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Passe errado mudou a vida de Afonso
Aposta de Dunga para o ataque da seleção, jogador diz que falha fechou portas no Atlético-MG e as abriu na Europa
Tímido, jogador, que usa
brinco, tem tatuagem no
braço e português limitado,
declara ser capaz de "chegar
aonde o Ronaldo chegou"
DO ENVIADO A TERESÓPOLIS
Não foi como num passe de
mágica, mas num passe errado.
E a vida de Afonso mudou. Ele
não esquece o jogo do Campeonato Brasileiro de 2001 em que,
ao tentar acionar um colega, levou seu time, na época o Atlético-MG, a sofrer contragolpe
fulminante que terminou em
gol do xará paranaense.
"Aquele erro acabou com minha vida no Atlético-MG. Não
joguei mais", diz, em tom de lamento, o mineiro de 26 anos,
nascido em Belo Horizonte.
Parecia o fim, mas a porta
que se fechou lhe mostrou um
novo caminho que, seis anos
mais tarde, o levaria à seleção.
Pode-se dizer que a vida de
Afonso no futebol é tão imprevisível quanto seu futuro na
equipe comandada por Dunga.
Afinal, o atacante que disputa lugar hoje com nomes mais
badalados, como Fred, Robinho e Vágner Love, era zagueiro no time infantil do Atlético.
Influência do irmão mais velho, Alex, ex-jogador do Cruzeiro. A experiência não durou
muito. No juvenil, Afonso já
desfilava pelo meio-campo do
clube mineiro como volante.
Pulou para a meia quando estava nos juniores. E lá ficou até ir
para o Malmö, da Suécia.
"Viram que eu tinha qualidade e acharam que precisava jogar mais à frente. Eu tinha um
bom chute", conta o jogador.
Ele deve sua quarta mudança
de posição ao treinador sueco
Erik Comarin, que despertou
seu desejo de fazer gols. Gols
que o levaram ao futebol holandês e o fazem almejar uma condição que, a esta altura, soa pretensiosa, ainda mais para quem
tem somente dois jogos pela seleção e ainda não marcou.
"Teve Romário. Depois, Ronaldo. A cada época vai aparecendo um diferente. Mas acho
que posso chegar aonde o Ronaldo chegou", diz ele, sobre
seu ídolo e maior artilheiro da
história de todos os Mundiais.
Se dentro de campo Afonso
diz ter características parecidas
com as do "Fenômeno" como a
"frieza na hora de finalizar", fora dele estão em mundos completamente diferentes.
De fala mansa e timidez quase irritante, o atacante deixa
claro que ainda não aprendeu a
lidar com câmeras e microfones. Nos dias de concentração
na Granja Comary, é um dos
mais requisitados para entrevistas, mas não consegue evitar
a gagueira e a voz trêmula.
Os cinco anos na Europa
também o fazem, segundo ele
mesmo, esquecer algumas palavras em português. Dia desses, não conseguiu responder a
um repórter que tipo de comida
apreciava no Brasil.
"Sim, tem várias coisas. Gosto da comida da minha mãe,
que não vai muito à Holanda
porque é muito frio", disse.
"Mas você não respondeu do
que gosta. Arroz, feijão...?", insistiu o jornalista.
Visivelmente nervoso, disparou: "Hum, minha namorada,
que é européia, já veio para cá, e
minha mãe a ensinou a cozinhar algumas coisas."
O repórter desistiu. "Nos times pelos quais passei, não têm
brasileiros. Fica mais difícil.
Tenho que falar a língua deles.
Falo sueco e um pouco de inglês", explica o jogador à Folha,
um pouco mais solto, em conversa reservada, longe das câmeras de TV e dos gravadores.
A timidez já despertou até a
preocupação de Dunga. "Ele
tem me falado que preciso me
soltar mais. Os jogadores estão
me ajudando muito também",
fala o atleta, que parece não
combinar com os brincos brilhantes e a enorme tatuagem
no braço esquerdo.
Com olhar fixo na exuberante paisagem da Granja Comary,
Afonso diz que o passe errado
foi uma bênção. E agradece aos
dois empresários suecos -não
lembra seus nomes- que o tiraram do Atlético-MG.
"Se não deu certo aqui no
Brasil, deu lá fora. Isso acontece com muitos jogadores. Não
tive muitas chances aqui. Fui
para fora e consegui vencer. É
um orgulho estar na seleção."0
(EDUARDO ARRUDA)
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