São Paulo, domingo, 16 de novembro de 1997.



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TÊNIS
Brasileiro faz balanço positivo, mas reconhece que precisa melhorar 'tudo' para continuar no topo do ranking
Kuerten vê sorte em ano de sucesso

FÁBIO ZANINI
em Balneário Camboriú (SC)

Gustavo Kuerten, 21, reconhece que precisa amadurecer e melhorar sua forma de jogar para chegar às primeiras posições do ranking.
"Ainda não tenho condições de ficar entre os primeiros. Preciso jogar mais, amadurecer, ter mais controle dos nervos", disse, em entrevista à Agência Folha. Sua meta é terminar o próximo ano entre os 20 primeiros do mundo.
Kuerten teve uma temporada cheia de altos e baixos. No primeiro semestre, surpreendeu ao conquistar o Aberto da França. Nos meses seguintes, acumulou derrotas que decepcionaram os fãs repentinos que fez no Brasil.
Agora, o tenista faz um balanço positivo do ano. Considera que teve bastante sorte, principalmente ao ganhar o Aberto da França, que o projetou para o alto do ranking.

Agência Folha - Você começou o ano desconhecido, tornou-se ídolo e chegou ao final acumulando derrotas. Que avaliação faz de 1997?
Gustavo Kuerten -
Foi excelente. Comecei entre os 80 do mundo e acabei em 14º. Era uma coisa que esperava alcançar, mas não sabia se ia conseguir. Terminar entre os 50 já estaria ótimo, mas cheguei até a estar entre os 10.
Agência Folha - Você ganhou de jogadores no topo do ranking, mas perdeu de outros bem abaixo de sua posição. Como explica?
Kuerten -
É normal. Hoje, todo mundo joga bem. Esse negócio de ranking engana. O nível dos jogadores é praticamente o mesmo. Às vezes, alguém que está em 100º, jogando em um dia bom, supera alguém que está entre os 20.
Agência Folha - Por que não deu para ganhar nenhum torneio depois do Aberto da França?
Kuerten -
Fui jogar em carpete, que, para mim, é difícil.
Tinha que jogar com os melhores caras nesse piso, em que eu nunca havia jogado. Os caras estavam vários passos na minha frente.
Mas foi importante; eu tinha que jogar lá para não acontecer o mesmo quando chegar 1998.
Agência Folha - Por que tanta dificuldade para jogar no carpete?
Kuerten -
Porque a bola pinga bem baixinho e desliza mais. O jogo fica muito rápido. E eu nunca tinha disputado jogos nesse piso, só alguns quando era juvenil.
Na grama, por exemplo, praticamente nunca tinha jogado antes de Wimbledon.
Agência Folha - Você acha que já deu para melhorar nesses pisos?
Kuerten -
Sem dúvida, pelo fato de ter jogado contra os melhores do mundo. Neste ano, enfrentei torneios em que havia no mínimo três, quatro "top ten".
Treinar é importante, mas você aprende é nos campeonatos.
Agência Folha - A dificuldade de jogar em piso rápido é comum aos tenistas brasileiros. Por quê?
Kuerten -
Vai da tradição do país. Os espanhóis, por exemplo, gostam do saibro e têm vários tenistas entre os dez do mundo. Para eles, não é defeito, é qualidade.
Claro que quem joga bem no saibro vai ganhar mais no saibro. O problema é que todos querem que eu ganhe tanto torneios em quadra dura como em saibro. Não dá.
Agência Folha - Dizem que sua vitória em Roland Garros deveu-se muito à sorte, pelo fato de vários cabeças-de-chave terem caído nas primeiras rodadas. O que acha?
Kuerten -
É claro que tive sorte. Para ganhar o Grand Slam, hoje, se não tiver sorte, é difícil. O (número um do mundo, Pete) Sampras e o (número dois, Michael) Chang, que já foi campeão, perderam no começo, e isso ajudou.
Sorte é sempre bem-vinda. Na semifinal, não peguei cabeça-de-chave, pois já tinham perdido. E, não fosse essa vitória na França, eu teria chegado, no máximo, a 35º, 40º do mundo.
Agência Folha - Como você encara as cobranças da torcida e as críticas da imprensa?
Kuerten -
É normal. A torcida não gosta de ver a gente perdendo e reclama após uma derrota. Mas não dá para ganhar sempre.
Para avaliar se o resultado é bom ou não, o que conta é a minha opinião, a do Larri (Passos, o treinador), das pessoas que acompanham o dia-a-dia do tênis.
Um cara que não entende muito de tênis tem a opinião dele, respeito. Mas muitos que me criticam nunca tinham ouvido falar de tênis, não sabiam nem quem eram os atletas antes de Roland Garros.
Agência Folha - Isso incomoda?
Kuerten -
É melhor não ligar. Se achar que poderia ter ganho um jogo, vou ficar irritado. Eu joguei minha vida toda sem ninguém olhando, só minha mãe e meu irmão (risos).
O que interessa são as pessoas que sempre me acompanharam. Sei que vão continuar ao meu lado.
Agência Folha - Chegaram a comparar você a Ayrton Senna...
Kuerten -
Quem faz os ídolos são os torcedores. Não me importo com isso. Se estão tendo um carinho grande por mim, tudo bem.
Agência Folha - O que precisa ser melhorado em seu jogo?
Kuerten -
Tudo. O golpe com a direita poderia ser um pouco mais forte e com mais precisão, o mesmo com voleios, saque.
Eu jogo mais no fundo, então o jogo de rede deixa a desejar um pouco. Acho que eu deveria subir mais à rede, volear mais.
O meu saque também é muito irregular. Tem dia que eu estou sacando bem, o braço está bem solto, está deslanchando. Mas tem alguns jogos em que estou mais cansado, que o saque sai muito.
Agência Folha - Não seria uma boa idéia ter a ajuda de um técnico especializado em quadras rápidas?
Kuerten -
Hoje, não penso nisso. No futuro, posso pensar.
Agência Folha - Seu técnico acumula as funções de preparador físico, nutricionista, psicólogo e até empresário. Não é muito para ele?
Kuerten -
Às vezes é mãe, pai... (risos). Mas ele também já está acostumado com isso, treina comigo desde que eu tinha 13 anos.
Sempre treinei com ele e sempre deu certo. E tem a minha mãe, que dá uma de nutricionista (risos).
Agência Folha - Quais são suas metas para o ano que vem?
Kuerten -
A meta é permanecer entre os 20 do mundo. Se der, no top 10. É difícil dizer.
Agência Folha - O ano de 1998 será mais fácil, por causa da experiência adquirida, ou mais difícil, por causa da cobrança da torcida?
Kuerten -
Vai ser melhor. Poderei escolher os torneios que quero, já conheço a maioria.
Agência Folha - Por ter pontos a defender, não teme despencar?
Kuerten -
É verdade. Mas, se eu tivesse que defender 700 pontos em vez de 2.000, nunca subiria.
Agência Folha - Você acha que será o número um do mundo?
Kuerten -
Acho que ainda não estou preparado para isso, tenho que aprender muita coisa. Preciso amadurecer mais, jogar bem em todos os tipos de quadra. E também ter mais controle dos nervos.
Eu sou cheio de altos e baixos, me irrito muito na quadra, me desconcentro de bobeira. Preciso saber quando poupar força...
Agência Folha - Não ter obtido a vaga na Copa te abalou muito?
Kuerten -
De jeito nenhum. Chegar entre os oito melhores, entre mais de mil, é difícil. Estava cabeça-a-cabeça e acabei sendo ultrapassado na reta final. É assim. Pelo menos eu estava na briga.
Agência Folha - Este foi seu primeiro ano disputando os principais torneios do circuito mundial. Quais foram suas impressões?
Kuerten -
É um esquema muito puxado. A rotina é acordar, treinar, jogar, comer e dormir.
Agência Folha - O clima é de confraternização, como no futebol, ou de desconfiança, como na F-1?
Kuerten -
É bom para caramba. O pessoal é na boa, te aceita bem. Tenho tido mais contato com os latinos, como o (chileno Marcelo) Ríos, o (espanhol Carlos) Moyá, o (também espanhol Sergi) Bruguera. A gente conhece todos, mas cada um treina em um horário.
Agência Folha - O que você vai fazer com o dinheiro que ganhou?
Kuerten -
Estou botando na poupança. Pensei em jogar nas bolsas, mas não é uma boa (risos).
Quem sabe disso é meu irmão Rafael. Ele me dá um talão de cheque para eu não passar a vergonha de ficar pedindo dinheiro na rua.



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