São Paulo, segunda-feira, 17 de outubro de 2005

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FUTEBOL

Ode a Carlitos Tevez

JUCA KFOURI
COLUNISTA DA FOLHA

O Palmeiras dominava o jogo no primeiro tempo quando, aos 20min, num contra-ataque, Hugo lançou Carlitos Tevez, que deixou os zagueiros Daniel e Gamarra na saudade para fazer 1 a 0. Era o fim do jejum do argentino em clássicos estaduais.
A justiça no placar veio em seguida, na cobrança de pênalti bem marcado pelo árbitro e bem cobrado por Juninho, o melhor em campo, tamanha sua movimentação e lucidez.
Com dez jogadores depois que Fabrício abusou de fazer faltas desleais (Antônio Lopes tinha razão ao preferir Bruno Octávio, o colunista precisa admitir), o Corinthians tratou de se defender e o Palmeiras pouco se aproveitou da importante vantagem.
Juninho herói, Fabrício vilão, Carlitos Tevez, personagem.
Ele talvez nem venha a ser apontado como o melhor jogador deste Brasileirão.
E ninguém tem certeza de que estará por aqui no ano que vem, dadas as péssimas relações entre a problemática MSI e a desqualificada direção corintiana.
Já se disse que poucos jogadores se identificaram tanto com a torcida corintiana como ele. De fato. Trata-se de um exemplo eloqüente do "maloqueiro e sofredor, graças a Deus", venerado pela Fiel.
Mais que isso, Carlitos Tevez tem sido uma interessante surpresa a cada vez que fala.
Econômico nas palavras, dono de um espanhol mais para o Forte Apache, favelão de onde veio na periferia miserável de Buenos Aires, do que para Madri ou para a própria Buenos Aires, Tevez tem sido certeiro. Desde que chegou ao Parque São Jorge.
Assim aconteceu quando ficou solidário com companheiros perseguidos pela massa ou com os técnicos que caíram, a seu ver, sem motivos.
Atleta que mais apanha dentro do gramado, só reclama durante os jogos, às vezes de maneira perigosa, destemperada.
Mas, fora, como se reconhecesse que, além da complacência criminosa das arbitragens e do ciúmes que desperta por ser estrangeiro tão bem pago e acarinhado por sua torcida, paga o preço de um estilo de jogar bola, que busca o contato, que dá o corpo para levar a pancada e admite candidamente que "são coisas do futebol".
Nem por isso deixou de pontuar com rara felicidade o que pensa sobre os últimos acontecimentos que mancharam o campeonato: preferia que os jogos perdidos pelo Corinthians não fossem disputados novamente e criticou a atitude pouco profissional dos jogadores santistas nos episódios da Vila Belmiro.
Sofrido, inculto, tímido, pedra bruta, Carlitos Tevez tem se comportado como se um sábio fosse, oásis de sensatez em meio à polêmica que desandou o Brasileiro.
E foi ele que isolado na frente, com o inestimável auxílio de Fábio Costa atrás, levou o Corinthians a um empate com evidente gosto de vitória.
Porque Carlitos Tevez encarna como poucos um sentimento cada vez mais distante dos campos de futebol: o de morrer pela camisa que veste.

Não ao Sim
Tomara que me engane, mas o Não deve ganhar do Sim no referendo. Muito porque não são poucos os que identificam no Sim um voto a favor do governo. Votarei no Sim, pela utopia da sociedade desarmada. Mas o que parece claro nestes tempos de desencanto, de esperanças frustradas, é que cada vez mais, nós, brasileiros, dizemos não ao que vem de cima e nem sempre da melhor maneira. O grau de intolerância aumenta à medida que escândalos se sucedem e decisões são enfiadas goela abaixo. O que tem acontecido nos estádios faz parte do fenômeno. Do clima de vale-tudo, como se viu na Vila Belmiro na quinta-feira. Se há tantos motivos para desconfiar da Justiça comum hoje em dia no Brasil, o que dizer da dita Justiça esportiva, de um homem só?


E-mail: blogdojuca@uol.com.br

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