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Metrópole sufoca vocação esportiva
Ex-referência nas modalidades ditas amadoras, São Paulo viu crescimento desordenado derrubar clubes, estragar estrutura e expulsar atletas
DA REPORTAGEM LOCAL
O processo que empurrou São
Paulo ao posto de locomotiva do
país foi também o responsável
por soterrar uma das grandes vocações da cidade: a de potência
dos esportes olímpicos no Brasil.
Hoje, a maior metrópole do país
pouco pode fazer diante da estagnação do investimento esportivo
em seu território. Montar uma
equipe e sustentar atletas de ponta se tornou inviável sem ajuda.
E esta ajuda só foi encontrada
além dos limites da cidade.
Com propostas de parcerias
com prefeituras e empresas, a elite
do esporte paulistano deixou a capital. O interior e a Grande São
Paulo passaram a comandar os
esportes olímpicos no Estado.
É fato que São Paulo hoje é repleta de estádios e ginásios. Mas a
grande maioria está defasada e
atende apenas ao lazer. Não recebem atletas de ponta há tempos.
Um cenário melancólico para
uma capital que criou nomes como Maria Lenk, Maria Esther
Bueno, Adhemar Ferreira da Silva
e Éder Jofre, entre outros grandes.
No fim do século 19 e no início
do 20, o rio Tietê viu nascer em
suas margens os primeiros clubes.
Na beira da Ponte Grande, atual
Ponte das Bandeiras (zona norte),
brotaram agremiações como o
Espéria, o São Bento, o Clube de
Regatas São Paulo e o Tietê.
A iniciativa foi toda orquestrada
por imigrantes europeus.
"Na época, a filosofia da mente
sã, corpo são também demonstrava a importância do esporte.
Todas as escolas tinham quadras
e espaço para a prática esportiva",
diz José Sebastião Witter, 89, professor emérito de história da USP.
O crescimento das modalidades
e dos clubes seguiu a mesma toada de São Paulo. Com o incremento da industrialização, surgiram também as agremiações ligadas às categorias trabalhistas.
Mas, em meados dos anos 40, o
ritmo frenético de expansão da cidade superou o do esporte. Em
1944 ocorreu a última travessia de
São Paulo a nado. O motivo: a poluição das águas do Tietê.
"Não foi só a prática de esportes
no Tietê que desapareceu. A São
Paulo de hoje é irreconhecível se
comparada à cidade de 500 mil
habitantes da minha época", conta Maria Lenk aos 89 anos.
Primeira brasileira a ir a uma
Olimpíada, em 1932, a ex-nadadora aprendeu a nadar no rio, "ao
lado de uma porção de lambaris",
e foi a maior campeã das maratonas aquáticas do Tietê. No masculino, o destaque era o carioca João
Havelange, ex-presidente da Fifa.
Nos anos 60, o golpe: começaram as obras das marginais. Os
clubes perderam terreno. Afastaram-se dos rios. Viram o preâmbulo de seu declínio esportivo.
"Há uma grande diferença
quando a diretoria vê os sócios
praticando um esporte. O divórcio da modalidade das sedes sociais criou uma resistência à manutenção do investimento", diz o
remador Candido Leonelli, 56.
Ao mesmo tempo em que se
afastaram do rio, os clubes assistiram ao advento do profissionalismo. E, novamente, não conseguiram acompanhar as mudanças.
A situação piorou ano após ano.
Nas décadas de 70 e 80, os paulistanos podiam assistir jogos de tênis com nomes como Bjorn Borg,
pentacampeão de Wimbledon.
Hoje, para ver um torneio de primeira linha, é necessário comprar
uma passagem para a Costa do
Sauípe, no litoral da Bahia.
A remuneração e a dedicação
exclusiva dos profissionais de hoje torna inimaginável o percurso
traçado por Zilda Ulbrich. Atleta
desde 1944, ela enfrentava um dilema a cada Pan: escolher entre as
seleções de vôlei e basquete.
"Se pudesse, jogaria pelas
duas", relembra aos 76 anos.
Em 1955 e 1959, Zilda optou pela
bola laranja. No Pan de São Paulo,
em 1963, defendeu o time de vôlei.
"Eu jogava, treinava e ainda tinha de trabalhar e estudar. Hoje,
os jogadores só vêem os cifrões
pela frente", diz ela, que imprimiu
suas mãos em uma placa de cimento na entrada do Pacaembu.
A infra-estrutura, antes única
no Estado, também deixou de ser
motivo para a permanência na capital. Com o crescimento econômico do ABC, Grande São Paulo e
até do interior, os atletas começaram a procurar novos pólos.
"São Paulo já não era a única
opção. A cidade foi se tornando
mais forte, mais poderosa, mais
pujante e, ao mesmo tempo, foi
sufocando o aspecto democrático
do esporte", analisa Witter.
(FERNANDO ITOKAZU, GUILHERME ROSEGUINI, LUÍS FERRARI E MARIANA LAJOLO)
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