como o Parreira insistiu em um único volante, até ceder aos dois nas eliminatórias e
aos três nos EUA. Lembro como
foi bom transformar a "Era Dunga" de síntese do fracasso em emblema do triunfo.
Lembro o ano anterior: o Romário foi "reabilitado" e, já no
primeiro treino, encantou ao lado
do Bebeto. Uma dupla como essa
não merece estar fora da Copa,
pensei lá na Granja Comary.
Lembro-me do susto quando o
Jorginho se machucou e deu lugar
ao Cafu. Lembro que o Baresi foi
o melhor em campo. Lembro que
pulei ao ver o Baggio chutar para
os céus e que disparei para um
buraco do estádio onde o Parreira
faria sua declaração. Lembro
que, enquanto ele não aparecia, o
telão mostrou os campeões com a
faixa: "Senna, aceleramos juntos.
O tetra é nosso".
Lembro que o Parreira não falou nem dois minutos, mas continuou a conversar até subir no
ônibus. Provoquei: não iria reagir
àqueles que tanto o torpedearam?
"Não digo nada", respondeu. Insisti, e ele negou fogo. Dispensou o
acerto de contas, numa das mais
generosas atitudes que o futebol
brasileiro conheceu. Ao ver minha surpresa, disse que era o seu
jeito: "Como diria o Frank Sinatra, it"s my way".
Lembro que corri, com uma
saúde que ficou no passado, por
escadas que não terminavam. Escrevi o texto às pressas e fraquejei
diante da tentação do título aliterado. Cometi: "Parreira cita Sinatra no tetra". Era de tarde, e o sol
ainda brilhava. Disso eu me lembro muito bem.
Muito barulho?
Os 11 titulares da seleção não
estão na Copa América. O principal candidato a ganhar uma
vaga no time principal, Edu,
por enquanto não mostrou virtudes para substituir Zé Roberto no esquema de Parreira e Zagallo. A falta de conjunto era
previsível. De ruim, a destacar:
Mancini e Gustavo Nery, como
laterais, não repetem seus desempenhos nos clubes. Cris repete más atuações. De bom, de
trás para a frente: a segurança
de Júlio César, a evolução de
Juan e a confirmação de Alex
(superando sua ciclotimia na
seleção). O emprego de dois
centroavantes confirma ser
apenas alternativa de emergência à fórmula de um atacante fixo e outro mais solto. Com todos os problemas, a Copa América é um torneio bacana.
E-mail
mario.magalhaes@uol.com.br
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