São Paulo, sexta-feira, 16 de julho de 2004

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FUTEBOL

Dez anos nesta tarde

MÁRIO MAGALHÃES
COLUNISTA DA FOLHA

Quando cheguei da Copa de 94, meu pai me esperava com um presente: duas fitas de vídeo. A primeira, com a gravação do tempo regulamentar da final. A segunda, com a prorrogação e os pênaltis. De lá para cá, morei em três bairros, fiz duas mudanças e empenhei-me em arrumações sem fim que serviram como senha para novas desordens. Nunca assisti na TV ao épico que testemunhei no Rose Bowl.
Nesta semana, deu-se a coincidência: deparei-me com as fitas que não vi, mas das quais não me desfiz. Com o tempo escasso, planejei: assistiria à primeira parte de Brasil e Itália, acompanharia ao vivo Brasil e Paraguai pela Copa América, voltaria à segunda etapa e tudo o que a sucedeu em Pasadena.
Coloquei a fita no aparelho. Nada. Apenas voz, com imagens irreconhecíveis. Procurei o botão de ajuste e constatei o que já sabia: o vídeo é mesmo das antigas. Mexi aqui e ali, sem sucesso. Dei de ombros: talvez seja melhor assim. Guardei as fitas nas caixas e joguei-as no lixo. Aquela decisão vai ficar para sempre como a memória a conserva desde 17 de julho de 1994, dez anos amanhã.
Lembro o que eram 24 anos e cinco Mundiais sem alcançar a final. Lembro-me da queda frente à Laranja Mecânica em 74, dos campeões morais de 78, da sedução do Telê e seus gênios em 82, da decadência daquela geração em 86 e do vexame de 90. Lembro as fotos de gente chorando nos jornais, a tristeza renovada a cada quatro anos.
Lembro como o Parreira insistiu em um único volante, até ceder aos dois nas eliminatórias e aos três nos EUA. Lembro como foi bom transformar a "Era Dunga" de síntese do fracasso em emblema do triunfo.
Lembro o ano anterior: o Romário foi "reabilitado" e, já no primeiro treino, encantou ao lado do Bebeto. Uma dupla como essa não merece estar fora da Copa, pensei lá na Granja Comary.
Lembro-me do susto quando o Jorginho se machucou e deu lugar ao Cafu. Lembro que o Baresi foi o melhor em campo. Lembro que pulei ao ver o Baggio chutar para os céus e que disparei para um buraco do estádio onde o Parreira faria sua declaração. Lembro que, enquanto ele não aparecia, o telão mostrou os campeões com a faixa: "Senna, aceleramos juntos. O tetra é nosso".
Lembro que o Parreira não falou nem dois minutos, mas continuou a conversar até subir no ônibus. Provoquei: não iria reagir àqueles que tanto o torpedearam? "Não digo nada", respondeu. Insisti, e ele negou fogo. Dispensou o acerto de contas, numa das mais generosas atitudes que o futebol brasileiro conheceu. Ao ver minha surpresa, disse que era o seu jeito: "Como diria o Frank Sinatra, it"s my way".
Lembro que corri, com uma saúde que ficou no passado, por escadas que não terminavam. Escrevi o texto às pressas e fraquejei diante da tentação do título aliterado. Cometi: "Parreira cita Sinatra no tetra". Era de tarde, e o sol ainda brilhava. Disso eu me lembro muito bem.

Muito barulho?
Os 11 titulares da seleção não estão na Copa América. O principal candidato a ganhar uma vaga no time principal, Edu, por enquanto não mostrou virtudes para substituir Zé Roberto no esquema de Parreira e Zagallo. A falta de conjunto era previsível. De ruim, a destacar: Mancini e Gustavo Nery, como laterais, não repetem seus desempenhos nos clubes. Cris repete más atuações. De bom, de trás para a frente: a segurança de Júlio César, a evolução de Juan e a confirmação de Alex (superando sua ciclotimia na seleção). O emprego de dois centroavantes confirma ser apenas alternativa de emergência à fórmula de um atacante fixo e outro mais solto. Com todos os problemas, a Copa América é um torneio bacana.

E-mail mario.magalhaes@uol.com.br


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