São Paulo, domingo, 18 de janeiro de 2004

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Metrópole sufoca vocação esportiva

Ex-referência nas modalidades ditas amadoras, São Paulo viu crescimento desordenado derrubar clubes, estragar estrutura e expulsar atletas

DA REPORTAGEM LOCAL

O processo que empurrou São Paulo ao posto de locomotiva do país foi também o responsável por soterrar uma das grandes vocações da cidade: a de potência dos esportes olímpicos no Brasil.
Hoje, a maior metrópole do país pouco pode fazer diante da estagnação do investimento esportivo em seu território. Montar uma equipe e sustentar atletas de ponta se tornou inviável sem ajuda.
E esta ajuda só foi encontrada além dos limites da cidade.
Com propostas de parcerias com prefeituras e empresas, a elite do esporte paulistano deixou a capital. O interior e a Grande São Paulo passaram a comandar os esportes olímpicos no Estado.
É fato que São Paulo hoje é repleta de estádios e ginásios. Mas a grande maioria está defasada e atende apenas ao lazer. Não recebem atletas de ponta há tempos.
Um cenário melancólico para uma capital que criou nomes como Maria Lenk, Maria Esther Bueno, Adhemar Ferreira da Silva e Éder Jofre, entre outros grandes.
No fim do século 19 e no início do 20, o rio Tietê viu nascer em suas margens os primeiros clubes. Na beira da Ponte Grande, atual Ponte das Bandeiras (zona norte), brotaram agremiações como o Espéria, o São Bento, o Clube de Regatas São Paulo e o Tietê.
A iniciativa foi toda orquestrada por imigrantes europeus.
"Na época, a filosofia da mente sã, corpo são também demonstrava a importância do esporte. Todas as escolas tinham quadras e espaço para a prática esportiva", diz José Sebastião Witter, 89, professor emérito de história da USP.
O crescimento das modalidades e dos clubes seguiu a mesma toada de São Paulo. Com o incremento da industrialização, surgiram também as agremiações ligadas às categorias trabalhistas.
Mas, em meados dos anos 40, o ritmo frenético de expansão da cidade superou o do esporte. Em 1944 ocorreu a última travessia de São Paulo a nado. O motivo: a poluição das águas do Tietê.
"Não foi só a prática de esportes no Tietê que desapareceu. A São Paulo de hoje é irreconhecível se comparada à cidade de 500 mil habitantes da minha época", conta Maria Lenk aos 89 anos.
Primeira brasileira a ir a uma Olimpíada, em 1932, a ex-nadadora aprendeu a nadar no rio, "ao lado de uma porção de lambaris", e foi a maior campeã das maratonas aquáticas do Tietê. No masculino, o destaque era o carioca João Havelange, ex-presidente da Fifa.
Nos anos 60, o golpe: começaram as obras das marginais. Os clubes perderam terreno. Afastaram-se dos rios. Viram o preâmbulo de seu declínio esportivo.
"Há uma grande diferença quando a diretoria vê os sócios praticando um esporte. O divórcio da modalidade das sedes sociais criou uma resistência à manutenção do investimento", diz o remador Candido Leonelli, 56.
Ao mesmo tempo em que se afastaram do rio, os clubes assistiram ao advento do profissionalismo. E, novamente, não conseguiram acompanhar as mudanças.
A situação piorou ano após ano. Nas décadas de 70 e 80, os paulistanos podiam assistir jogos de tênis com nomes como Bjorn Borg, pentacampeão de Wimbledon. Hoje, para ver um torneio de primeira linha, é necessário comprar uma passagem para a Costa do Sauípe, no litoral da Bahia.
A remuneração e a dedicação exclusiva dos profissionais de hoje torna inimaginável o percurso traçado por Zilda Ulbrich. Atleta desde 1944, ela enfrentava um dilema a cada Pan: escolher entre as seleções de vôlei e basquete.
"Se pudesse, jogaria pelas duas", relembra aos 76 anos.
Em 1955 e 1959, Zilda optou pela bola laranja. No Pan de São Paulo, em 1963, defendeu o time de vôlei.
"Eu jogava, treinava e ainda tinha de trabalhar e estudar. Hoje, os jogadores só vêem os cifrões pela frente", diz ela, que imprimiu suas mãos em uma placa de cimento na entrada do Pacaembu.
A infra-estrutura, antes única no Estado, também deixou de ser motivo para a permanência na capital. Com o crescimento econômico do ABC, Grande São Paulo e até do interior, os atletas começaram a procurar novos pólos.
"São Paulo já não era a única opção. A cidade foi se tornando mais forte, mais poderosa, mais pujante e, ao mesmo tempo, foi sufocando o aspecto democrático do esporte", analisa Witter.
(FERNANDO ITOKAZU, GUILHERME ROSEGUINI, LUÍS FERRARI E MARIANA LAJOLO)


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